Uruguai

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Embora sem a ocorrência de ataques frontais, nem de acontecimentos graves que afetem o trabalho dos jornalistas ou da mídia, o clima de liberdade de imprensa neste semestre ficou tenso com o aparecimento de limitações, enquanto se insiste no anúncio de iminente projeto de lei que, em seu primeiro capítulo “se ocupará dos direitos dos espectadores”. O problema da insegurança dos cidadãos —a grande preocupação dos uruguaios— coloca em má situação o governo incapaz de encontrar os mecanismos para combater com sucesso o crime, onde a presença de menores é uma constante. Por via administrativa e sem as garantias do Poder Judiciário, aplicou-se uma severa sanção econômica ao diário El Heraldo da cidade de Florida por suposta violação do Código da Infância e Adolescência, estando em tramitação outra medida semelhante contra o diário El País, iniciada um ano e meio após o registro da suposta infração. Há pouco mais de um mês, o El País recebeu permissão para consultar a petição apresentada pelo INAU, onde um funcionário solicitava uma penalização em decorrência de nota sobre um menor delinquente cognominado de "El Ricky". O adolescente era autor de sete crimes gravíssimos previstos na legislação penal: repetição efetiva de homicídio com agravo muito especial com seis roubos repetidos, após obter notoriedade pública como líder da quadrilha denominada de "gangue da marreta", um grupo que assaltava locais de pagamentos. Segundo o comunicado, o artigo "tende para a individualização do adolescente, já que, mesmo sem dar o seu nome, identifica-o usando seu apelido, ao mencionar... "El Ricky", além de empregar a palavra "menor", outro elemento de identificação da pessoa”. Apesar de revogado o decreto de 1988 que estabelecia a censura prévia dos conteúdos no horário de proteção ao menor (que estava voltado principalmente à exibição de trailers de filmes e cuja aplicação não era necessária), este horário foi ampliado para incluir a transmissão dos programas desportivos, políticos e informativos. O seu controle ficará também nas mãos de um funcionário administrativo, lotado no Instituto Nacional do Menor. Por sua vez, o Centro de Arquivos e Acesso às Informações Públicas (CAinfo) confirmou várias denúncias, ao informar que “vários órgãos declararam como sigilosa uma boa parte das informações referentes à sua gestão, usando indefinições na interpretação de algumas exceções estabelecidas pela lei de Acesso às Informações Públicas”. O caso mais destacado é o do Ministério do Interior que emitiu cinco resoluções classificando como confidencial, por razões de segurança, a maior parte das informações geradas pelo órgão. O próprio governo fez severas críticas aos meios de comunicação. O ex-ministro de Defesa Nacional e atual senador, Luis Rosadilla, declarou em 17 de setembro em La República que “a principal oposição ao governo vem da imprensa”, por meio de um “conjunto bem montado de estratégias promovidas por certos meios de comunicação” e reivindicou a necessidade de “um conjunto de meios de comunicação que os enfrente; é necessário jogar para valer neste campo”. Outros destaques Em 21 de maio, os quatro participantes das eleições internas da Frente Ampla, o partido oficial, coincidiram em sua posição a respeito da “democratização do sistema de mídia”. E também que “é uma luta importante sobre a regulação dos conteúdos (da mídia), que cabe ao poder”. Em 28 de maio, perante a escassa concorrência à eleição interna, a senadora Lucía Topolansky responsabilizou a mídia da capital pela baixa votação, porque para ter acesso a ela é preciso pagar ou depender de estruturação realizada pelos jornalistas. Em 30 de maio, em seu programa de rádio habitual, o presidente Carlos Mujica mencionou a regulação de conteúdos. Firmou sua posição de que se trata de lei de serviços de comunicação audiovisual e que “não existe nenhum interesse em regulamentar os conteúdos dos noticiários, nem em interferir na linha editorial da mídia”. O presidente acrescentou que “dispomos de uma série de normativos dispersos para telecomunicações que precisam de revisão e ordenamento. Está chegando a hora de amadurecer para que tenhamos uma lei global”. E afirmou em seguida que “há setores estratégicos do país que nunca foram francamente democratizados e vai ser muito difícil promover a democracia na sociedade sem uma mídia cada vez mais democrática. Não é uma tentativa de silenciar os donos da mídia, mas sim de pedir que considerem as suas obrigações e responsabilidades perante a sociedade.” Em 13 de junho, a prefeita de Montevidéu, Ana Olivera, deu por concluída uma investigação iniciada em 2010 e puniu um funcionário com cinco dias de suspensão, sem vencimentos, por declarações feitas para o jornal El País, em que reconheceu que “não há gente” para controlar as caçambas de lixo, uma responsabilidade da Prefeitura. Em 20 de junho, o governo anunciou a sua decisão de modificar o decreto que regulamenta o horário de proteção ao menor e incluir “as questões excluídas atualmente. Ou seja: noticiários, reportagens políticas e desportivas”. Criticou-se a falta de divulgação das conquistas do governo, ao mesmo tempo em que se constatou um aumento do “noticiário policial” ou daqueles episódios que, a juízo do Poder Executivo, gerem e incitem a violência. Em 10 de julho, o Poder Executivo revogou o decreto que estabelecia a censura prévia durante o horário de proteção ao menor (nunca aplicado) e ampliou o mesmo para incluir os noticiários, programas desportivos e políticos. Em nome da oposição, o deputado Alvaro Delgado qualificou o normativo como o “horário de proteção do governo”. Na revista “Políticas” de agosto, uma cuidadosa publicação que a Presidência edita mensalmente, o diretor Nacional de Telecomunicações, Sergio de Cola, anunciou o envio em breve de projeto de lei de 170 artigos que, em seu primeiro capítulo, se “ocupará dos direitos do público espectador”, porque o Poder Executivo está “preocupado em garantir os direitos violados dos espectadores”. Por seu lado, o secretário da Presidência, Alberto Breccia, foi categórico ao afirmar que “sabemos quais são os limites”, embora sem definir quais são eles e considerou que “haverá tanta autorregulação (da mídia) quanto possível e tanta regulação do Estado quanto necessária”. A Prestação de Contas incluiu dois artigos —aprovados exclusivamente pela bancada do governo— que estabelecem um tributo a ser cobrado da mídia eletrônica e a cessão ao governo de quinze minutos diários para sua utilização em “campanhas de utilidade pública”. Nos primeiros dias de setembro, houve o embargo do El Heraldo da Florida em função de multa aplicada pelo Instituto da Infância e Adolescentes pelo que se considerou uma violação do Código da Infância —aprovado em 2004 e modificado neste dispositivo pelo artigo 433 da Lei de Orçamento (N°17.930) de 2006 que tirou esta competência do Poder Judiciário— a transmissão em 2008 de notícia envolvendo uma menor. A notícia tinha sido divulgada também por canais locais e nacionais de televisão, mas isso não foi levado em conta. O diretor da publicação, Álvaro Riva, escreveu em editorial intitulado “A outra face, não”, que “o governo quer evitar as más noticias, o que conseguiu neste caso, pelo menos em parte, ao impor um regime de autocensura a El Heraldo, que não informará sobre menores em situações sociais críticas, de abusos trabalhistas e muito menos quando os seus direitos forem violados, como no caso do estupro que originou a notícia em 2008”. Em 5 de setembro, em um programa de televisão, o presidente Mujica atacou a imprensa e personalizou seu ataque contra os jornais El País e El Observador. Para arrematar tudo isso, José Artigas atribuiu ao líder uruguaio uma frase que ele nunca disse: “a grande vantagem é que meu povo não sabe ler”. Dois dias depois destas declarações, mais de uma centena de pessoas que se autoidentificaram como pertencentes ao grupo radical “Ação sem Fronteiras”, lançaram bombas de tinta e picharam as fachadas de El Observador e da emissora de televisão Montecarlo, enquanto exigiam —em frente a uma fileira de policiais— que não “distorçam” as informações e deixem de informar “banalidades”, invocando as gestões para a instalação de uma megaempresa de mineração (Aratirí). Em 6 de setembro, foram divulgadas as cinco resoluções do Ministério do Interior que impedem que, sob o amparo da Lei de Acesso às Informações Públicas, se divulguem determinadas informações dessa secretaria de Estado, que ficarão guardadas sob o rótulo de “Informações Reservadas”, o que inclui praticamente a totalidade das suas atividades e infraestrutura. Em 14 de setembro, El Observador publicou uma nota, com chamada na folha inicial, onde informava sobre reunião do presidente com vários dirigentes do Partido Comunista, que expressava —segundo as fontes— a insatisfação deste grupo político com o supremo mandatário e a possibilidade de os comunistas abandonarem o governo. Nesse mesmo dia, a notícia foi desmentida na mídia de televisão pelo ex-coordenador da central sindical Pit-Cnt e atual vice-presidente da Frente Ampla, Juan Castillo. El Observador —que tinha a nota gravada— se viu na obrigação de revelar a sua fonte, Castillo, que é também um dos principais dirigentes do Partido Comunista. Nessa mesma gravação, Castillo confirmou a informação que desmentiria em seguida e pede expressamente que não se revele o seu nome. Em 20 de setembro, o presidente, em seu programa de rádio habitual, criticou a mídia por não cobrir as informações do encontro que manteve com o Conselho Nacional de Estudantes e declarou sentir “muita pena” pela “triste trivialidade do sistema informativo”.

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