06 Outubro 2015

Nenhum país das Américas está a salvo da onda de censura

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Os alertas mais debatidos pelos editores reunidos na 71ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa.
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Charleston, Carolina do Su.- Violência constante contra a mídia e jornalistas; proliferação de leis, projetos e pressões governamentais que tentam controlar o livre fluxo das informações na mídia tradicional e também nas novas plataformas; restrições ao acesso à informação pública; distribuição discriminatória da publicidade oficial e maior concentração de meios nos setores ligados aos governos.

Esses foram os alertas mais debatidos pelos editores reunidos na 71ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa.

Nenhum país das Américas está a salvo da onda de censura que se estende como uma imensa maré negra. Isso ocorre inclusive em países em que tradicionalmente se garantiu a liberdade de imprensa e, em alguns casos, com o pretexto paradoxal de promover mais pluralismo, garantir o direito ao esquecimento ou controlar o “discurso de ódio”. Isso, somado ao avanço do crime ligado ao narcotráfico e às gangues urbanas, gera claros riscos para as liberdades dos cidadãos, e para a liberdade de imprensa e de expressão em particular, e, consequentemente, para a consolidação da democracia no continente.

A ação do crime organizado, de gangues de traficantes de drogas e grupos paramilitares, muitas vezes impune, deixou desde março passado o saldo de onze jornalistas assassinados: três no Brasil, três no México, dois na Guatemala e um na Colômbia, Honduras e República Dominicana, respectivamente. Na Colômbia, prescreveram dois assassinatos ocorridos em 1995, mas deve-se ressaltar a condenação do ex-deputado Ferney Tapasco pela autoria intelectual do assassinato de Orlando Sierra.

Ocorreram em vários países da região agressões físicas, atentados, coações ou ameaças contra jornalistas e meios de comunicação, relacionados ao exercício do seu trabalho.

Na Bolívia, três jornalistas foram detidos e temporariamente presos em represália pelas suas denúncias sobre corrupção na administração pública. Na Guatemala e na Argentina houve repressão a repórteres que cobriam as eleições, e no Peru, Equador e Brasil àqueles que informavam sobre conflitos e protestos sociais.

Na Venezuela, onde se consolida um totalitarismo comunicacional do Estado, 287 violações ao direito de liberdade de expressão foram registradas até agora este ano, e elas incluem agressões a jornalistas, esforços para criminalizar o trabalho dos jornalistas e restrições do acesso às informações. Um fato positivo é a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos do início de setembro que ordena a restituição dos equipamentos e licenças da RCTV, apesar de a sentença ter sido até agora ignorada pelo governo de Nicolás Maduro.

Em Cuba, apesar do restabelecimento das relações entre os governos desse país e dos Estados Unidos, há poucos avanços em termos de liberdade de expressão, associação e imprensa, e jornalistas continuam sendo presos. Entre outras medidas de repressão, mantém-se a censura a web sites importantes, a inspeção de e-mails, suspensão de serviços de telefonia móvel e a agressão física e verbal a ativistas e jornalistas independentes.


No Equador, continua o clima de repressão dos órgãos de controle e aplicação da Lei Orgânica de Comunicação. Meios e organizações sancionados recorreram ao direito constitucional de resistência. Arquivou-se um processo para a dissolução da FUNDAMEDIOS, mas as ameaças persistem. As cadeias nacionais presidenciais dos sábados também continuam, apontando e estigmatizando aqueles que se atrevem a discordar do governo.

Também na Argentina e na Venezuela os presidentes recorrem de modo abusivo a cadeias nacionais para fazer propaganda partidária e insultar seus críticos. Os abusos e a distribuição discriminatória da pauta de publicidade oficial aumentam na Argentina, Bolívia, Venezuela, Equador e México. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça revelou que em 2014 emitiu duas intimações e uma ordem de busca e autorizou em duas ocasiões interrogatórios a jornalistas e meios de comunicação. Dois repórteres que cobriram os conflitos no ano passado em Ferguson foram acusados de suposta “invasão de propriedade” e “interferência”.

As restrições do acesso à informação pública aumentaram na Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Haiti, Honduras, Jamaica, Panamá, Paraguai, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. No Chile, projetos de lei em trâmite poderiam resultar em sérios obstáculos à liberdade de imprensa; entre eles, intervenção na linha editorial dos meios de comunicação, restrições ao direito de propriedade e prejuízo para o direito à livre iniciativa econômica; danos a empresas jornalísticas e jornalistas, e restrições ao acesso às informações.

No Panamá, estuda-se um projeto de lei que, entre outras graves restrições à liberdade de expressão, impõe a afiliação obrigatória de jornalistas a associações profissionais e estabelece penas de prisão para o exercício ilegal do jornalismo. Continuam as investigações sobre escutas ilegais de jornalistas.

A concentração da mídia nas mãos de grupos do governo ou pessoas ligadas ao governo é um fenômeno cada vez mais presente nas Américas. No Paraguai, por exemplo, um grupo empresarial ligado ao presidente Horácio Cartes comprou um grupo de empresas jornalísticas, o que acendeu o debate sobre a concentração da mídia nas mãos de pessoas próximas ao governo.

Na Nicarágua, o presidente Daniel Ortega mantém controle ferrenho sobre a mídia e os jornalistas. Restam apenas um canal de TV, uma rádio e um jornal independentes; o resto é propriedade da família Ortega ou de pessoas próximas a eles. O presidente do Equador, Rafael Correa, não cumpriu seu compromisso de reprivatizar os meios de comunicação que foram confiscados pelo seu governo. E na Argentina proliferam os grupos multimídia criados e mantidos com a publicidade oficial, apesar de sua baixa audiência.

No Paraguai, é preocupante o programa de vigilância eletrônica do ministério do Interior e prosseguem, na Suprema Corte de Justiça, dezoito ações de inconstitucionalidade contra a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual.

Em contrapartida, em Costa Rica um projeto de lei de rádio e televisão que prejudicava empresas privadas e a liberdade de imprensa foi abandonado, e estão sendo estudados projetos para regulamentar a publicidade oficial, descriminalizar o trabalho dos jornalistas e legalizar as emissoras de rádio comunitárias. Persistem, porém, as ameaças ao jornalismo livre.

Merecem destaque também os esforços coordenados das organizações de defesa da liberdade de imprensa na região, como o recente Foro de Quito, que estabeleceu um plano de ação para exigir que esse direito seja respeitado no Equador.

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