Estados Unidos

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Salt Lake City, Utah
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A mídia noticiosa continua na defensiva diante da forte retórica contra a imprensa do presidente Donald Trump desde que assumiu o governo. No nosso relatório anterior, detalhamos como seus ataques verbais sem precedentes ameaçavam o futuro do processo de coletar notícias e a liberdade de imprensa. Esses ataques, cujo objetivo aparente é desabonar as informações que ele considera desfavoráveis, continuam. Na verdade, os ataques, frequentemente feitos pela sua conta no Twitter, promovem agora, com frequência, a intervenção do governo para evitar uma cobertura desfavorável. Essas declarações exacerbam um clima já hostil no qual os jornalistas são alvo de crescentes ataques verbais e físicos em todo o país.

Desde nosso último relatório, o governo de Trump intensificou suas agressões verbais, atacando a credibilidade da mídia. O presidente continua referindo-se regularmente a organizações noticiosas proeminentes, em particular à CNN, NBC e ao The New York Times, como disseminadoras de "notícias falsas", termo que foi originalmente concebido para classificar histórias inventadas, deliberadamente falsas. Recentemente, em meio a um desastre natural – ocasião em que o público depende da mídia para obter informações que podem salvar vidas –, Trump atacou verbalmente a imprensa e tentou comprometer sua credibilidade. Depois das matérias sobre uma lenta resposta federal diante da devastação do furacão Maria, em Porto Rico, Trump postou no Twitter: "Ao povo de Porto Rico: não acreditem em notícias falsas!".

Os recentes ataques do governo Trump parecem encorajar a interferência direta do governo na liberdade de imprensa. Em setembro, por exemplo, a secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, afirmou que a ESPN, emissora esportiva, deveria demitir a apresentadora Jemele Hill por criticar Trump no Twitter. É muito raro que funcionários da Casa Branca comentem as práticas de contratação da mídia. Em outubro, através da sua conta no Twitter, Trump pediu que a Comissão de Inteligência do Senado investigasse as "redes de notícias falsas". (A Comissão

investiga as ligações da campanha de Trump com a Rússia, mas seu presidente negou que a investigação incluísse alguma organização noticiosa.)

Também em outubro, Trump postou no Twitter que "com todas as notícias falsas que saem na NBC e nas redes, em que momento seria apropriado questionar suas licenças?" (As redes nacionais não têm licenças, e a Comissão Federal de Comunicações não regula o conteúdo, especialmente a cobertura de notícias, das afiliadas de radiodifusão locais). No mesmo dia, declarou aos jornalistas que "é francamente desagradável a forma como a imprensa pode escrever o que lhe der vontade". Na mesma noite, referiu-se mais diretamente à revogação das licenças, pelo Twitter: "As notícias das redes se tornaram tão partidárias, distorcidas e falsas, que as licenças deveriam ser questionadas e, se for o caso, revogadas. Não é justo para o público!".

Apesar de não ser nunca fácil demonstrar uma correlação direta, o clima criado por essas declarações contra a imprensa por parte de funcionários do governo coincidiu com um número alarmante de ataques físicos e ameaças aos jornalistas. Um exemplo é o caso de um candidato ao Congresso do estado de Montana que "agrediu" um repórter do The Guardian e quebrou seus óculos. O candidato foi acusado de agressão, mas no dia seguinte ganhou as eleições para a Câmara dos Deputados.

Depois desse incidente, um morador de Montana disse a um repórter da CNN: "Vocês têm sorte por ninguém pegar um de vocês". Funcionários da segurança empurraram outro repórter e em seguida o expulsaram de um edifício do governo federal em Washington, D.C. O repórter havia feito uma pergunta a um membro da Comissão Federal de Comunicações. Muitos temem que as declarações do presidente tenham contribuído para criar esse ambiente. Na verdade, a CNN, alvo frequente das investidas de Trump, acusou o presidente de aprovar implicitamente a violência contra jornalistas quando ele postou pelo Twitter novamente um vídeo dele mesmo lutando contra uma pessoa com um logotipo da CNN superposto à imagem da sua cabeça. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) expressou alarme e advertiu que essa e

outras ações de Trump "poderiam incitar o público a cometer atos de violência contra jornalistas e contra a mídia".

A retórica hostil do governo de Trump também tem um efeito dominó em nível estadual e local. Por exemplo, o governador do Texas, Greg Abbott, e o prefeito de Tampa, Bob Buckhorn, fizeram piadas dizendo que iriam atirar em membros da mídia. O governador de Kentucky, Matt Bevin, utiliza regularmente o rótulo de "notícias falsas" para atacar a credibilidade da mídia e afirmou recentemente que os principais jornais do estado "na verdade não parecem se preocupar" com as pessoas. Dias depois, um desconhecido disparou contra as janelas de um desses jornais. Ninguém ficou ferido e não se estabeleceu nenhuma relação direta com as declarações de Bevin, mas o incidente causou preocupação entre os jornalistas.

O "U.S. Press Freedom Tracker", projeto de uma coalizão de organizações de jornalismo que inclui o Comitê de Repórteres, documentou 29 agressões físicas contra jornalistas até agora em 2017, inclusive de policiais e manifestantes. Vários repórteres foram atacados com gás pimenta ou agredidos pela polícia enquanto cobriam os protestos. Outros foram ameaçados, encharcados de água ou agredidos pelos manifestantes. Houve também o incidente em Montana em que um repórter foi agredido, e o caso de um senador do estado de Alaska que esbofeteou um jornalista no prédio da Assembleia Legislativa como reação a uma matéria recentemente publicada sobre a lei proposta pelo senador.

O Tracker informa também que a polícia deteve 31 jornalistas de todo o país enquanto realizavam seu trabalho. Muitas dessas detenções foram realizadas durante incidentes em que a polícia prendeu muitos participantes de protestos não autorizados e ignorou os jornalistas quando eles se identificaram. O relatório inclui também o caso de um jornalista que foi preso e detido por um breve período por fazer perguntas, aos gritos, ao Secretário de Saúde e Serviços Humanos, Tom Price, quando ele transitava por um edifício público. Os defensores da liberdade de imprensa criticaram a prisão,

considerando-a "uma afronta à liberdade de imprensa". As acusações contra o jornalista foram retiradas quatro meses depois.

O governo cria cada vez mais dificuldades para que a mídia noticiosa informe sobre assuntos governamentais. Depois de semanas quebrando a tradição de realizar coletivas de imprensa diariamente, elas voltaram à Casa Branca no final de julho, com Sanders como secretária de imprensa. Porém, os repórteres continuam enfrentando dificuldades para ter acesso a membros do governo, assim como a documentos públicos. Os jornalistas que cobrem o Departamento de Defesa, por exemplo, criticaram o departamento por terem agora menos acesso ao secretário de Defesa, James Mattis. Isso inclui uma grande redução no número de jornalistas autorizados a acompanhar Mattis em viagens oficiais.

Os funcionários do governo federal continuam eliminando silenciosamente as informações públicas dos websites do governo, assim como informações sobre mudanças climáticas. O governo anunciou que não divulgaria os registros das visitas à Casa Branca, rompendo uma prática da presidência anterior de divulgar essas informações. Em abril, a Fundação Sunlight declarou que Trump havia "estabelecido um dos piores recordes de governo aberto nos primeiros 100 dias de um governo na história dos Estados Unidos".

O procurador-geral Jeff Sessions se opõe há muito tempo a uma lei-escudo (shield law) que proteja as fontes dos jornalistas nos casos de vazamento de informações. Desde que assumiu o cargo, deixou claro que o Departamento de Justiça investigará proativamente a divulgação de informações governamentais sigilosas para a mídia. Sessions anunciou em agosto que o Departamento "mais do que triplicou o número de investigações ativas de vazamentos de informações em comparação com o número pendente no final do governo anterior. E já acusamos quatro pessoas de revelar ilegalmente material sigiloso ou de ocultar contatos de inteligência estrangeiros".

O procurador-geral anunciou também uma revisão das diretrizes do Departamento de Justiça relativas às intimações de procuradores federais a jornalistas para que mostrem seus arquivos. As diretrizes atuais, emendadas em 2015 com o apoio de uma coalizão de meios de comunicação dirigida pelo Comitê de Repórteres, exigem que a maioria dos pedidos para tais intimações seja aprovada pelo procurador-geral e que "o governo tenha feito todas as tentativas razoáveis para obter as informações de outras fontes que não sejam da mídia". Um Grupo de Diálogo com a Mídia Noticiosa, criado pelo procurador-geral quando as diretrizes foram emendadas, trabalhará com a nova liderança do Departamento de Justiça para revisar essa política. A revisão está em fase inicial, mas o objetivo do Grupo é manter sem modificações as diretrizes de 2015.

Uma tendência preocupante para a liberdade de imprensa é a retórica do poder Executivo, inclusive de alguns membros do Congresso. Porém, a liberdade de imprensa está profundamente protegida por lei, e o ramo judiciário do governo é um forte obstáculo à capacidade de outros ramos de enfraquecer a liberdade de imprensa.

Um exemplo recente que mostra a vitória da mídia nos tribunais tem relação com Sarah Palin, uma importante figura política e partidária de Trump. Palin moveu ação contra o The New York Times por difamação devido a um editorial que relacionava a retórica violenta a tiroteios mortais. A ação foi logo indeferida, com palavras fortes que defendem uma imprensa livre e sólida. Apesar de a crescente retórica dos políticos representar muitos desafios práticos e físicos para os jornalistas, os políticos ainda têm que enfrentar muitos impedimentos legais para coibir a liberdade de imprensa.

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