01 Outubro 2015

CUBA

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O anúncio do restabelecimento das relações entre os governos de Cuba e Estados Unidos completará um ano em dezembro próximo, mas os cubanos continuam esperando que essa nova fase afete de fato a sua vida através de uma melhor economia, respeito aos direitos humanos, mais liberdade de expressão, de associação e de imprensa. A censura e o monopólio da mídia do país exercidos pelo Partido Comunista marcaram o exercício do jornalismo nos últimos meses. Apesar disso, o movimento do jornalismo independente continuou fazendo seu trabalho nesse último semestre e obteve algumas vitórias. Uma delas foi a cobertura da mídia em momentos de repressão, como o que aconteceu durante a visita do Papa Francisco. Entre as vitórias do jornalismo independente estão a realização, em Pinar del Río, do primeiro Congresso do Pensamento para Cuba, patrocinado pelo think tank independente Centro de Estudos Convivencia e pela revista do mesmo nome. Fundada em 2007, a revista já publicou 45 edições e aborda temas que vão de cultura a civismo. A abertura de 35 pontos WiFi para conexão com a internet também provocou um fenômeno social, levando centenas de milhares de cubanos para as praças e parques para ter acesso à rede. Segundo estatísticas oficiais, ocorrem diariamente 55.000 conexões em cada um desses pontos e pelo menos 8.000 simultaneamente. A necessidade do povo de acessar a grande rede mundial, reencontrar amigos na mídia social, escrever e-mails e visitar web sites fez com que muitos encarassem pagar por uma hora de conexão dois pesos conversíveis (cerca de 2,20 dólares norte-americanos), ou seja, um décimo de um salário mensal médio. Cuba superou a marca de três milhões de usuários da internet em 2014, mas continua sendo um dos países com o menor índice de conectividade do mundo, apenas 5% de sua população, o que se reduz a 1% no caso da banda larga. E isso apesar de nos últimos meses o governo de Barack Obama ter implementado medidas que flexibilizam os contatos entre as empresas de tecnologia e telecomunicações norte-americanas com a ilha e de ter demonstrado interesse especial em ajudar a informatizar o povo cubano. A censura sobre os sites se mantém, como no caso de portais como Cubaencuentro, Martinoticias e o jornal digital 14ymedio.com, além de outros sites que abordam a temática cubana com uma postura crítica ao governo. A filtragem de e-mails e a suspensão do serviço de telefonia celular são apenas algumas das represálias aos ativistas e jornalistas independentes por realizarem seu trabalho. Em junho passado, o repórter Lázaro Yuri Valle Roca denunciou ter sido preso várias vezes por tentar documentar, por vídeos e fotos, a repressão às Damas de Branco após a sua peregrinação dominical pela 5ª Avenida, na zona oeste de Havana. O jornalista independente detalhou em carta enviada à Sociedade Interamericana de Imprensa a repressão de que são vítimas os profissionais de imprensa não oficiais. Valle Roca narrou as prisões durante “vários dias sem registros que documentem nossa prisão nem o confisco dos nossos pertences” e “o confisco de materiais de trabalho”. Isso “faz parte do aparato de coação, ao retirarem os telefones celulares, câmaras fotográficas e memórias USB, cujo conteúdo é muitas vezes apagado pela polícia”, acrescentou. Danilo Maldonado Machado, conhecido como El Sexto, continua na prisão depois de nove meses. O grafiteiro iria fazer uma apresentação e foi preso quando se dirigia, de carro, para o parque central com dois porcos em cujas costas estavam pintados os nomes “Fidel” e “Raúl”. Na Penitenciária de Valle Grande, onde está detido sem que se tenha realizado julgamento algum, ele iniciou em 8 de setembro uma greve de fome para exigir sua libertação imediata. A Anistia Internacional considerou Maldonado Machado como preso de consciência e em um comunicado pediu também que se “anulem todas as leis que restrinjam indevidamente a liberdade de expressão, reunião e associação”. O governo de Raúl Castro mantém a tendência à “paramilitarização” da repressão, com violência física ou verbal, mas sem deixar provas legais. Esse método que foi utilizado durante a visita do Papa Francisco em meados de setembro, por exemplo, com a prisão de Martha Beatriz Roque, de oposição, e a jornalista independente Miriam Leiva, enquanto as duas se dirigiam à Catedral de Havana para saudar o Papa a convite do Núncio Apostólico. O escritor e blogueiro Ángel Santiesteban, Prêmio Casa das Américas 2006, foi solto em julho passado depois de permanecer preso desde dezembro de 2012. Durante sua detenção, Repórteres sem Fronteiras e Anistia Internacional emitiram vários comunicados e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu medidas cautelares. O escritor foi condenado a cinco anos de prisão por supostos crimes comuns e obteve liberdade condicional como “chantagem” por se “comportar bem”. O jornalista e ex-correspondente do jornal do governo, Granma, José Antonio Torres, recebeu recentemente um benefício penitenciário durante sua sentença a 15 anos, pena que cumpre por supostos crimes de espionagem. O repórter havia recebido passes de fim de semana para visitar a família e uma permissão para trabalhar na biblioteca da prisão onde está. Torres afirma ser inocente. O repórter Yoennis de Jesús Guerra, que mora em Arroyo Blanco, em Sancti Spiritus, ainda cumpre pena de sete anos por suposto furto e sacrifício ilegal de gado. Os graves problemas de saúde e a violência carcerária de que sofre o correspondente da agência independente Yayabo Press foram denunciados por grupos defensores de direitos humanos, tanto dentro quanto fora da ilha. Antes da chegada a Cuba do Papa Francisco, anunciou-se o indulto de 3.522 prisioneiros. O porta-voz da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), Elizardo Sánchez, confirmou que não havia presos políticos entre os beneficiados com essa medida. Segundo a CCDHRN, continuam sendo sessenta os presos por “motivos políticos ou por processos relacionados a política”. O chamado “El Paquete”, material que inclui filmes e muitos outros tipos de informações,  continua ganhando terreno entre a população cubana e preocupa bastante o governo. Para combater seu avanço, o ministério da Educação lançou uma alternativa oficial chamada “Pa’que te eduques”, que pretende ser “uma oferta atraente de ensino cubano”, por meio de conteúdos de “bom gosto”. Essa não é a primeira vez que o governo tenta concorrer com El Paquete. Em agosto de 2014, começou a distribuir o chamado “Mi Mochila” nos “Joven Club”. Trata-se de uma seleção ideologizada de filmes e outras informações que tem sido recebida com pouco entusiasmo. A imprensa oficial tem abordado problemas da sociedade cubana, como corrupção, desvio de verbas e a ineficácia empresarial, mas sempre sem questionar o sistema político nem os dirigentes do partido. A autocensura dos repórteres oficiais fica evidente não só nos temas e enfoques que evitam, mas também na ausência de um jornalismo investigativo que pressione os órgãos do governo a ter mais transparência quanto ao seu funcionamento interno.

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