As discussões sobre a liberdade de imprensa continuam se concentrando nos problemas que afetam a confidencialidade dos relacionamentos entre o jornalista e suas fontes. As revelações de Edward Snowden, ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional, sobre os programas de espionagem do governo, associadas às novas políticas governamentais que proíbem funcionários públicos de qualquer contato não autorizado com jornalistas, aumentaram as preocupações quanto às comunicações entre jornalistas e suas fontes, e estão dificultando ainda mais o trabalho dos jornalistas sobre assuntos de interesse público.
A Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou, em junho, o recurso impetrado por James Risen, jornalista do The New York Times que se recusou a prestar depoimento em um processo sobre vazamento de informações relacionado à identidade das suas fontes confidenciais. Isso, associado à lentidão no processo de aprovação de uma lei escudo (shield law) para proteger os jornalistas, aumentou a preocupação sobre a insistente busca do governo por vazamentos de informação e tem tido impacto negativo na comunicação entre os jornalistas e suas fontes confidenciais.
Uma das principais preocupações dos jornalistas e dos meios de comunicação tem sido os mandados de busca e intimações, principalmente nos casos de “vazamento de informações” sobre assuntos de segurança nacional, sobretudo desde meados de 2013, quando se revelou que o governo dos Estados Unidos havia confiscado registros telefônicos da Associated Press e e-mails de James Rosen, repórter do canal Fox News.
Os jornalistas também continuam enfrentando desafios. Em agosto, jornalistas que cobriam manifestações populares após a polícia atirar e matar um adolescente negro desarmado em Ferguson, Missouri, foram presos e perseguidos pela polícia por simplesmente estarem fazendo seu trabalho.
Dois jornalistas foram detidos apenas por estarem carregando seus celulares em um McDonald’s do local. Vários jornalistas foram detidos e vários outros foram intimidados e ameaçados pela polícia enquanto cobriam assuntos de interesse público. Dois jornalistas foram agredidos com balas de borracha e outros tiveram armas apontadas para eles.
Os jornalistas continuam tendo dificuldades para obter informações de acordo com a Lei de Liberdade de Informação (Freedom of Information Act, FOIA), que poderá ser modificada para incluir uma isenção que é frequentemente utilizada com excesso por órgãos do governo para limitar o acesso às informações.
Um estudo recente da Associated Press revelou que no atual governo os órgãos federais estão negando cada vez mais pedidos amparados na FOIA a cada ano. Uma prática que teve início em 2001 no governo do presidente George Bush, que permitia rejeitar tais pedidos de acordo com a “Isenção Cinco” continua sendo utilizada, apesar de ter sido oficialmente repudiada em 2009. A Isenção Cinco foi originalmente promulgada para “proteger a qualidade das decisões da agência”, mas na prática seu escopo amentou exponencialmente. Só em 2013, a isenção foi invocada 82.752 vezes para recusar pedidos de acesso a informações. O Departamento de Assuntos dos Veteranos, por exemplo, citou a Isenção Cinco para se recusar a divulgar os nomes dos hospitais onde os veteranos haviam morrido devido à demora em testes para diagnóstico. O Congresso dos Estados Unidos tem oportunidade de solucionar esse problema com a Lei de Melhoria da FOIA (FOIA Improvement Act), de 2014. O projeto de lei abordaria o uso excessivo e a má utilização da Isenção Cinco e implementaria um teste de equilíbrio entre o interesse público e a segurança nacional para avaliar se as informações devem ser divulgadas. Ainda não se sabe como o Congresso se posicionará quanto a este projeto de lei.
O livro de James Risen, State of War: The History of the CIA and the Bush Administration (Estado de Guerra: a História da CIA e da administração Bush), publicado em 2006, usou várias fontes confidenciais, algumas delas funcionários da CIA que supostamente revelaram informações sem autorização para fazê-lo. Em 2008, o Departamento de Justiça começou a investigar Jeffrey Alexander Sterling, ex-agente da CIA, por ter supostamente fornecido informações a Risen. Sterling foi acusado com amparo na Lei de Espionagem de 2010, e Risen foi convocado a testemunhar sobre seu contato com Sterling e a possibilidade de ter sido uma de suas fontes. Risen impugnou a intimação. Em julho de 2013, o Tribunal de Recursos da Quarta Circunscrição dos Estados Unidos decidiu que Risen não podia recorrer à Constituição nem às leis comuns para se recusar a testemunhar sobre a identidade das suas fontes confidenciais, e que ele era obrigado a cumprir a intimação.
Em junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou o recurso de Risen sobre a decisão da Quarta Circunscrição. Portanto, se o Departamento de Justiça continuar insistindo em obter o testemunho de Risen, e se ele se recusar a testemunhar – como parece que fará –, ele poderá ser preso ou multado. Funcionários do Departamento de Justiça dos Estados Unidos declararam publicamente que não têm intenção de propor sentença de prisão para Risen.
O Departamento de Justiça incorporou novas emendas às suas diretrizes de intimação à mídia desde que foram finalizadas em fevereiro de 2014. O Comitê de Repórteres (Reporters Committee for Freedom of the Press - RCFP) e uma coalizão de mais de 50 organizações noticiosas recomendaram a revisão das diretrizes, que foram originalmente redigidas em 1970, para serem aplicadas especificamente aos jornalistas, e que foram revisadas em 1980 para incluir intimações a terceiros. De acordo com as novas diretrizes, é mais difícil para o Departamento de Justiça intimar um jornalista ou uma empresa jornalística quando intimar um terceiro, e não se poderá estender a intimação por mais de 90 dias. Além disso, o Departamento não poderá invocar a “exceção de suspeita” da Lei para Proteção da Privacidade – a qual permite que o governo obtenha um mandado de busca para os materiais que pertençam a um jornalista que é suspeito de um crime – se o jornalista participar de atividades comuns de coleta de notícias e não for alvo de investigação criminal. Porém, as regulamentações não definem o que são as “atividades comuns de coleta de notícias”.
Em março de 2014, o Diretor da Inteligência Nacional, James Clapper, emitiu uma diretriz proibindo empregados da agência de inteligência de discutir com a mídia qualquer assunto relativo a inteligência, mesmo informações não classificadas como sigilosas. As penalidades para violação dessa política incluem demissão e perda de patentes de segurança, o que encerraria uma carreira na inteligência. Empregados que discutam informações classificadas como sigilosas poderão ser alvo de ação penal. Apenas diretores de departamento, representantes de relações públicas e outras pessoas expressamente autorizadas poderão falar com a imprensa. A política tem sido criticada por não fazer a distinção entre informações confidenciais e não confidenciais e por definir de forma muito ampla os assuntos que não podem ser discutidos. Ela proíbe a comunicação que inclua “fontes, métodos, atividades e julgamentos sobre inteligência”.
A diretriz é parte do que os membros da comunidade de meios de comunicação reconheceram como uma política dominante durante o governo do presidente Obama, que é controlar as informações recebidas pela imprensa e evitar vazamentos de informação como aconteceu no caso de Edward Snowden e do soldado Chelsea Manning. Os jornalistas têm cada vez mais dificuldade de cobrir assuntos do governo, já que vários funcionários públicos se recusam a fornecer informações por temerem represálias. Por isso, os jornalistas limitam-se geralmente apenas a declarações oficiais e oportunidades de tirar fotos.
Em junho de 2014, mais de 70 organizações da mídia, inclusive o Comitê de Repórteres, enviaram uma carta aos líderes da minoria e maioria no Senado, pedindo que marcassem a votação sobre o projeto da lei escudo, mas é pouco provável que o Congresso dos Estados Unidos aprove a lei no futuro próximo. Vários estados possuem leis escudo que oferecem níveis variados de proteção para os jornalistas que são solicitados a testemunhar em tribunais ou entregar suas anotações.
Uma lei escudo federal forneceria algum nível de proteção contra essas intrusões nos tribunais federais. Especificamente, a versão atual da proposta lei escudo federal concederia imunidade limitada aos jornalistas. Eles poderiam ser forçados a testemunhar em certas situações, inclusive quando a parte que solicitasse o testemunho tivesse esgotado todas as fontes de informação alternativas.
Em uma recente vitória para a privacidade eletrônica, a Corte Suprema dos Estados Unidos decidiu por unanimidade em junho de 2014 que a polícia precisa de um mandado de busca para examinar celulares das pessoas que prendem. A decisão tem como alvo especificamente os telefones das pessoas presas, mas sua argumentação aplica-se também a tablets, laptops, e possivelmente a informações retidas por companhias telefônicas.
Mais de um ano já se passou desde que Edward Snowden divulgou as informações sobre o nível de vigilância da Agência de Segurança Nacional dos dados de e-mail e telefones das pessoas. Essa espionagem continua sendo um problema para o público americano, inclusive para membros da mídia. Jornalistas afirmam que por terem consciência das práticas de vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA), modificaram o modo como contatam e se comunicam com suas fontes, e em alguns casos essa situação os impede de trabalhar em determinadas matérias e publicá-las.
Alguns avanços tecnológicos estão ajudando os jornalistas a se comunicarem com fontes preocupadas em serem processadas por denúncias de irregularidades. Cada vez mais organizações de notícias estão usando SecureDrop, software open-source que permite receber informações enviadas por fontes anônimas. O software encripta mensagens e documentos recebidos pela internet de modo que sua origem não possa ser rastreada. Assim, um investigador do governo, por exemplo, não seria capaz de identificar a pessoa que fez a denúncia ou divulgou as informações.
Após uma importante decisão judicial e uma tentativa de estabelecimento de regras pela Comissão Federal de Comunicações (“FCC”, Federal Communications Comission), tanto defensores contra opositores da neutralidade na rede, ou “internet aberta”, estão esperando para ver o que acontecerá agora. Em uma decisão de janeiro de 2014, o Tribunal de Recursos para o Distrito de D.C., afirmou que a FCC só poderia regular a internet classificando-a como uma “operadora comum”. A preocupação dos defensores da neutralidade da rede é que, sem regulamentação, os provedores de internet poderiam cobrar taxas mais altas para certas operadoras da web, excluir determinados conteúdos ou variar a velocidade do tráfego para diferentes tipos de conteúdo. Em maio de 2014, a FCC propôs mudanças a suas normas, inclusive solicitar que os provedores de internet ofereçam um nível mínimo de acesso e que suas práticas não sejam “comercialmente não razoáveis”.
O Comitê de Repórteres uniu-se a vários outros grupos da mídia para enviar comentários sobre as regulamentações da FCC e encorajar a agência a manter a internet aberta. Considerando-se o grande volume de consumo de notícias que ocorre online, uma política que permitisse aos provedores de serviços de internet fazer discriminações com base em conteúdo afetaria gravemente os direitos consagrados na Primeira Emenda.
Madrid, Espanha