Bolivia

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O governo mantém sua estratégia para implantar um novo paradigma de comunicação, de forma concentrada, regulada sistematicamente e com abundância de recursos econômicos. Trata-se de uma estratégia que pretende sufocar os escassos 10% ocupados pela mídia independente. Essa porcentagem foi fornecida pelo próprio presidente Evo Morales, quando afirmou, em declarações à imprensa, em 24 de setembro, que entre os meios de comunicação “restam agora 10 ou 20 por cento de opositores”. Essa foi uma admissão implícita de domínio do governo sobre a maioria dos meios de comunicação privados. Os métodos utilizados para esse controle são variados. As agressões verbais e a atribuição equivocada de um papel político à mídia e aos jornalistas são frequentes, principalmente nos discursos do presidente Morales, do ministro da presidência, Juan Ramón Quintana, e de outros funcionários do alto escalão. Em 23 de agosto, essas agressões verbais sistemáticas e altamente agressivas acabaram afetando o jornal Página Siete, de La Paz, cujo diretor, Raúl Peñaranda, foi obrigado a se demitir. De acordo com explicações do próprio jornalista, ele deixou seu cargo para preservar o jornal, do qual é fundador, dos ataques do governo que lhe atribuíam uma posição “pró chilena” baseando-se em relações de parentesco de outro dos seus proprietários com uma parlamentar do Chile. Durante os últimos dois anos esse jornal sofreu agressões verbais constantes do ministro Quintana, que acusou o meio de promover uma linha editorial a favor do Chile na disputa sobre a mediterraneidade da Bolívia. Em 2012, esse mesmo jornal, junto com o jornal El Diario e a Agência de Notícias Ifes (ANF) foi processado por suposta discriminação contra o presidente Morales. A ação judicial contra os três meios continua em andamento apesar de haver consenso entre os especialistas em linguística e direito sobre a inexistência de delito para que eles sejam levados ao tribunal. A campanha do governo contra o Página Siete apoiou-se em um erro de interpretação de uma notícia, devidamente explicada, e para a qual se publicou o devido pedido de desculpas. O ministro da Presidência acusou o jornal de tentar perturbar as relações do governo com a hierarquia católica mediante uma interpretação errônea sobre uma suposta excomunhão de quatro ministros. A estratégia de controle aprofundou-se com o aumento discriminatório de supostas obrigações fiscais. Vários meios -  por coincidência, todos independentes -  receberam a “visita” de fiscais da Receita Federal. A mais agressiva ocorreu em 6 de junho e resultou na intervenção e embargo de bens do jornal centenário El Diario. Seus executivos alegam que grande parte da dívida da empresa foi paga com a entrega de bens imóveis, mas a Receita Federal afirma que há uma multa milionária. O jornal não conseguiu, até agora, chegar a uma conciliação de contas com a Receita. Porém, e à guisa de advertência, informou-se que o governo prepara uma lei que apoie o confisco de bens de empresas embargadas e com obrigações tributárias pendentes. Outro método para sufocar os meios é distribuir a publicidade oficial de forma arbitrária. Em 14 de agosto, o matutino El Deber denunciou represálias do governo contra meios críticos utilizando a publicidade oficial. Na cidade de Tarija, no sul do país, o governo aplicou de forma aberta e formalmente um modelo de contrato que concede a publicidade apenas aos meios que não façam denúncias sobre a gestão dos políticos da região. Em 30 de agosto, a Associação Nacional de Imprensa (ANP) denunciou uma chantagem publicitária e revelou que o jornalista Julio Barragán foi obrigado a suspender um programa de entrevistas na televisão por pressão direta de um funcionário público do departamento de Tarija, do mesmo partido do presidente. Diante desses abusos, as organizações jornalísticas pedem uma lei que regule o uso e a distribuição das pautas publicitárias oficiais de acordo com o princípio da equidade. Nos primeiros nove meses do ano, o governo admitiu que gastou 21 milhões de dólares em propaganda e publicidade, e grande parte desse dinheiro foi usada para a transmissão de atividades públicas do presidente Morales, em uma antecipada campanha eleitoral com vistas às eleições de 2014. Informes independentes afirmam que os meios estatais transmitiram uma média de três horas diárias de propaganda governamental camuflada como relatórios sobre a sua administração. A pressão econômica sobre os meios também se dissimula em impostos, como a criação de um seguro de vida para os profissionais da imprensa, financiado integralmente pelas empresas, mas administrado por um conselho no qual sua representação é realmente mínima: só um representante de todos os meios privados contra três do governo e três dos sindicatos. Na verdade, o benefício representa uma coleta de dinheiro para criar uma bolsa que poderia ser usada para outros fins não necessariamente benéficos para os jornalistas, segundo expressa a lei que tem, além disso, várias marcas de inconstitucionalidade. A autoridade encarregada de regular as telecomunicações reestruturou a frequência das emissoras de rádio para inserir as emissoras favoráveis ao governo. O resultado são problemas técnicos para mais de 300 emissoras privadas de frequência modulada. Essa foi a forma mais eficaz de silenciar as emissoras independentes e de praticamente eliminá-las dos círculos de audiência, com a mudança das frequências. A Unidade de Monitoração e Vigilância da Liberdade de Imprensa e Expressão da ANP registrou 15 denúncias de agressões físicas e verbais contra meios e jornalistas por parte de funcionários públicos e organizações sociais ligadas ao governo. Somam-se a tudo isso os crescentes rumores sobre a compra de meios de comunicação por pessoas próximas ao governo, a presença de jornalistas que servem de propagandistas e de outros que, aparentemente independentes, agem para distorcer a realidade e promovem um sensacionalismo para forçar a mídia independente a erros que logo são capitalizados pelo governo para suas agressões.  

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