Venezuela

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Se antes a preocupação eram os sinais evidentes de deterioração democrática (principalmente com a saída do país do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos e o poder de o presidente da República governar por decreto, sem controle público nem debate parlamentar), a imprensa e os jornalistas independentes vivem agora seu momento mais dramático, marcado por um quadro de violência institucional e social sem precedentes.  Depois dos protestos que tiveram início no dia 12 de fevereiro, foram registradas 39 mortes por ferimentos de bala ou balas de plástico à queima-roupa, e mais de 460 pessoas ficaram feridas, segundo dados do Ministério Público. O Foro Penal Venezolano afirma que foram identificadas 59 vítimas de torturas e que 1.919 pessoas foram detidas. A maioria, quase todos jovens, estão submetidas a medidas cautelares por terrorismo, ou seja, não gozam de plena liberdade.   Segundo o Colégio Nacional de Jornalistas e o Sindicato Nacional de Profissionais da Imprensa, 105 jornalistas foram detidos ou ameaçados, agredidos ou feridos. Alguns tiveram seus equipamentos confiscados ou suas fotos destruídas, principalmente por policiais, militares ou pelos chamados “colectivos populares” (grupos civis armados) a serviço do governo.     Os protestos sociais foram reprimidos por milícias populares armadas, criadas para defender a revolução como política do Estado, e formadas como quinto componente das Forças Armadas desde 2005. Foram esses grupos que, em 2012, atacaram as sedes dos meios de comunicação e agrediram jornalistas.  Parte dessa política do Estado tem como objetivo calar a imprensa nacional e estrangeira. O presidente Nicolás Maduro ordenou que se retirasse do ar o sinal do NTN24, canal informativo de televisão colombiana, expulsou a correspondente da CNN, Patricia Janiot, e ordenou o fechamento de vários web sites e de contas de twitter, por considerá-los prejudiciais à revolução.  O presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, iniciou ação judicial contra os diretores do  TalCual, Teodoro Petkoff, Manuel Puyana, Francisco Layrisse e Juan Antonio Golía, e contra o colunista  Carlos Genatios, por suposta difamação, que foi aceita pela juiz Bárbara Gabriela César Siero, do 29º Tribunal de Controle de Caracas. A magistrada emitiu medidas cautelares contra os réus, as quais proíbem sua que deixem o país e os obriga a comparecer ao tribunal toda semana.     A ação judicial é decorrente de uma matéria de Genatios, em que cita a frase “se vocês não gostam da falta de segurança, vão embora”, que Cabello teria dito durante uma coletiva de imprensa, em outubro de 2012.     O Supremo Tribunal de Justiça, em julgamento que durou 24 horas e em instância única, afastou dos seus cargos dois prefeitos de oposição eleitos pelo povo e ordenou que fossem presos. Por se expressar livremente perante a OEA e exigir atenção aos problemas da Venezuela, uma deputada da oposição teve de fazer seu discurso a portas fechadas. E, ao voltar a Caracas, sem julgamento e desconsiderando-se sua condição de deputada eleita, foi proibida de entrar no Parlamento, por ordem  do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.   As manifestações sociais pacíficas tiveram início antes de 12 de fevereiro deste ano. Entre elas, destacou-se a liderada por profissionais da imprensa em Barquisimeto, San Cristóbal, e em Caracas, em protesto pela ameaça às suas fontes de trabalho, já que o governo deixou de fornecer divisas à imprensa independente para a compra de papel jornal. O oposto acontece com os meios de comunicação que não são independentes e para os quais se criou um gabinete agregado a um ministério, o qual se ocupa de compras maciças de papel e de sua revenda para quem se considerar oportuno.  Dezenove (19) jornais nacionais e regionais correm o risco de fechar suas portas. Saíram de circulação temporariamente ou de forma definitiva os seguintes jornais: Caribe (Nueva Esparta), La Hora (Nueva Esparta), Versión Final (Zulia), Los Llanos (Barinas), Diario de Sucre (Sucre), Antorcha de El Tigre (Anzoátegui), El Sol de Maturín (Monagas), El Expreso (Bolívar) e El Guayanés (Bolívar). Os jornais que enfrentam problemas para circular por falta de papel são: El Oriental (Monagas), La Región (centro-oeste), El Regional (Zulia), La Prensa de Monagas (Monagas) e El Correo del Caroní (Bolívar). Por outro lado, para poder sobreviver temporariamente, vários jornais reduziram o número de páginas e de edições. São eles: El Nacional (Toda Venezuela), El Impulso (Lara), El Caribazo (Nueva Esparta), e Los Llanos (Anzoátegui) e La Prensa (Anzoátegui), dois que deixaram de circular aos domingos. Existem duas razões para isso. Uma é a instauração definitiva de uma hegemonia das comunicações do Estado, para fazer propaganda ideológica, e as ameaças do mesmo governo que forçaram alguns meios de comunicação privados à autocensura ou à neutralidade. Os que não aceitam ser calados são forçados à falência ou ao fechamento.     Atualmente, os canais de televisão e a rádio locais fazem pouquíssima ou nenhuma cobertura informativa das atividades políticas da oposição democrática, e nada dizem sobre os casos em que os cidadãos que exercem seu direito de protestar são reprimidos. Jornalistas foram demitidos ou se demitiram, como aconteceu na Globovisión, depois que suas imagens dos Estados Zulia e Lara foram censuradas, ou, como no caso do jornal “Ultimas Noticias” – cuja propriedade permanece sob acordo de confidencialidade, mas que é dirigido por pessoas do governo –, cuja chefe da equipe investigativa, Tamoa Calzadilla, demitiu-se depois de ter seu trabalho censurado e por não aceitar a criminalização sem provas dos protestos da oposição.  A outra razão para o aumento dos protestos sociais é o fim da disponibilidade de divisas, em um país petroleiro e que dilapidou mais de 999.000 milhões de dólares nos últimos quinze anos.  Em uma economia que foi progressivamente estatizada através de confiscos e expropriações, resta nos cofres públicos pouca disponibilidade líquida de reservas. A inflação é superior a 56% – uma das mais altas do mundo – e a falta de divisas se traduz em uma taxa estimada de 40% de escassez ou falta de alimentos, remédios e peças de reposição para automóveis. O governo instaurou um cartão de racionamento. Já havia ensaiado, há alguns meses, o racionamento da venda de combustível nos estados fronteiriços. O dólar ou a divisa oficial estimada em 6,50 bolívares passou para 55 bolívares.  Com respeito à imprensa escrita, foram registrados desde agosto de 2013  problemas para a compra de papel. Além disso, o governo se recusa a autorizar transferências para o pagamento de dívidas acordadas com diversos fornecedores (em alguns casos, atrasos de oito meses), o que paralisou o envio de insumos.  Desde o final de 2012, não existe papel jornal produzido no país, e este deixou de ser um bem prioritário, segundo o governo. Os interessados em comprá-lo no exterior devem obter o Certificado de “Não Produção” no Ministério de Indústrias Leves e Comércio (MILCO); obter aprovações de várias solvências administrativas junto a órgãos do governo, as quais demoram a ser fornecidas e são fornecidas a critério do funcionário de plantão, e, depois desse processo, devem solicitar ao Centro de Comércio Exterior (CENCOEX), antes CADIVI, ou Comissão de Administração de Divisas, a permissão de importação para iniciar o trâmite. Esse exagero de papeladas e autorizações pode exigir de cinco a oito semanas. Finalmente, uma vez realizada a importação, prossegue-se à coleta de todos os documentos de alfândega, direitos fiscais e inspeções militares, que devem ser apresentados ao CENCOEX, para demonstrar a realização da importação e pedir que o Banco Central da Venezuela autorize a transferência do pagamento ao fornecedor. Esse processo costumava demorar uma média de 120 dias; atualmente, pode demorar mais de 180 dias para alguns e mais de um ano para outros.                   Pelo menos 20 jornais reduziram suas páginas ou edições, para enfrentar o problema da falta de papel. Vários jornais não poderão resistir mais um ou dois meses.  Dois eventos importantes de solidariedade marcaram também esse período: a criação de um web site, onde, por iniciativa da ANDIARIOS, os meios de comunicação convidados podem “postar” informações e fotografias para uso livre de várias dezenas de jornais da América Latina e a oferta de envio de papel jornal por jornais colombianos e venezuelanos.

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