Cuba

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Neste período, o fato mais importante foi a visita do papa Bento XVI, realizada entre 26 e 29 de março, na qual se refletem as dificuldades da luta pela liberdade de expressão e os direitos humanos. Ainda é cedo para avaliar a transcendência da visita do Papa. É provável que fique, do mesmo modo que a anterior de João Paulo II, como uma ação que, a longo prazo, beneficia a igreja cubana e o futuro democrático, mas a curto prazo deixa um rastro de queixas, frustrações e interrogações. Nas semanas anteriores à visita, durante a mesma e posteriormente, aumentou a repressão contra os dissidentes. A ocupação de uma igreja por 13 opositores que pediam democracia e respeito aos direitos humanos foi reprimida por forças especiais da polícia com base em uma petição singular do cardeal Jaime Ortega. Os dissidentes foram desalojados e encarcerados por várias horas. No dia da chegada do Papa à ilha, a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN) informou que “o número de detidos nos últimos quatro dias foi de pelo menos 150 dissidentes pacíficos”. E acrescentou que se proibiu “um número semelhante” de sair de suas casas ou de assistir às comemorações religiosas. Além disso, foram instalados pontos de controle e “listas negras” de viajantes e aumentaram os cortes de serviços telefônicos e desvios de suas linhas para os escritórios da polícia política – ações estas que a blogueira Yoani Sánchez qualificou como “limpeza ideológica”. A Anistia Internacional (AI) denunciou a perseguição dos ativistas de direitos humanos “com a finalidade de silenciá-los durante a visita do Papa” e mencionou o “aumento de prisões, o desligamento dos telefones e a vigilância das residências”. Vários jornalistas independentes e blogueiros (José Antonio Fornaris, Luis Cino, Jorge Olivera, Ainí Martín Valero, Juan González Febles, Dania Virgen García, Gustavo E. Pardo, Eugenio Leal, Calixto Ramón Martínez e Roberto de Jesús Guerra) foram impedidos de cobrir a visita mediante o bloqueio de seus telefones. Alberto Méndez Castelló e Luis Felipe Rojas, colaboradores do website Diario de Cuba, foram presos e liberados alguns dias depois. Negou-se o visto de entrada ao correspondente do diário espanhol El País em Roma, Pablo Ordaz. Quanto aos meios de comunicação de Miami, receberam visto de entrada a Univisión-Canal 23, Telemundo-51 e AmericaTeve-canal 41; assim como as subsidiárias locais das redes NBC e CBS. Foram dadas duas permissões para repórteres do jornal The Miami Herald, mas foram negadas diversas solicitações do El Nuevo Herald. Levando-se em conta que cerca de 800 jornalistas de 33 países cobriram a visita do Papa, dá para entender o veto ostensivo à imprensa de Miami. Dias antes da visita, o Papa externou aos jornalistas a inviabilidade do marxismo e a necessidade de buscar modelos alternativos. As suas palavras tiveram uma ampla repercussão mundial, mas não em Cuba. O acesso à Internet ficou ainda mais restrito nesses dias. O que os cubanos puderam ouvir e ver foi a exortação do Papa, expressada em uma das missas, para que os cubanos construam uma sociedade “aberta e renovada”. A repressão aumentou logo após a partida do pontífice. No dia 2 de abril, na região oriental da ilha, meia centena de opositores e Damas de Branco foram presos; houve pancadaria, arrombamento e invasão ilegal de casas, confiscos de bens pessoais, corte de serviços telefônicos e atos de repúdio. Apesar deste cenário de intimidação e violência, a Igreja se manteve em silêncio. Nem mesmo na missa da sexta-feira santa — transmitida pela televisão no primeiro feriado em meio século —, dedicada ao “perdão e reconciliação”, houve menção às violentas operações policiais que continuaram durante toda a Semana Santa. A repressão antecede a visita de Bento XVI. Em 2011, a CCDHRN relacionou 4.123 prisões de opositores, o dobro das realizadas em 2010. Quanto à liberdade de expressão, a Anistia Internacional destacou que em 2011 “continuaram as detenções arbitrárias de jornalistas e controle pelo Estado de todos os meios de comunicação” na ilha. No relatório da Human Rights Watch sobre os acontecimentos de 2011 podemos ler que: “Cuba continua sendo o único país da América Latina onde se reprimem quase todas as formas de dissensão política. Em 2011, o governo de Raúl Castro continuou impondo o consenso político através de detenções a curto prazo, pancadarias, atos públicos de repúdio, exílio forçado e restrições a viagens.” Ele menciona ainda que: “Os jornalistas e autores de blogues independentes são normalmente detidos por períodos curtos, sofrem perseguição de policiais e agentes de segurança do Estado e vivem sob a ameaça de prisão se continuarem seus trabalhos.” Em 2012, a situação não melhorou: nos meses de janeiro e fevereiro houve 600 prisões, em média. Em 20 de janeiro, faleceu o dissidente Wilmar Villar Mendoza, após quase 50 dias em greve de fome. A notícia de sua detenção e falecimento posterior transpirou graças a jornalistas independentes. A propósito, o diário The Wall Street Journal destacou as dificuldades das agências de imprensa para cobrir os acontecimentos em Cuba, por estarem sujeitas à vigilância e represálias do governo, sendo obrigadas, em consequência, à prática da autocensura. O governo insiste em exibir reformas que não são reais, enquanto continua a usar seus meios de comunicação como veículos de propaganda. A censura e a desinformação permanecem inalteradas. Curiosamente, durante seu discurso na Primeira Conferência Nacional do Partido Comunista, no final de janeiro, Raúl Castro recomendou que se ventilassem com maior naturalidade as “discrepâncias”, ao mesmo tempo em que cobrou maior profissionalismo aos jornalistas. A Conferência lançou uma nova convocação para “livrar-se da autocensura, da linguagem burocrática e adoçada, da noção de conseguir as coisas sem fazer força, da retórica, do triunfalismo e da banalidade”. Embora continuem em prática na ilha os mesmos recursos contra a liberdade de expressão (atos de repúdio, pancadarias por policiais, detenções, ameaças públicas e privadas), foram poucas as manifestações de condenação destas ações na imprensa internacional. Os governos da América Latina continuam em silêncio, embora, paradoxalmente, cobrem repercussão e manifestações na mídia do continente para o tema de readmissão de Cuba na OEA ou de sua participação na Cúpula das Américas. Mantém-se inalterado o propósito de limitar ou impedir o acesso da população aos canais alternativos de informação. Em dezembro, noticiou-se a entrada em funcionamento, de modo seletivo, do cabo submarino de fibra óptica instalado entre a Venezuela e Cuba. Até agora a população ainda não se beneficiou com este serviço. Em dezembro de 2011, o portal Cubadebate anunciou a colocação em funcionamento de um Facebook cubano, “Redsocial,” ao qual se tem acesso via Intranet nacional, embora inacessível fora do país e que também não permite conexões com o exterior. O empreiteiro americano Allan Gross, de 62 anos, cumpre pena de 15 anos de prisão promulgada em março de 2011, após ser acusado de cometer “delitos contra a segurança do Estado”, ao entregar equipamentos de comunicação a pessoas consideradas como opositores. Em março, um editorial do The New York Times destacou o seguinte: “Só em um país repressivo como Cuba as iniciativas de Gross seriam apresentadas como uma ameaça ao Estado. O acesso pleno às informações e comunicações é um direito humano”. Ao exigir a libertação de Gross, o diário comentou que “o Papa deve pressionar o líder cubano para que ponha fim à perseguição de dissidentes e dizer ao mesmo que o mundo não esqueceu o anseio pela liberdade do povo cubano”. A atividade dos blogueiros independentes continua e consolida seu prestígio dentro e fora da ilha, sendo utilizadas cada vez mais as novas tecnologias: a colocação de vídeos na rede e o uso de telefones celulares e Twitter se converteram em ferramentas de denúncia que o regime não consegue silenciar. No início de março, a revista Newsweek incluiu a blogueira Yoani Sánchez na lista das “150 mulheres mais influentes no mundo” em 2012. Apesar disso, continuam as medidas do governo para silenciar as denúncias dos blogueiros. Em janeiro, dias antes da visita da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a Cuba, Sánchez solicitou permissão para viajar ao Brasil a fim de participar da apresentação do documentário Conexão Cuba-Honduras, sobre a liberdade de imprensa em Cuba e no Brasil. Embora o Brasil tenha concedido o visto, o governo cubano proibiu a saída da blogueira. Uma sociedade civil emergente, integrada principalmente por jovens, prossegue em suas reflexões sobre a realidade nacional e formula fortes críticas ao sistema e governo cubanos. É o caso do Estado de SATS, Observatorio Crítico, Cofradía de la Negritud y Observatorio Cubano de los Derechos LGTB. O governo se esforçou para sabotar estes projetos. Por exemplo, a reunião de 7 de abril do Estado de SATS foi dedicada ao tema da repressão durante a visita papal. Vários dissidentes, entre os quais o jornalista Julio Beltrán Igrejas, foram detidos para impedir a sua participação. Em 4 de abril, suicidou-se em Las Palmas, Gran Canária, Santiago Du Bouchet Hernández, ex-preso político e diretor da agência Habana Press. O suicídio do jornalista independente, ex-preso de consciência do grupo dos 75, foi interpretado como resultado de um grupo de fatores: sequelas da sua prisão, dificuldades financeiras e falta de adaptação ao exílio forçado. Outros jornalistas e dissidentes exilados na Espanha temem perder a insignificante assistência que o governo concede. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu relatório anual de 2011, manteve Cuba dentro da “lista negra” de países do continente onde ocorrem as piores violações dos direitos humanos. Destacou que neste período não houve nenhuma mudança quanto às restrições dos direitos políticos, da liberdade de associação, expressão e pensamento, ausência de eleições e de um poder judicial independente e restrições à liberdade de movimentação.

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