As ameaças e discussões sobre o estado da liberdade de imprensa no Peru se multiplicaram no último semestre.
A Lei de Crimes na Informática. O governo promulgou a lei 30171, que modifica a lei 30096 que tinha sido aprovada pelo Congresso em outubro de 2013. Apesar disso, a nova norma não modifica o inciso 2 do artigo 11 que aumenta a pena privativa de liberdade de até um terço além do máximo legal fixado para os crimes previstos na lei em questão, no caso do agente que comete o crime mediante abuso de posição especial de acesso a dados ou informações reservadas ou por ter conhecimento de tal informação em decorrência do exercício de um cargo ou função.
Com a aplicação deste artículo, o funcionário público que denunciar alguma ilegalidade poderá incorrer no crime contemplado no artigo 7 que dispõe sobre a “interceptação de dados de informática”, com penas privativas de liberdade não inferiores a três anos nem superiores a seis anos.
O texto modificado não incorpora novamente o “interesse público” como exceção do crime. Por outro lado, os casos de agressão física, ameaças de morte e perseguição judicial contra jornalistas e meios de comunicação, em represália por denúncias contra funcionários públicos, autoridades ou crime organizado, aumentaram em diversas regiões do país. Chamamos a atenção das autoridades do Ministério Público e do Poder Judiciário sobre o uso indiscriminado e tendencioso dos tribunais na admissão de ações civis e penais contra jornalistas e meios de comunicação, em particular do autodefinido “Grupo Orellana”, do empresário Rodolfo Orellana Rengifo, objeto de investigação pela Procuradoria Especializada no Crime Organizado, o Congresso da República e vários meios de comunicação pelos crimes de lavagem de dinheiro, grilagem e invasões de terrenos, fraude e formação de quadrilha.
O Instituto de Imprensa e Sociedade (IPYS, em espanhol) do Peru e o Conselho da Imprensa Peruana denunciaram que as ações judiciais de Orellana e Benedicto Jiménez (advogado do primeiro) obedecem a um padrão de perseguição judicial contra a imprensa independente com a intenção de silenciar as investigações.
Do mesmo modo, é matéria de intenso debate a suposta concentração de propriedade na imprensa escrita, como resultado da associação entre o Grupo El Comercio e o Grupo Epensa, duas das três principais cadeias de diários de âmbito nacional, em agosto de 2013. Discute-se se a operação comercial tem algum impacto na liberdade de expressão e no pluralismo dos meios de comunicação.
Oito cidadãos, Enrique Zileri Gibson, Mirko Lauer Holoubeck, Rosa María Palacios , Augusto Álvarez Rodrich, Luz María Helguero , Fernando Valencia , Mario Saavedra Piñón e Gustavo Mohme apresentaram uma ação judicial invocando amparo constitucional contra El Comercio e Epensa, solicitando a anulação da operação comercial com base no artigo 61 da Constituição do Peru, argumentando que resultou no controle de 78% da propriedade e circulação e de quase 90% da venda de publicidade total nacional de jornais. Esta situação prejudica definitivamente a livre concorrência e a liberdade de expressão, afirmam.
Em troca, o Grupo El Comercio argumenta que não existe essa concentração porque as duas empres¬as agora associadas “continuam administrando seus conteúdos independentemente”, que cada empresa “continua praticando sus próprios princípios e valores jornalísticos”, “os riscos para a liberdade de imprensa são meras suposições” e a associação não afeta o pluralismo.
Luis Agois, presidente da diretoria de EPENSA, afirma especificamente que: “A produção jornalística, o tratamento dos conteúdos e a linha editorial estão nas mãos da família Agois. Na parte comercial e industrial, El Comercio detém 54% e, na parte jornalística, a família Agois detém 100%”.
Em dezembro, o Presidente da República, OIlanta Humala, qualificou de uma “vergonha” que no Peru “tenhamos um grupo que seja praticamente o dono dos meios de comunicação”. O mandatário peruano acrescentou que a compra “... no momento, não é ilegal”, o que se interpretou como um sinal de que o Executivo preparará una lei para regular os meios de comunicação. O presidente disse que a suposta concentração deverá ser debatida no Congresso.
Os três principais diários dos grupos em conflito (El Comercio, Correo e La República) fizeram um editorial se opondo à declaração presidencial.
O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa, Claudio Paolillo, convidou o presidente peruano “a manter seu governo à margem da disputa para que seja debatido nas devidas instâncias” e elogiou as declarações públicas do ministro da Justiça, Daniel Figallo, negando que o Executivo esteja preparando uma lei sobre a matéria.
Por sua vez, o Conselho da Imprensa Peruana se opôs a qualquer tentativa externa de regulação da informação ou opinião, tendo reiterado seu compromisso com a autorregulação da imprensa.
Nesse sentido, preocupam as manifestações de legisladores sobre a preparação de uma “lei da mídia”, com suposta regulação estatal sobre a propriedade e os conteúdos da mídia.
O Grupo El Comercio apresentou ao Conselho da Imprensa Peruana um Compromisso de Autorregulação Comercial com o propósito de reforçar a sua vontade de não exercer um abuso de posição dominante nem em matéria comercial, nem de impressão, nem de distribuição.
Visando fomentar debates para resolver divergências, o Conselho da Imprensa Peruana convocou à Lima a relatora especial para liberdade de expressão da Organização de Estados Americanos, Catalina Botero, que realizou uma visita de caráter acadêmico ao Peru em fevereiro.
O Conselho da Imprensa Peruana copatrocinou também o seminário “Reflexões sobre a regulação e a propriedade dos meios de comunicação na América Latina”, organizado pelo Centro Carter em março, de cujo debate participaram dirigentes e associados do Conselho da Imprensa Peruana além¬ de especialistas nacionais e internacionais.
Da mesma forma, realizou-se recentemente uma audiência da CIDH da OEA sobre a suposta concentração no Peru. Nessa reunião, o embaixador peruano perante a OEA, Juan Jiménez Mayor, ex-primeiro ministro do atual governo, destacou a importância que o governo dá a uma regulamentação do artigo 61 da Constituição no tocante à mídia impressa.
Os fatos mais relevantes neste período foram:
Em 10 de dezembro, Edvan Ríos Chanca, colaborador do semanário Hildebrandt en sus Trece, denunciou que havia sido vítima de um atentado com explosivos que destruiu parte da porta e das janelas da sua casa. Ríos publicou várias denúncias sobre supostas irregularidades e atos de corrupção relacionados à gestão do presidente regional de Junín, Vladimir Cerrón.
Em 21 de março, o Terceiro Juizado Penal Unipessoal declarou culpado de difamação qualificada contra o presidente regional de Ancash, César Álvarez Aguilar, o jornalista César Quino Escudero. A sentença condena o jornalista a um ano de prisão com suspensão condicional da pena e ao pagamento de 3.000 sóis (84 dólares) por reparação civil. A ação judicial inclui também os jornalistas Santos Paredes García e Noé García Velásquez.
Em janeiro, o Quarto Juizado Penal da Corte Superior de Justiça de Lima iniciou a ação contra o ex-presidente Alberto Fujimori Fujimori, acusado de desviar milhões do fundos das Forças Armadas e do Serviço de Inteligência (SIN) para custear sua terceira e ilegal reeleição e a compra da linha editorial da chamada imprensa “chicha” ( como são conhecidos os tabloides sensacionalistas no Peru). A Procuradoria Anticorrupção pediu uma pena de oito anos de prisão.
Em 22 de janeiro, a repórter Vicky Vargas e o cinegrafista Jorge León, do Canal 2, Frecuencia Latina, da cidade de Tacna, fronteira com o Chile, denunciaram que, enquanto realizavam seu trabalho nas imediações do posto de controle de fronteiras chileno de Chacalluta, membros da Polícia de Investigações os maltrataram e ameaçaram processá-los por espionagem.
Em 20 de fevereiro, Ursula Pinedo, jornalista dos programas “Hoy por Hoy” e “Línea Directa”, do Canal 43, da Região de Tumbes, denunciou ter sido agredida e ameaçada de morte por Alba del Rosario e Esmeralda García García, ligadas ao presidente do governo regional de Tumbes, Gerardo Viñas Dioses, em frente à rádio La Hechicera. A jornalista atribui as agressões às suas investigações sobre supostas compras fraudulentas de terremos por testas de ferro do presidente regional.
Em 27 de fevereiro, Milka Pacheco Infante e Luis Daniel Oyola Atino, repórter e cinegrafista, respectivamente, do Canal 43, junto com Wilmer Rodríguez, cinegrafista do Canal 21, da região de Tumbes, denunciaram que foram agredidos por membros da prefeitura de Tumbes enquanto cobriam o despejo de vários comerciantes que ocupavam a via pública.
Em 26 de fevereiro, Eduardo Abusada e Manuel Alejos, editor geral e redator, respectivamente, da revista semanal Velaverde, denunciaram que o prefeito Richard Román Pedraza, da PNP (Polícia Nacional do Peru), sobrinho do ex-ministro do Interior, Wilfredo Pedraza, os havia ameaçado de morte no local onde fica a revista.
Em 4 de março, Enrique Vizcarra Tinedo, colaborador do jornal Tumbes 21 e diretor do programa “Impacto Informativo”, transmitido pela Cable 21, da região de Tumbes, denunciou ter recebido ameaças de morte por telefone. O jornalista atribui o fato à publicação de artigos sobre irregularidades cometidas por José Augusto Chuyén Vallejo, atual funcionário da UGEL Tumbes.
Em 7 de março, Pedro Escudero Cárdenas, jornalista do web site http//.pomabamba.ning.com, e Germán Escudero Saldarriaga, diretor de www.pomabamba-te-llevamos-en-el-corazon.com, da Região de Ancash, denunciaram ter recebido ameaças de morte e insultos através de um blog anônimo. Eles atribuem o fato às suas denúncias em artigos que falavam sobre atos de corrupção cometidos por funcionários da prefeitura e pelo prefeito de Pomabamba, Juan Ponte Caranza, e para o qual se emitiu mandado de prisão.
Em 10 de março, na Região La Libertad, jornalistas de meios de comunicação regionais denunciaram agressões e insultos por parte de técnicos do canal estatal TV Perú durante a visita da ministra da Saúde, Midori De Habich, no distrito de Alto Moche.
Em 17 de março, o Tribunal Constitucional (TC) declarou infundada a ação de amparo impetrada pelo diretor geral da Autoridade Autônoma de Majes (AUTODEMA) na qual se solicitava que “parem de publicar artigos ofensivos, tendenciosos e maliciosos (...) por violarem seus direitos autorais (...) e inviolabilidade de documentos privados e das comunicações” contra Ronald Arenas Córdova, do semanário El Búho, representado por sua diretora, Mabel Cáceres Calderón, e o jornalista Luis Márquez Villalobos. O TC argumentou que as informações eram de interesse público.
Em 20 de março, Nilton Gamboa, correspondente da América Televisión e diretor do Noticiero Regional de Chimbote, denunciou que estava sendo perseguido há vários meses e atribuiu o fato a partidários do presidente do governo regional de Ancash, Cesar Álvarez Aguilar. Denunciou também que já são 19 os jornalistas desaparecidos que criticavam o governo regional, e que os jornalistas são alvo de uma campanha de descrédito sistemática, em panfletos, programas e anúncios políticos pagos e transmitidos pelo Canal 25. Os jornalistas que negam as acusações são Nilton Gamboa, Roxana Peña e Edwin Azaña, da América Televisión; Patricia Cardoza, Miguel Alcántara e Gonzalo Horna, do jornal Correo, edição Chimbote; Javier Peláez, Willy Peláez e Raúl Palacios, do Diario de Chimbote; Walter Castro, Magaly Estrada e Laura Urbina, da Radio Santo Domingo (RSD); Noé García, César Quino e Santos Paredes, do Canal 55 de Chimbote; Américo Crispín, da Radio Exitosa; Elvis Núñez, do El Ferrol, e Wylder Asmat, do Canal 88.
Madrid, Espanha