Finalmente, o Poder Executivo submeteu ao Parlamento o projeto de lei da mídia. O seu objetivo principal são os meios audiovisuais —ela é denominada como Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual— e não a mídia escrita, mas inclui dispositivos que afetam a liberdade de expressão, fonte básica da liberdade de imprensa. O projeto foi enviado em 21 de maio, mas em 1o de outubro, após a comissão parlamentar receber 49 representantes de diversos setores vinculados à liberdade de expressão, inclusive os catedráticos de direito público da Universidade da República e das três universidades privadas, o Ministro de Indústria anunciou cerca de 80 modificações nos 183 artigos integrantes do projeto. Muitas das alterações propostas atendem o relatório submetido por Claudio Paolillom, que como Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP foi convidado para dar a sua opinião. O relatório completo de Paolillo foi publicado na época oportuna pela SIP.
Os progressos mais notáveis foram:
Eliminação da qualificação de serviços audiovisuais como “elementos estratégicos para o desenvolvimento nacional”.
O Conselho de Comunicação Audiovisual (CCA), responsável pela aplicação, fiscalização e cumprimento dos dispositivos da lei será integrado por cinco membros. Um será designado pelo Presidente da República em conjunto com o Conselho de Ministros e os quatro restantes pela Assembleia Geral, levando em conta as condições pessoais, funcionais e técnicas, por um número de votos equivalente a 2/3 de seus integrantes.
Como os informativos são transmitidos no horário de proteção ao menor, quando há severas restrições sobre imagens e notícias, fica estabelecido como exceção, que “nos programas informativos, quando houver situações de notório interesse público transmitidas em tempo real, poderão ser incluídas imagens de violência excessiva, incluindo avisos explícitos para prevenir a exposição do público infantil às mesmas.
Torna obrigatória a autorregulação dos meios de comunicação, embora elimine a exigência de estar “conforme o disposto na lei”.
Permanecem:
O artigo 27 da lei, sob o título de Direito a não discriminação, dispõe que os serviços de comunicação audiovisual oferecerão em suas transmissões uma imagem de respeito e inclusão de todas as pessoas em sua diversidade, enquanto manifestação enriquecedora da sociedade.
Não poderão realizar nenhuma forma de discriminação contra pessoas por motivos de gênero, raça, etnia, orientação sexual, idade, deficiência, identidade cultural, estado civil, lugar de nascimento, credo, ideologia, filiação política ou condição socioeconômica, impedindo a divulgação de conteúdos que signifiquem ou promovam esta prática.
Ou seja, há um conjunto de bens muito indefinidos que receberão tutela. A indeterminação desses conceitos pode dar lugar a uma orientação aleatória, muito próxima à arbitrariedade.
Punições: A inobservância destes conceitos daria lugar a punições, que vão desde a mera advertência até a revogação da autorização para funcionar, passando pelo aviso (configurando precedente), multa, suspensão de transmissões e confisco de bens.
A obrigatoriedade de integrar cadeias nacionais de rádio e televisão simultâneas, sem limites de número ou tempo de transmissão, e com o único requisito de resolução fundamentada do Poder Executivo.
Em 18 de março, o presidente José Mujica, em seu programa semanal de rádio, considerou que os uruguaios não reconhecem esta “imagem positiva” do país no exterior, produto da “defeituosa e enferma liberdade de imprensa. Não porque não exista liberdade, mas porque se cai na libertinagem, uma deformação da liberdade. Pululam as meias verdades, a constante eliminação de contextos e a falta de esforço para ratificar a veracidade das notícias”.
Em 5 de abril, o Presidente se manifestou a favor de regular os meios de comunicação em uma conferência realizada na sede do Mercosul, na qual também participou o ex-presidente Lula do Brasil e o secretário geral da Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras, Víctor Báez: “As sociedades —disse ele— precisam instrumentar certos mecanismos de regulação que assegurem, independente do poder econômico, a existência de opiniões que possam ser distintas e manifestadas publicamente”. Se não conseguimos isso “e a liberdade de imprensa precisar passar pelo buraco da fechadura do sistema empresarial, não temos de fato liberdade de imprensa”.
Em 11 de abril, o presidente Mujica acusou a imprensa de “violar sua privacidade” ao divulgar sua conversa particular onde chamou de “velha” e “teimosa” a presidente Cristina Fernández e denominou de “vesgo” o seu ex-marido Néstor Kirchner. A realidade é que a divulgação destas frases decorreu da página na web da Presidência da República, cabendo à mídia simplesmente coletá-las.
Em 29 de abril, uma chamada telefônica do Ministério de Educação a um canal privado de televisão impediu a realização e colocação no ar de reportagem dada a um jornalista que havia sido despedido pela emissora estatal Televisión Nacional de Uruguay (TNU), onde ajudava na apresentação do programa “Poder Cidadão”, o que constituiu um ato de censura prévia. O jornalista Miguel Nogueira tinha sido convidado a dar testemunha sobre sua demissão na TNU no programa “Algo contigo” do Canal 4, apresentado por Luis Alberto Carballo. Em meio à gravação, que seria transmitida dois dias depois, uma funcionária do canal entrou no estúdio e ordenou a sua suspensão.
“Nos chamaram lá de cima; precisamos cortar a notícia. Chamaram do Ministério de Educação e Cultura”, disse a funcionária. A gravação foi de fato suspensa e a entrevista com Nogueira nunca foi ao ar.
O sindicato dos jornalistas APU emitiu uma declaração questionando tanto o governo como o canal pelo ato de censura. Mas o Ministro da Educação e Cultura, Ricardo Ehrlich, isentou de toda responsabilidade a sua Secretaria e destacou o “firme compromisso” do seu Ministério “com a liberdade de imprensa”.
Apesar disso, tanto os dirigentes do sindicato como o apresentador do programa “Algo contigo”, Luis Alberto Carballo, afirmaram que houve de fato um telefonema para a direção do Canal 4 da emissora estatal TNU motivado pelo aborrecimento de sua diretora, Virginia Martínez, pela presença de uma unidade móvel do canal privado que procurava entrevistá-la enquanto se entrevistava no estúdio o jornalista Nogueira.
Em 14 de maio, o Instituto Nacional da Criança e do Adolescente, órgão encarregado de toda a problemática dos menores, resolveu multar o diário El País porque em uma notícia sobre um bando perigoso de ladrões menores de idade, publicada em 16 de junho de 2010, os identificou pelo seu apelido e mencionou o local onde residiam. O fato, quando estava em vias de gestação, já tinha sido denunciado na reunião anual de São Paulo. A reportagem do El País contava as aventuras de um menor de apelido "El Ricky" (autor de sete infrações gravíssimas previstas na legislação penal: homicídio agravado muito especialmente pela reiteração real com seis roubos repetidos).
Em 30 de junho, no contexto do projeto da lei de Prestação de Contas enviado pelo Poder Executivo ao Parlamento, foram incluídas modificações na lei de acesso à informação pública, aprovada em 2008. Estas alterações prevêem maiores restrições aos pedidos, o que significa mais motivos de indeferimento a serem invocados pelo órgão requisitado a dar informações. Se já havia mal-estar pela opção arbitrária na condução do Estado no momento de negar informações, estas modificações acrescentam a possibilidade de “ação secreta” e se descaracteriza o instituto que passará a ser simples “letra morta”.
Em 18 de julho, o jornalista Gustavo Guisulfo denunciou a agressão de policiais quando fazia a cobertura de uma atividade na Presidência. Gravou ali a detenção de um turista mediante “força abusiva”. Embora tenha se identificado como jornalista, foi algemado, metido em um camburão e levado a uma delegacia policial onde apagaram a sua gravação. O fato foi denunciado pela Associação da Imprensa do Uruguai (APU).
Madrid, Espanha