Apresentação de Rafael Molina Morillo
Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação
da Sociedade Interamericana de Imprensa
Domingo 27 de outubro de 2002
58ª. Assembléia Geral da SIP, Lima, Peru
A repetida frase que diz: "O preço da liberdade é a eterna vigilância" adquire uma nova força ao examinarmos os meses transcorridos desde a nossa reunião de meio de ano em Casa de Campo, período salpicado de inquietantes acontecimentos que nos obrigaram a realizar muitas missões especiais em diversas latitudes e a ficarmos em estado de alerta máximo em defesa dos direitos de expressão e de informação nas Américas.
As ações terroristas, a falta de independência do Poder Judiciário em alguns países, a existência de leis restritivas ao livre exercício do jornalismo, os assassinatos ou agressões físicas, a censura e a autocensura, a falta de mecanismos para garantir o livre acesso às informações públicas, a aplicação de políticas fiscais contra os meios impressos e a discriminação oficial contra os órgãos de comunicação que não são complacentes com os governos são apenas algumas das adversidades que tivemos de enfrentar nesse período.
Estamos em guerra declarada contra cada uma dessas formas de agressão à liberdade de imprensa, guerra que não terminará até que tenhamos a plena vigência dos direitos de todos os cidadãos das Américas a se expressarem e a serem informados sem restrições.
Em todos os casos em que foi necessário, continuamos reclamando para que as autoridades cumpram seu dever de investigar e punir os crimes contra jornalistas e reparar suas conseqüências. A Colômbia é, talvez, o país com mais casos de impunidade por causa da pouca capacidade do governo em enfrentar o narcotráfico e a guerrilha, requisito indispensável para garantir o exercício livre e sem temor do jornalismo. Os casos de Carlos Pulgarín e Carlos Lajud, conhecidos jornalistas que tiveram de abandonar o país por motivos de segurança, são exemplos recentes dos riscos que os jornalistas correm na Colômbia.
O Brasil não é uma exceção nesse aspecto. Ainda que as autoridades tenham feito esforços consideráveis no caso de Tim Lopes, da TV Globo, assassinado em julho passado, não houve resolução alguma sobre o caso de Sávio Brandão, do jornal Folha do Estado, do Mato Grosso, assassinado nesse período, assim como não houve resolução em vários casos ocorridos nas últimas duas décadas investigados pela SIP e para os quais nossa Sociedade continua pedindo justiça.
Uma exceção a essa crescente tendência à impunidade ocorreu em um tribunal mexicano. Depois de três anos de acompanhamento por parte da SIP, foram condenados finalmente a 13 anos de prisão os assassinos do jornalista norte-americano Philip True, ocorrido em 1998.
Devemos lembrar que montamos uma campanha para que nas legislações dos países do continente se estabeleça a não prescrição dos crimes contra jornalistas e que se considere uma circunstância agravante o fato de que um crime seja cometido contra os que exercem o jornalismo. Defendemos igualmente que os assassinatos de jornalistas, por se tratarem de um crime para restringir os direitos e liberdades básicos da sociedade, sejam considerados como crimes de jurisdição federal ou sejam tratados em jurisdições especiais nos países em que os estados ou províncias gozem de autonomia judicial. Dirigimos também nossos esforços para que os órgãos internacionais de financiamento limitem a cooperação econômica ou técnica aos governos que não respeitem a liberdade de imprensa.
Se é nociva a incapacidade de alguns estados para conter e punir as agressões à imprensa, pior ainda é a situação quando os abusos e agressões a jornalistas e meios de comunicação vêm diretamente dos governos, como ocorreu em Chiapas, México, com os ataques do governador contra o jornal Cuarto Poder, e como já sistematicamente ocorre em Cuba com Castro, na Venezuela com Chávez ou no Haiti com Aristide e a Família Lavalás.
Cuba continua sendo o país com menos liberdade de expressão do continente, como reafirmam os fatos dos últimos quarenta anos durante os quais não cessaram nem por um instante a perseguição e as agressões aos jornalistas independentes. Um exemplo disso foi o que ocorreu, em agosto desse ano, com o jornalista Angel Pablo Polanco Torrejón, diretor da agência independente de notícias Noticuba, preso durante cinco dias e alvo de tortura psicológica, apesar de ser doente e portador de glaucoma. No Haiti, a falta de garantias e a impunidade assolam todo o território, sem sinais de melhoria, e o governo apóia a aprovação pelo Congresso de um código de ética que servirá sem dúvida de plataforma para impor novas limitações e restrições à imprensa. A Venezuela nos apresenta um quadro, conhecido por todos, no qual os meios de comunicação e os jornalistas são agredidos em ações promovidas pelo governo, o que coloca em risco o direito das pessoas de serem livremente informadas
Nos países em que existem ou se discutem leis que possam implicar perigo para a liberdade de imprensa, como a Guatemala, Nicarágua, Equador, Panamá, República Dominicana e Venezuela, a Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação manteve-se vigilante, assim como nos Estados Unidos onde certamente existem iniciativas para desinformar e subordinar a imprensa para promover campanhas governamentais. Por outro lado, um projeto de lei na Argentina estabeleceria, se aprovado definitivamente, um máximo de 30% de participação estrangeira nos meios de comunicação, o que constitui sem dúvida uma limitação inaceitável ao livre fluxo das informações. Preocupa-nos também que ainda existam muitos países no continente onde vigoram disposições jurídicas que instituem o desacato. Nesse sentido negativo, podemos citar a Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Deve-se observar que a figura do desacato foi anulada na Argentina, Costa Rica e Paraguai.
Outras modalidades de limitações à liberdade de imprensa que enfrentamos nesse semestre foram os impostos excessivos aprovados, como ocorreu na Argentina ou está em vias de ocorrer na Colômbia; e a autocensura, admitida pelos próprios jornalistas que sentem sua segurança e a de sua família ameaçadas, especialmente na Colômbia, Brasil e Venezuela, assim como em alguns países da América Central. Do mesmo modo, conspiram contra a liberdade de imprensa certas medidas de caráter judicial que violam direitos fundamentais do indivíduo, tais como a pretensão de um juiz argentino para que um jornalista, correspondente de um jornal britânico, revelasse suas fontes informativas sobre denúncias por corrupção, sob pena de ordenar a entrega de uma lista das chamadas telefônicas do jornalista.
No que se refere ao livre acesso à informação pública, apenas três países latino-americanos legislaram em seu favor: México, Panamá e Peru. Existem auspiciosos projetos de lei nessa matéria, inclusive um aprovado parcialmente no Uruguai, e outros em discussão na Guatemala, Nicarágua e Brasil. Infelizmente, o progresso que esse passo significava no Panamá foi ofuscado porque, na prática, os mecanismos estabelecidos na lei não foram eficazes.
Um importante objetivo que nossa Sociedade escolheu e pelo qual trabalha a Comissão de Liberdade de Informação é a eliminação do caráter penal dos crimes de calúnia e injúrias. Um editor norte-americano do estado de Kansas, David Carson, foi punido em julho por ter supostamente cometido um crime e por isso a SIP tentou convencer o Supremo Tribunal dos Estados Unidos a decidir sobre a inconstitucionalidade dessa norma. O jornal Reforma, da Cidade do México, também foi vítima, pela segunda vez, de uma ação legal por suposta difamação a um deputado mencionado em uma reportagem sobre difamação com relação a pagamentos irregulares a congressistas. Infelizmente, na Colômbia, está em discussão um projeto que amplia as penas para os jornalistas pelos crimes de injúria e calúnia.
Um ponto nevrálgico no qual devemos redobrar nossos esforços para evitar que tome força novamente é a tendência observada em vários países para retomar o tema da afiliação obrigatória ou o requisito de possuir diploma universitário para exercer o jornalismo. Nesse sentido, devemos nos concentrar na Nicarágua, República Dominicana e no Panamá, onde surgiu um novo projeto de lei sobre idoneidade jornalística, tema que foi retirado da lei há poucos anos.
Para concluir este relatório sobre os últimos seis meses, devemos dizer que em meados de junho participamos da Cúpula Hemisférica sobre Justiça e Liberdade de Imprensa nas Américas realizada em Washington, D.C. junto com outras comissões da SIP e com a participação de magistrados dos supremos tribunais de Justiça de 23 países do hemisfério ocidental, assim como diretores de jornais, editores, jornalistas, acadêmicos e outros especialistas. Participamos também em seminários e encontros sobre liberdade de informação organizados pela UNESCO na República Dominicana e no Panamá e em mesas-redondas sobre o mesmo tema realizadas em Ponce e San Juan de Porto Rico pelo Centro para a Liberdade de Imprensa na ilha. Participamos, também, no final de agosto, da conferência "Narcotráfico: jornalistas em perigo" sob o patrocínio dos colegas mexicanos. Contamos com a presença do czar anti-drogas dos Estados Unidos na cidade de Tijuana, Baja California. Por fim, há apenas um mês, fomos com o presidente e outros sócios da SIP a Caracas, Venezuela, para tentar obter garantias do governo para o exercício do jornalismo. Tivemos encontros produtivos com os setores do governo, de oposição, sindicais, empresariais e da imprensa. Infelizmente, não estamos em um clima propício por parte do governo para cortar arestas entre ele e os meios independentes. Há agora inclusive um novo projeto de lei oficial sobre participação cidadã que dá continuidade ao legado da Sentença 1013 e permite que os órgãos do estado e foros cidadãos "vigiem" os meios de comunicação privados e possam dispor medidas de censura sobre informações, opiniões e jornalistas e possam ditar até medidas de suspensão de atividades caso o meio não altere sua política editorial.
Esses projetos de lei e os fatos graves que ocorrem em muitos países nos revelam que devemos ficar muito alertas e preparados.
Não podemos nos descuidar nem um só instante. A manutenção e fortalecimento da liberdade de imprensa é um compromisso de todos nós, onde quer que estejamos. Um compromisso que dia após dia assumimos sem vacilar, com decisão, certeza e responsabilidade.
Muito obrigado.
Madrid, Espanha