O regime de Nicolás Maduro, que se seguiu ao de Hugo Chávez, confirma o princípio de que em uma ditadura a liberdade de expressão é sempre a primeira vítima. A imprensa, por ser um dos veículos que possibilita seu exercício, é o principal alvo. O regime evoluiu, passando de mecanismos de censura muito sutis, que incluíam a concessão de publicidade do governo como premiação para os meios de comunicação mais tolerantes ou servis, chegando até ações judiciais por difamação, ameaças a jornalistas, fechamento de estações de rádio e televisão, bloqueio a websites e plataformas digitais, detenções arbitrárias e julgamentos militares para jornalistas e até mesmo a formas mais sangrentas de censura.
No momento, o simples fato de cobrir uma manifestação pública contra o governo pode ser classificado como um ato "terrorista", da alçada dos tribunais militares. Enviar uma mensagem por Twitter, desenhar uma caricatura ou fazer uma piada são atitudes que podem ter consequências penais graves.
O regime não aceita o pluralismo político. Recordando as práticas do estalinismo, chegou-se a declarar incapacitado por demência um ex-candidato à presidência, silenciando-se assim uma das vozes mais lúcidas da oposição e do jornalismo. Não existe nenhum meio de comunicação, de opinião ou de informação que tenha escapado da censura. O fato de o filme "El Inca" ter sido premiado e aplaudido pela crítica tampouco impediu que sua exibição fosse censurada pelo Tribunal Constitucional do
Tribunal Supremo de Justiça. (TSJ). Qualquer forma de expressão, inclusive o simples protesto dos cidadãos nas ruas ou comentários de uma dona de casa em um mercado é alvo da mais grave repressão.
O regime controla tanto o que se diz quanto o que não se pode dizer. Por iniciativa de Diosdado Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), em todos os locais públicos, inclusive no aeroporto internacional de Maiquetía, há um imenso letreiro que diz: "Aqui não se fala mal de Chávez".
O fechamento de emissoras de TV e de rádio continua, e continuam também as "inspeções técnicas" da CONATEL das emissoras de rádio e TV. A plataforma digital do jornal Tal Cual ficou bloqueada durante várias horas.
Em 11 de agosto passado, a CONATEL abriu um procedimento disciplinatório contra a Venevisión e a Televen, por "não fazerem a cobertura das eleições dos que formarão a Assembleia Nacional Constituinte". Alguns meios impressos, como consequência da recusa do governo em lhes vender papel, tiveram que reduzir seu número de páginas, continuaram operando apenas na sua versão digital e paralisaram suas operações, o que deveria ser não só um problema de liberdade de expressão como também de perda de fontes geradoras de emprego.
A CONATEL ordenou a retirada da programação a cabo dos canais internacionais (como a CNN en Español, El Tiempo TV, Caracol TV, ou Todo Noticias), porque sua linha editorial não estava de acordo com os
requisitos do "socialismo do século XXI". Continuam as pressões para que a mídia se livre de jornalistas demasiadamente críticos, como é o caso da recente saída de Nelson Bocaranda, da Unión Radio. Os jornalistas continuam sendo castigados, como é o caso de César Miguel Rondón, que teve sua saída do país negada no aeroporto porque, supostamente, seu passaporte "havia sido registrado como roubado". Dois dias antes do incidente, Maduro havia dito que Rondón devia ser preso.
As ações judiciais contra jornalistas e meios de comunicação também continuam. Maduro ameaçou processar o Bloque de Armas, que publica o jornal 2001, por sua primeira página do dia 8 de junho. Em uma ameaça velada, em 17 de julho, Maduro acusou de "conspiradores" e "golpistas" os canais de televisão Venevisión e Televen por transmitirem a declaração de um grupo de ex-presidentes latino-americanos sobre a situação política.
Relatórios de organizações como Espacio Público, Provea e IPYS, entre outras, estimam que ocorreram muitos casos de agressões físicas a jornalistas por policiais ou militares, assim como a repórteres, fotógrafos e cinegrafistas neste período. Eles foram agredidos, e com bastante frequência tiveram seus equipamentos (câmeras, microfones, telefones celulares, tablets, coletes à prova de balas, máscaras antigás ou veículos de transporte) destruídos ou confiscados. Em um caso, os militares autores das agressões foram identificados pelos sobrenomes, mas não há registro de nenhuma ação judicial contra eles.
Esses relatórios revelam que as manifestações públicas por descontentamento diante da inflação, da falta de abastecimento e do assédio foram reprimidas de maneira brutal e sangrenta, deixando mais de cem mortos e milhares de feridos. Em muitos casos, os jornalistas foram especialmente alvos de policiais e militares, sofrendo o impacto de bombas de gás lacrimogêneo, tiros à queima-roupa, jatos de água lançados pela "baleia", golpes de cassetete e chutes. Uma jornalista foi atingida por gás no rosto por um funcionário da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), e um oficial da Guarda Nacional ordenou "ir contra os jornalistas".
Em 24 de maio, uma testemunha relatou como a Guarda Nacional disparou contra membros da imprensa que estavam cobrindo um protesto em Bello Monte.
Em muitos casos, a polícia e a Guarda Nacional impediram que os jornalistas realizassem seu trabalho. Não é permitido tirar fotografias em determinadas áreas, como em destacamentos policiais ou formações policiais no necrotério de Bello Monte ou na Defensoria Pública. É proibido também se aproximar dos edifícios do TJS ou do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e, às vezes, é proibido cobrir eventos na Assembleia Nacional. Vários jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas foram expulsos de coletivas de imprensa ou tiveram sua entrada proibida. Grupos armados atacaram instalações de jornais, de emissoras de rádio e de TV.
Muitas agressões contra a imprensa cometidas por civis armados pelo governo ocorreram na presença da Guarda Nacional e sob seu olhar condescendente.
Muitos jornalistas foram detidos e submetidos à justiça militar. Jornalistas estrangeiros foram detidos arbitrariamente. Dois jornalistas franceses, da agência CAPA, que estavam prestes a retornar a seu país, foram detidos durante dez dias. O jornalista argentino Jorge Lanata teve sua entrada proibida no país quando tentava cobrir a eleição de membros da Assembleia Nacional Constituinte. Semanas depois, a jornalista chilena Gabriela Donoso, da agência de notícias Reuters, também teve sua entrada no país negada e foi colocada em um avião com destino ao Panamá. O jornalista Anatoly Kumanaev, do The Wall Street Journal, foi expulso do Poliedro de Caracas e obrigado a apagar material que havia gravado. Uma equipe da Reuters foi expulsa da coletiva de imprensa realizada com Maduro em 19 de agosto "por fazer transmissões ao vivo".
Como parte de uma ação judicial contra os diretores de Tal Cual, La Patilla, El Nacional, um tribunal condenou o La Patilla a pagar uma indenização de um bilhão de bolívares a Diosdado Cabello por ter reproduzido uma matéria de outro jornal (o ABC, da Espanha), na qual Leamsy Salazar, ex-colaborador de Cabello, afirmava que ele estaria envolvido em crimes relacionados ao tráfico de drogas.
Paradoxalmente, dentro dessa atmosfera de censura, o presidente Maduro propôs à Assembleia Nacional a aprovação de uma lei contra o ódio e a intolerância. O projeto de lei penaliza o ódio em termos gerais,
sem defini-lo, e vai muito além das provisões do artigo 20 do Pacto de Direitos Civis e Políticos, que proíbe "toda a apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência". O regime pretende, com isso, proibir o ódio como tal, reservando-se o direito de definir o que constitui ódio e o que deve ser castigado. Trata-se, sem dúvida, de outro mecanismo de censura e de criação de autocensura.
Este link http://media.sipiapa.org/adjuntos/185/documentos/001/813/0001813072.pdf contém um relatório detalhado dos casos de violência contra a liberdade de imprensa e de expressão que ocorreram neste semestre na Venezuela.