Argentina

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Nos últimos seis meses, a hostilidade contra a imprensa aumentou. Várias resoluções do governo, manobras judiciais, declarações ofensivas e ameaçadoras de funcionários públicos, medidas contra a mídia e ameaças e agressões físicas a jornalistas delineiam um cenário sombrio para o exercício do jornalismo e o direito de todos os cidadãos a se expressarem livremente. Aumentaram os obstáculos ao acesso dos jornalistas às fontes oficiais. O discurso dos funcionários públicos é reservado e afeito a perguntas. A presidente Cristina de Kirchner não concedeu nenhuma coletiva de imprensa em 2012, mas usou a cadeia nacional cerca de vinte vezes para fazer vários anúncios que não tinham nenhuma relação com "situações graves, excepcionais ou institucionalmente importantes", casos em que seu uso é legalmente justificado. Em muitos dos seus discursos, a presidente atacou o jornalismo e fez referências a uma "cadeia ilegal de medo e desânimo", em alusão ao Grupo Clarín e a outras empresas de mídia. Em 11 de julho deste ano, em cadeia nacional, a presidente acusou um corretor imobiliário de evasão fiscal depois de se referir a declarações que ele havia feito ao jornal Clarín sobre dificuldades econômicas no seu setor. Essa acusação pública violou o sigilo fiscal e constituiu um claro abuso de poder que se repetiu, um mês depois, quando a presidente mencionou o jornalista Marcelo Bonelli, a quem acusou de supostos pagamentos irregulares a uma empresa. Nesse discurso, afirmou que era necessário haver uma lei de ética pública para a imprensa. O investimento estatal em comunicações aumentou em 2012, de acordo com os números divulgados pelo Departamento Nacional de Orçamento, para 7.143 bilhões de pesos, equivalentes, no câmbio oficial, a mais de 1,5 bilhão de dólares. A metade dessa quantia será alocada para obras da empresa estatal de soluções de satélite, a ArSat, como a construção de estações digitais de transmissão e instalação de antenas. O programa Futebol para Todos custará 1,378 bilhão de pesos, incluindo pagamentos para direitos de transmissão e custos de produção, uma quantia que será acrescentada aos quase 4 bilhões que o programa já custou nos seus três anos de existência. A agência de notícias oficial, Télam, Canal 7, TV aberta, e a Radio Nacional, gastarão 900 milhões de pesos este ano. De acordo com o orçamento oficial, estima-se que 590 milhões serão gastos em publicidade oficial, sendo 347 milhões para manutenção e desenvolvimento da TV Aberta Digital e 166 milhões para financiar a AFSCA, órgão de aplicação da Lei 26.522, conhecida como a Lei da Mídia. Além do crescimento constante do investimento nessa área, deve-se ressaltar o uso que se faz do aparato sustentado por esses fundos. A transmissão dos partidos incluídas no programa Futebol para Todos tem o Estado como anunciante exclusivo em anúncios que tendem a ter um tom proselitista. Os meios de comunicação públicos funcionam, dentro dos seus espaços informativos, como órgãos partidários, com programas destinados a desacreditar jornalistas e a mídia independente. A publicidade oficial é usada, em geral, de maneira arbitrária, de acordo com a linha editorial de cada meio e desconhecendo decisões da Corte Suprema de Justiça que condenam a discriminação na concessão de publicidade. Há mais de um ano o governo não fornece informações sobre sua distribuição, mas uma pesquisa privada que monitorou as variações da publicidade oficial em uma grande quantidade de jornais, estima que houve um crescimento de 70% nos primeiros oito meses de 2012 em comparação com o mesmo período do ano anterior. O estudo sobre a concessão de publicidade revela que para alguns meios houve um aumento de 240% entre um ano e outro. No início de agosto, manifestantes de sindicatos de vendedores e distribuidores de jornais impediram a saída dos jornais La Nación e Clarín, o que é crime previsto no Código Penal, mas que foi ignorado pelas autoridades. Nesse mesmo mês, foi suspensa a publicação dos levantamentos da Associação de Consumidores Livres porque a associação divulgou uma pesquisa de preços com números diferentes dos que haviam sido fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). Ao mesmo tempo, outras associações foram notificadas pela Subsecretaria Nacional de Defesa do Consumidor a informar que metodologia utilizam para fazer suas pesquisas. Essa política de assédio contra os que apresentam estatísticas diferentes das questionáveis estatísticas do governo é a mesma que foi usada anteriormente contra consultores financeiros que foram multados ou intimidados por divulgarem índices de inflação diferentes dos fornecidos pelo governo. Boa parte dos meios de comunicação do interior sofrem, em igual ou maior medida, o que os grandes jornais da cidade de Buenos Aires sofrem, e enfrentam pressões e discriminações dos governos provinciais e municipais. Mas a esse assédio devem-se somar as enormes dificuldades econômicas que colocam em risco sua sobrevivência. A imensa maioria deles mal consegue pagar os impostos. Por isso, é fundamental uma mudança do atual sistema fiscal, que ignora os compromissos do Estado e ameaça a sobrevivência desses importantes elementos das comunidades argentinas. A maioria dos mais de 15.000 meios de comunicação da Argentina não podem sobreviver sem o amparo do governo. A pluralidade de fontes de notícias foi colocada à prova durante a cobertura da manifestação cidadã de 13 de setembro último, uma das mobilizações mais importantes dos últimos anos. O evento foi coberto de forma limitada ou parcial por muitas estações de TV. Por isso, as agressões do governo contra os que cobriram os eventos de forma ampla põe em jogo não só interesses corporativos e patrimoniais, como também o direito dos cidadãos de estarem informados. Em uma decisão recente, a Corte Suprema de Justiça estabeleceu que expira em 7 de dezembro deste ano uma medida cautelar que impede a aplicação de dois artigos da Lei de Mídia em relação ao Grupo Clarín. A Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) fez um anúncio, durante o programa Futebol para Todos e em horário nobre dos meios privados, tentando dar sua interpretação da decisão da Corte Suprema. Pode-se concluir, com esse anúncio e as declarações de vários funcionários, que o governo entende que, antes de 7 de dezembro, o Grupo Clarín deve apresentar um plano de reorganização dos seus meios de comunicação para iniciar um processo de dissolução. Os juízes que se pronunciaram sobre o assunto concordam em que na data estabelecida poderão acontecer três coisas diferentes do que a campanha do governo sugere. Poderia haver uma decisão sobre a questão de fundo (a inconstitucionalidade dos dois artigos), uma prorrogação da medida cautelar ou poderia começar a contar o prazo de um ano contemplado pela Lei para a alienação por parte dos grupos que excederam a quantidade máxima de licenças estipuladas. Neste contexto, ocorreu há duas semanas uma tentativa irregular de recusar um membro independente do Conselho de Magistratura, órgão que propõe trios de juízes para cobrir vagas dentro do Poder Judiciário. Essa recusa permitiria ao oficialismo obter a maioria que necessita para propor ou remover juízes, colocando em risco a independência do poder Judiciário. Uma das vagas que devem ser cobertas é a do tribunal que deve se pronunciar sobre a ação judicial do Grupo Clarín. A aplicação seletiva da Lei de Mídia é um sinal de alerta sobre o que pode ocorrer no futuro próximo. Existem vários meios de comunicação que não se ajustam ao previsto em vários artigos da Lei, que não contam com medidas cautelares e que, no entanto, não foram intimidados a cumprir o que esta estipula. Silvia Vázquez, ex-deputada nacional e autora da Lei de Mídia, afirmou que a lei poderia ser empregada para um "linchamento" contra um grupo midiático e reconheceu que há grandes questões pendentes no que se refere à sua aplicação. Não foram divulgados os resultados do censo dos meios de comunicação - necessário para a readequação do espaço de radiodifusão - não se executou um plano técnico para garantir a viabilidade dos novos meios nem se realizou com sucesso o concurso para a concessão de licenças de TV. A precária aplicação da lei, sancionada há três anos, gera o temor razoável de que termine gerando um sistema fraco de meios que, na sua grande maioria, não sejam sustentáveis e terminem dependendo do amparo econômico do Estado e perdendo toda a possibilidade de independência. À recente designação de um autodenominado militante a favor de Kirchner para a direção da AFSCA, e a ausência de representantes da oposição dentro da sua diretoria, soma-se ao temor fundado de um uso instrumental da lei cujo objetivo seria dissolver um grupo de meios de comunicação específicos. Deve-se dedicar um parágrafo deste relatório ao grande número de agressões ao exercício do jornalismo que foi registrado nos últimos meses. Um relatório recente da Fundación LED (Liberdade de Expressão + Democracia) indica que no primeiro semestre deste ano houve 161 agressões a jornalistas e meios de comunicação. Trata-se de um número superior ao computado pelo FOPEA (Foro de Jornalismo Argentino) para todo 2011. Gustavo Tinetti, da Radio Cadena Nueve, 9 de julho, província de Buenos Aires; Sergio Loguzzo, de 6,7,8; Hernán Lascano, de La Capital, Rosario; Aníbal Parma, de FM Génesis, Formosa; Rodrigo Alegre, David Santistebe e Federico Gandolfi, de Periodismo para Todos, são alguns dos jornalistas que foram ameaçados ou atacados fisicamente por desconhecidos, membros de organizações sociais ou manifestantes na via pública, devido a seu trabalho jornalístico, no período analisado. Os responsáveis pelas agressões a Daniel Luna, do Canal 4 de Candelaria, Misiones; Hernán García, da FM Uno, de Sancti Spiritú, Santa Fe; Marcelo Bertolino, de FM Estudio 2, de Pilar, e Gonzalo Rodríguez, de CQC, em Pinamar, foram funcionários públicos desses locais. Jorge Lanata e membros da sua equipe foram detidos por policiais venezuelanos no aeroporto internacional de Caracas, que os interrogaram sobre as fontes das suas matérias, se apoderaram dos seus equipamentos jornalísticos e apagaram seu conteúdo. Por outro lado, continua a desigualdade entre os jornais de Junín, Democracia e La Verdad, este último editado pelo bispo de Luján-Mercedes, que foi isento de pagar impostos pela Administração Federal de Receitas Públicas, o que afeta a igualdade perante a lei e a livre concorrência.

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