Argentina

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A perseguição que o governo argentino conduz há dez anos contra jornalistas e a mídia independente manifestou-se de novo devido à flagrante discriminação na distribuição da pauta de publicidade oficial a favor da mídia pró-governamental, enquanto as autoridades continuam a ignorar as sentenças judiciais que condenam esse uso. Não reconhecem também as exigências de equanimidade da Corte Suprema na aplicação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Nas últimas semanas, com o atraso habitual, o Governo divulgou os seus gastos de 120 milhões de dólares em publicidade no primeiro semestre de 2013. Como ocorre nos últimos anos, as empresas jornalísticas próximas ao governo foram premiadas com altas percentagens do pacote publicitário que não guardam nenhuma relação com os seus níveis de público. Enquanto isso, os meios de comunicação que resguardam a sua independência editorial receberam percentagens ínfimas desta pauta. Diários de uma mesma região geográfica, com circulação dez vezes superior à do concorrente, receberam um vigésimo do alocado a este último. Para estimar o custo total de alimentar o aparelho de propaganda oficial é preciso somar à verba consignada os gastos publicitários de órgãos estatais  descentralizados, a manutenção da mídia pública, a geração de conteúdos com fins de proselitismo e o custo de programas como Futebol para Todos. Segundo o orçamento oficial, a soma destes itens é superior a 600 milhões de dólares para 2014. A discriminação publicitária ignora as diversas sentenças da Corte Suprema. Em fevereiro passado, em uma nova decisão judicial, a Corte ratificou a condenação do uso dos recursos públicos para tentar disciplinar um meio de comunicação. Com uma interpretação paradoxal dos princípios republicanos, o Chefe de Gabinete afirmou que essa sentença implicava em uma violação à divisão dos poderes. A mídia não alinhada ao governo perdeu as verbas publicitárias estatais, além de ser vítima de um boicote de anunciantes privados promovido pelo Governo. Em 2013, a imprensa independente sofreu o golpe econômico mais duro desde a volta à democracia em 1983, com base na retração publicitária de seus principais anunciantes. Foi também um ano fértil para os ataques contra jornalistas e outras restrições à liberdade de expressão. A Fundação Liberdade + Democracia registrou 455 casos de ataques no ano passado. A detenção durante nove dias do editor de Ultima Hora Diario, na província de Santiago del Estero, acusado do crime de sedição; as agressões físicas e ameaças de morte recebidas pelo fotógrafo Brian Palacio e perpetradas por tropas da polícia; o ataque dos correligionários do titular da Administração Federal de Receitas Públicas contra os membros de uma equipe jornalística do canal TN no Rio de Janeiro, são alguns dos abusos sofridos por jornalistas no último semestre. Jornalistas do diário El Sol de Mendoza também sofreram ameaças e houve um ataque com coquetel molotov à residência do diretor do jornal Síntesis de San Lorenzo, província de Santa Fe. Os dois incidentes estão vinculados à expansão do narcotráfico. O clima para o exercício do jornalismo continua adverso. Como resultado das declarações oferecidas pelos jornalistas Magdalena Ruiz Guiñazú e Joaquín Morales Solá em novembro passado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, esta entidade manifestou a sua preocupação com a situação da liberdade de expressão na Argentina. Entre outros atos de despotismo, os jornalistas denunciaram a perseguição que seus colegas sofriam por exercer sua profissão fazendo críticas. Horas depois de efetuar as denúncias, fiscais do órgão encarregado da arrecadação de impostos se apresentaram com insinuações na residência de Ruiz Guiñazú, o que constitui uma prática de intimidação habitual dos órgãos de controle do Estado contra aqueles que expressam pontos de vista de oposição. Em 29 de outubro de 2013, uma decisão da Corte Suprema determinou a constitucionalidade da denominada Lei da mídia. Seis dos sete integrantes deste tribunal superior consideraram que o artigo 41, que exige autorização estatal para a transferência de licenças e estabelece limitações à sua alienação, e o artigo 45, que fixa limites de licenças para um mesmo proprietário, não afetam a liberdade de expressão. Em relação aos outros dois artigos questionados, três dos sete juízes apresentaram votos dissidentes. São os artigos 161 e 48, que regulam os processos de integração entre meios de comunicação e a forma e prazos de desinvestimento para se adequarem aos limites máximos da lei. A sentença da Corte inclui uma série de advertências. "Tudo o que foi dito sobre a lei e o seu propósito de alcançar pluralidade e diversidade nos meios de comunicação em massa perderia sentido sem a existência de políticas públicas transparentes em matéria de publicidade oficial. A função de garantia da liberdade de expressão que corresponde ao Estado se desvirtua pela via dos subsídios, da distribuição da pauta de publicidade oficial ou de qualquer outro benefício, os meios de comunicação se convertem em meros instrumentos de apoio a uma corrente política determinada ou em uma via para eliminar a dissenção e o debate plural de ideias. O mesmo ocorre se a mídia pública, em vez de dar voz e satisfazer as necessidades de informação de todos os setores da sociedade, se converter em espaço ao serviço dos interesses governamentais". Os juízes sustentam, além disso, que as finalidades da lei se desvirtuam quando o órgão que a aplica não é independente, não se ajusta aos princípios da Constituição ou aos dos tratados internacionais com status constitucional, ou se tem um tratamento discriminatório ou não garante o direito dos cidadãos ao acesso à informação diversificada. As exigências da Corte para evitar desvirtuar os objetivos da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual foram sistematicamente descumpridas antes e depois da sentença judicial. O Governo montou um aparelho paraestatal de mídia gigantesco dedicado a desacreditar o jornalismo de oposição, usando a mídia pública ou empresas jornalísticas privadas alimentadas pela distribuição da pauta oficial ou beneficiadas com outras concessões. A AFSCA, órgão de aplicação da lei, utilizou a norma jurídica de maneira seletiva contra um grupo de mídia específico. A última comprovação da falta de independência que a Corte exige do órgão ficou evidenciada por declarações do Ministro de Economia da Nação, que participou em uma assembleia do Grupo Clarín em meados de março e afirmou que havia coordenado a sua posição com o titular da AFSCA. A informação diversificada que a Corte determina continua ameaçada no país. O Governo não deixou de hostilizar, com particular intensidade há seis anos, as manifestações de oposição. Os recursos públicos são usados para disciplinar e atrair os meios de comunicação, multiplicando as empresas jornalísticas que avalizam o discurso oficial. Uma lei de acesso à informação pública continua sendo uma aspiração plasmada em projetos que os partidários do governo ignoram.

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