Argentina

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No último semestre, registraram-se vários obstáculos, ameaças e ataques, na sua maioria promovidos pelo governo, e que impedem o pleno exercício do jornalismo. O boicote publicitário a alguns meios de comunicação; o uso de recursos públicos como ferramenta de cooptação e punição; o risco de estatização da produção de papel jornal e de intervenção nas empresas de comunicação; a aplicação seletiva de leis e as agressões físicas e verbais contra jornalistas são elementos que, juntos, têm afetado a liberdade de expressão, e que em grande parte refletem a intenção do governo de calar todas as vozes que questionem seu discurso.   O boicote publicitário contra os jornais Clarín, La Nación, Perfil e El Cronista, entre outros, se estende por mais de oito meses, e é o golpe econômico mais duro nas últimas décadas à mídia independente.    Desde fevereiro deste ano, as principais redes de supermercados e eletrodomésticos retiraram sua publicidade da mídia independente, provocando uma queda da sua receita publicitária de até 20%, o que em certos casos significa déficit operacional. Estima-se que o impacto anual dessa medida ilegal seja de 60 milhões de dólares. Esta medida infringe também o direito do consumidor, que perde a possibilidade de se informar sobre os preços e ofertas de produtos.   O presidente do Sindicato de Consumidores da Argentina revelou que, em uma audiência de conciliação realizada em junho deste ano, os representantes de quatro redes de supermercados reconheceram a existência do boicote publicitário aos jornais, “imposto pelo (Secretário de Comércio Interior) Guillermo Moreno” e afirmaram que “não podem fazer nada”.   Um grupo de deputados de diferentes blocos da oposição apresenta mensalmente no Congresso um “índice de censura à publicidade na imprensa”, que engloba 17 jornais editados na cidade de Buenos Aires. O índice mostra que os anúncios publicitários de 50 rubros tiveram uma queda de 75% em relação a janeiro de 2013, mês anterior ao início do boicote.    A intimidação aos anunciantes privados vem acompanhada de uma distribuição arbitrária da pauta estatal. Os relatórios mais recentes sobre sua distribuição indicam que entre o segundo semestre de 2009 e o primeiro de 2012, mais de 40% dos mais de 300 milhões de dólares distribuídos nesse período foram destinados a cinco grupos midiáticos, sendo que nenhum deles é líder de audiência no seu segmento, em um universo de 15.000 meios de comunicação.   Estimativas privadas indicam que em 2013, ano eleitoral, os valores de publicidade oficial aumentaram e que continuaram sendo distribuídos, em geral, em benefício dos meios partidários do governo e para punir os que não são. Através de uma resolução assinada pelo chefe de Gabinete e o ministro de Economia, promulgada em julho no Diário Oficial, a verba de publicidade oficial passou de 135 para 215 milhões de dólares.   O governo continua não acatando as decisões da Corte Suprema de Justiça que estabelecem que não se pode suspender a colocação de publicidade oficial como forma de punir uma publicação por sua linha editorial. A publicidade oficial domina espaços, como o do “Futebol para Todos”, em que não é computada como gasto. O custo anual para o Estado argentino desse programa, que significou a estatização das transmissões de TV das partidas de futebol da primeira divisão, é aproximadamente 250 milhões de dólares.   Uma lei de acesso a informações públicas continua sendo apenas um desejo em projetos sistematicamente ignorados no Congresso. A obtenção de dados públicos por jornalistas ou cidadãos comuns continua sendo controlada pelo governo. Isso é algo grave em um país em que as estatísticas oficiais são manipuladas, em que se censura quem publica índices diferentes dos oficiais, e em que não há coerência na forma como os funcionários exercem essa censura.  Em maio deste ano, legisladores partidários do governo apresentaram um projeto de lei para expropriar ações da Papel Prensa (a única fábrica de papel jornal da Argentina) de uma forma que passaria o controle da companhia para o governo.  A chamada “lei da mídia” continuou sendo questionada, tanto por seu texto quanto pela sua aplicação seletiva pelo governo. Após quatro anos da sua promulgação, o cenário da mídia é muito diferente do que pregavam seus promotores: nota-se uma forte “colonização” da mídia por parte do governo, multiplicação de novas licenças para agentes do governo (que chegaram a 965 das licenças concedidas), fracasso das licitações para televisão digital para o setor privado e uso seletivo da lei.  A lei da mídia é utilizada, assim como a publicidade oficial, como sistema de prêmios e castigos. Como denunciado por entidades como a SIP e a ADEPA, a lei em questão afeta a liberdade de expressão ao restringir o funcionamento, sem justificativa técnica, de meios de comunicação que não usam espectro radioelétrico – como os sinais audiovisuais ou as operadoras de serviços a cabo -, o que implica censura de acordo com o pacto de San José de Costa Rica. Ela gera também discriminação entre as diversas operadoras, favorece o controle dos meios por empresas a serviço do Estado, e privilegia a cobertura das vozes do governo em prejuízo das outras. Além disso, compromete a sustentabilidade da mídia privada e, assim, sua independência jornalística. A constitucionalidade da lei está sendo analisada pela Corte Suprema de Justiça.     Uma nova lei que regula o mercado de capitais permite às autoridades dissolver os conselhos de administração de empresas com ações negociadas na Bolsa, como o Grupo Clarín, sempre que se considerar que exista “perigo de extrema gravidade para os direitos dos acionistas majoritários”.  A presença do secretário de Comércio Interior e do vice-ministro da Economia em uma assembleia do Grupo Clarín, somada a uma incomum quantidade de pedidos de relatórios pela Comissão Nacional de Valores reforçou a versão de que o governo considerava a possibilidade de intervir no grupo.  Em julho passado, a Secretaria de Comunicações, em cumprimento a um decreto do Poder Executivo, emitiu uma resolução que obriga os provedores de serviços de telecomunicações a fornecer à Comissão Nacional de Comunicações todas as informações que sejam exigidas. O escopo desse decreto permitiria que a Secretaria exigisse informações dos usuários, por exemplo, dos seus e-mails, sem autorização judicial.   Em consequência da preocupante situação da imprensa, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concedeu uma audiência a sete jornalistas argentinos, marcada para 2 de novembro, para que se manifestem sobre os ataques à imprensa. Vários jornalistas, diretores de meios e meios de comunicação sofreram diversos tipos de ataques:  Em 21 de março deste ano, desconhecidos lançaram coquetéis molotov contra uma distribuidora de jornais na província de Santa Fe. Em 27 de março, três membros de uma equipe do jornal Día a Día foram detidos ilegitimamente por policiais da província e em seguida liberados, enquanto cobriam uma apropriação de terrenos na província de Córdoba.  Em 5 de abril, a rádio Génesis de Ingeniero Suárez, província de Formosa, foi incendiada, e suas instalações foram consumidas pelo fogo.  O mesmo aconteceu, no início de junho, com a rádio FM Paraíso 42, de El Hoyo, província de Chubut. No final de agosto, a casa do diretor da FM Libertad, de Ibarreta, província de Formosa, foi alvo de uma tentativa de incêndio, e o incidente parece estar relacionado com sua participação em uma investigação jornalística  para o programa do jornalista Jorge Lanata.   O governador de Salta, Juan Manuel Urtubey, atacou sistematicamente o jornal El Tribuno, de Salta. Em 8 de abril, disse que um escândalo pela entrega irregular de habitações sociais era uma “manobra extorsiva com tons mafiosos”. Em 29 de maio, em decorrência de notícias sobre o uso dos aviões oficiais, Urtubey disse que “não nos perdoam porque nas províncias se combate o narcotráfico”. Urtubey repetiu a acusação, e apesar de reconhecer que carecia de provas, afirmou: “Onde há fumaça, há fogo”. Em 10 de abril, o governador de Salta, Juan Manuel Urtubey, declarou, durante uma coletiva de imprensa que se sentia vítima de “uma manobra extorsiva com tons mafiosos”, por parte do jornal local El Tribuno. O deputado nacional por Salta, Pablo Kosiner, afirmou que “o jornal, cujo proprietário é o ex-governador Juan Carlos Romero, acionista do El Tribuno, é porta-voz da estratégia dos traficantes de drogas.”   Em 18 de abril, durante um protesto na cidade de Buenos Aires, um cronista e um cinegrafista da agência Télam foram agredidos por manifestantes.   Vários jornalistas de diversos meios ficaram feridos por balas de borracha da polícia enquanto cobriam o conflito entre os policiais e funcionários do Hospital Borda, no final de abril, na cidade de Buenos Aires.   No início de maio, desconhecidos dispararam com uma pistola de 9 mm contra o prédio da Cablevisión, que pertence ao Grupo Clarín.  Em 7 de maio, seis pessoas foram detidas pela polícia quando pintavam “Puntal miente” em um muro, em referência ao jornal de Río Cuarto, na província de Córdoba.  Essas palavras foram colocadas em muros da região antes e depois da detenção. Em 20 de junho, uma greve de trabalhadores e membros do sindicato de caminhoneiros afetou seriamente a distribuição de exemplares de vários jornais matutinos na cidade de Buenos Aires, impedindo que centenas de milhares de leitores recebessem informações pelo meio que escolhem diariamente para se manterem informados.  Em 4 de julho, em um coquetel oferecido na embaixada nos Estados Unidos, o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, insultou uma jornalista do jornal Clarín.  Em 8 de agosto, o CEO do Grupo Clarín e seu advogado foram insultados, agredidos e cuspidos por militantes da Frente pela Vitória e do grupo Tupac Amaru na saída de uma audiência de mediação.    Em 18 de agosto, Jorge Lanata foi chamado de “pistoleiro de Magnetto”, na conta de Twitter do gabinete da Presidência, enquanto seu programa de TV era transmitido ao vivo. Horas depois, o secretário-geral da Presidência foi mais direto e afirmou, em declarações a um meio, que o jornalista era um “assassino midiático”. A chefe do bloco do governo na Câmara dos Deputados declarou, em relação às matérias de Lanata, que “a intenção é dar um golpe institucional à democracia”.   Em 28 de agosto, quando saía de uma audiência na Corte Suprema sobre a lei da mídia, um jornalista do jornal La Nación foi cuspido e insultado por militantes kirchneristas.  Em 29 de agosto, dois fotógrafos do jornal Río Negro sofreram agressões durante uma repressão policial a manifestantes em frente à Assembleia Legislativa da Província de Neuquén. No mesmo dia, o correspondente da província de Jujuy do canal América TV foi detido e agredido pela polícia quando cobria uma manifestação de funcionários públicos.  Em 12 de setembro, o diretor do jornal La Verdad, de Junín (província de Buenos Aires), foi ameaçado de morte por uma pessoa que não pôde identificar.  Semanas atrás, o jornalista Tomás Méndez, do Canal 10, da cidade de Córdoba, denunciou ter recebido ameaças de morte depois de publicar uma matéria sobre vínculos entre o narcotráfico e funcionários da Divisão de Drogas Perigosas da Polícia provincial.

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