Nota-se uma tendência, entre as autoridades do governo, de mover ações criminais por supostos crimes de difamação e injúria para calar a mídia.
Uma ação contra o jornal El Observador e duas contra o jornal El País por uma mesma matéria ditaram o tom, no que foi classificado por Claudio Paolillo, ex-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, como uma tentativa de "judicialização do jornalismo".
Esta escalada da judicialização começou com a publicação de um livro sobre o então vice-presidente da República, Raúl Sendic, intitulado Sendic. A carreira do filho pródigo [tradução livre], das jornalistas Patricia Madrid e Viviana Ruggiero, no qual foram denunciadas graves irregularidades sobre ele e sua atuação durante sua gestão na Ancap, empresa estatal petroleira. "Foi a última gota", disse Sendic, que acrescentou: "Há muito tempo venho aturando uma campanha feroz contra mim, e não me calarei mais. No Uruguai, instalou-se um estilo, em determinados setores do jornalismo, que tenta acabar com a honra das pessoas, sem a menor sustentação (...)". Acrescentou que Madrid e Ruggiero têm "uma forma desprezível de agir". E "elas terão que levar suas dúvidas, e sobretudo suas provas aos tribunais civis e criminais. Terão que responder com seu patrimônio".
Sendic afirmou que as jornalistas são parte de uma conspiração internacional. "São operações que não surgem aqui, mas em Atlanta (Estados Unidos)... Usam um setor da imprensa, às vezes um setor da justiça e de partidos políticos para manipular a opinião pública e desestabilizar outros setores políticos."
Em junho, o semanário Búsqueda publicou informações obtidas através da Lei de Acesso às Informação Pública sobre gastos feitos por Sendic com o cartão corporativo da Ancap para compras pessoais em lojas de roupas, joalherias, lojas de móveis e supermercados. Sendic refutou as acusações, mas renunciou à vice-presidência pressionado pelo seu próprio partido por uso "inaceitável" de verbas públicas. Agora está à disposição da justiça criminal.
Em 25 de março, o jornal El País publicou uma matéria sobre uma empresa que comprou um imóvel por US$ 750.000 e dois dias depois o vendeu como único ofertante à prefeitura de Montevidéu, em uma licitação, por US$ 1.490.000, ou seja, com um lucro de 740 mil dólares em 48 horas.
A operação chamou a atenção do Tribunal de Contas da União. O prefeito anulou a operação, mas o partido Frente Ampla, do governo, solicitou que se criasse uma comissão para investigar por que essa matéria havia sido divulgada pelo jornal "com o objetivo de prejudicar a gestão do governo".
Em 26 de maio, Hernán Melino, assessor de Daniel Martínez, prefeito de Montevidéu, queixou-se ao diretor de jornalismo do jornal El País, Martín Aguirre, pelo tratamento que o jornal confere às matérias relacionadas à prefeitura. Disse não concordar com a maneira como foi tratada a possível alienação de um parque da cidade onde fica situado o campo do Clube Atlético Fénix da Primeira Divisão de Futebol nem com a matéria que tratava do déficit municipal (de cerca de 100 milhões de dólares). Criticou especificamente o trabalho de vários jornalistas do jornal matutino e deu sugestões sobre formas de abordar algumas notícias.
Em 3 de agosto, a presidente da Administração dos Serviços de Saúde do Estado (ASSE), Susana Muñiz, moveu ação contra o jornalista do El
Observador, Gabriel Pereyra, devido à coluna de opinião "¡Hola Susana!, nem os urubus se salvam nos seus hospitais", em que foram denunciadas várias irregularidades. A audiência foi realizada em 15 de agosto. Pereyra disse que não teve intenção de difamar. "Exceptio veritatis" e real malícia não foram mencionadas.
Em 15 de agosto, o jornal El País foi notificado de uma ação por difamação e injúria movida por José Coya, ex-presidente e sucessor de Raúl Sendic à frente da Ancap. A ação foi movida contra o jornalista Daniel Isgleas e está relacionada a uma matéria intitulada "Coya aprovou uma obra de US$ 64 milhões sem passar pela direção", e contra o jornal El País pelo editorial "O despenhadeiro sem fim". Washington Beltrán, diretor do jornal e autor do editorial, assumiu a autoria. Tanto a matéria quanto o editorial baseiam-se em declarações do deputado Pablo Abdala, que ratificou suas declarações no tribunal. Resta ainda uma segunda audiência para ouvir as partes.
Em 7 de setembro, a juíza de Cerro Largo, Mariela Tejera, condenou o canal 12 de Melo (Cerro Largo) a pagar uma multa de US$ 350.000 por uma violação do direito à privacidade de dois menores de idade que foram entrevistados em uma matéria divulgada um ano atrás. Trata-se do valor máximo previsto pela Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual no seu artigo 182 (10.000 unidades reajustáveis). O caso chegou à juíza Tejera devido a uma denúncia feita pela INAU, por entender que o meio de comunicação violou as disposições do artigo 31 da referida lei, que se refere ao direito à privacidade de crianças e adolescentes. O fato ocorreu em 3 de outubro de 2016. Com o título "Homem acusado pela esposa de abusar sexualmente de seu filho presta depoimento", o canal divulgou uma entrevista com a mãe e seu filho, suposta
vítima de abuso sexual. A matéria foi realizada na porta do tribunal a pedido da mãe, que havia chamado o canal e pedido que seu filho desse declarações.
A entrevista foi editada: os rostos do menino de 12 anos e de sua irmã de nove anos foram borrados (não pixelados) e foram fornecidos endereços falsos. Moveu-se recurso contra a sentença.
Se for aplicada, essa multa alta pode significar o fechamento do jornal.