Bolívia

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O governo começou a utilizar uma lei contra o racismo e todas as formas de discriminação para controlar o trabalho jornalístico ou buscar a punição e o fechamento dos meios de comunicação. A Agência de Notícias Fides (ANF) e os jornais El Diario e Página Siete foram os primeiros meios de comunicação processados segundo o artigo 281 do Código Penal que considera crime a “divulgação e incitação ao racismo e à discriminação”. Em um discurso público, o presidente Evo Morales disse: “No leste boliviano se produz (alimento) durante todo o ano; somente por falta de vontade podemos ser tão pobres e não ter alimentos. No planalto é diferente; se há geada, chuva ou granizo não há alimentos, mas no leste não, só passaremos fome se formos fracos”. De acordo com a interpretação do governo, a ANF distorceu o discurso do mandatário, pronunciado em 15 de agosto em Tihuanacu, ao substituir o adjetivo “fraco” (flojo) pelo substantivo preguiça (flojera) no título de uma nota. A manchete que motivou a denúncia oficial destacou: "Evo diz que se há fome no leste é por 'preguiça'". Os outros meios de comunicação se encarregaram de reproduzir o conteúdo da notícia difundida pela ANF. O governo, porém, alega que “as notícias publicadas nos meios de comunicação da Agência de Notícias Fides, ANF, Página Siete e El Diario, cometem provavelmente o crime em questão (divulgação e incitação ao racismo ou à discriminação), porque de maneira pública, tendenciosa e repetida eles divulgam uma versão distorcida do discurso do primeiro mandatário do Estado Plurinacional, com base em ideias de ódio racial”. Os três meios de comunicação rejeitaram a denúncia do governo de que cometeram algo de errado ou de que distorceram as informações. A Associação Nacional de Imprensa (Asociación Nacional de la Prensa - ANP), líderes de opinião e analistas especializados em meios de comunicação concordaram que a ação judicial, mesmo na ausência de qualquer crime, deve ser examinada à luz da Lei de Imprensa e dos Tribunais de Autorregulação Ética, conforme manda a Constituição, mas não por via penal, como interpreta o governo. A estratégia do governo, segundo seus mais altos representantes, é a tomada total do poder para substituir a República pelo Estado, sob um regime comunitário de controle social. Sob o controle direto do poder Executivo estão os poderes Legislativo, Judiciário e Eleitoral, que eram poderes independentes sob a antiga ordem constitucional. Por meio da nacionalização de grandes empresas de produção, o Estado já controla grande parte do poder econômico. O controle dos meios de comunicação também é prioridade do governo. Em 26 de setembro, o sacerdote Eduardo Pérez Iribarn, diretor da Rádio Fides, foi acusado de transmitir no rádio “critérios facciosos com o objetivo de desestabilizar o governo e de criar uma sensação de insegurança e incerteza, o que requer uma punição exemplar, pois a liberdade de expressão na democracia não pode violar os direitos e garantias das pessoas”. A acusação foi provocada pela opinião do diretor da Rádio Fides sobre a ilegalidade da posse da presidente do Senado, Gabriela Montaño, como presidente interina da Bolívia durante cinco dias devido às viagens do presidente e do vice-presidente ao exterior. O diretor da Fides se limitou a ler a Constituição e lembrar que a única instância que pode interpretá-la é o Tribunal Constitucional e não o governo. Na cidade de Santa Cruz de la Sierra, o prefeito, Perce Fernández, foi responsável por repetidas agressões verbais contra jornalistas e meios de comunicação, e no dia 1o de setembro ameaçou de morte jornalistas e diretores do matutino El Deber. “Vamos acabar com eles um dia desses (o El Deber e os jornalistas), palavras do prefeito de Santa Cruz. Não sei se vão direto para dois metros debaixo da terra ou se não vão mais voltar para suas casas, mas algo vai acontecer com eles, não? Que não se queixem porque não é ameaça, é só uma conversa”, declarou Fernández. A Unidade de Monitoramento e Vigilância da Liberdade de Imprensa e Expressão da Bolívia da ANP registrou 13 agressões físicas contra jornalistas e 14 agressões verbais e ameaças este ano. Os jornalistas afetados moveram três ações judiciais por agressões verbais, entretanto nenhuma delas prosperou e nenhum dos casos de agressão física nos últimos cinco anos foi esclarecido nem resultou em condenações.

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