Argentina

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Relatório à 76 Assembleia Geral da SIP
21 a 23 de outubro de 2020
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Durante esse período, o trabalho dos jornalistas foi afetado por regulamentações locais abusivas e pela implementação excessiva de protocolos sanitários em vários pontos do país. O debate público se deteriorou, o que resultou em ataques à imprensa. O clima de intolerância refletiu-se inclusive nas agressões a jornalistas durante concentrações de cidadãos que exigiam, entre outras coisas, a validade de um postulado tão fundamental para a democracia e os direitos individuais quanto a independência do Poder Judiciário. Esses lamentáveis ​​acontecimentos ocorreram em Buenos Aires nos dias 9 de julho e 18 de setembro e os afetados pertenciam ao canal de televisão C5N.

A pandemia e a crise econômica prejudicaram a sustentabilidade da mídia, e houve queda nas receitas de publicidade.

Durante esse período, observou-se também a intenção do governo de avançar contra os conteúdos da mídia. Supreendentemente, em 9 de outubro, a Defensoria do Povo, órgão do governo, anunciou a criação do "Observatório da desinformação e violência simbólica na mídia e nas plataformas digitais (Nodio)". Isso foi feito sem que se realizasse debate público, ao contrário do que acontecia nos governos anteriores sempre que eram propostos códigos de ética para a mídia e para os jornalistas. Como declarou em entrevista a chefe da Defensoria, o objetivo do Nodio será "proteger os cidadãos das notícias falsas, maliciosas e falaciosas" e produzir materiais para promover a "reflexão sobre práticas responsáveis em busca de um jornalismo de alta qualidade" e discutir "os aspectos éticos do exercício da liberdade de expressão na internet".

A Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (ADEPA) e a mídia em geral se posicionaram imediatamente contra a iniciativa por considerar que se trata de um "método sutil para disciplinar ou como represália com motivações contrárias aos princípios que afirma promover" e não alinhada às iniciativas da sociedade civil para promover a análise crítica dos conteúdos que circulam no ecossistema digital.

O juiz federal Alejo Ramos Padilla prorrogou o processo contra o jornalista do Clarín Daniel Santoro, oportunamente rejeitado pela SIP, agora o acusando de fazer parte de uma associação ilícita dedicada à espionagem. Essa medida inédita, tomada sem investigação prévia e sem contar com novos elementos do caso, criminaliza a atividade jornalística e ignora a relação do jornalista com suas fontes. Organizações como ADEPA, FOPEA e National Academy of Journalism expressaram sua preocupação com este fato.

O jornalista Luis Majul denunciou ter sofrido ataques dos setores políticos e sindicais por meio de uma campanha de desprestígio que o vinculava a um caso de espionagem.

Durante o debate sobre uma reforma judicial, o senador Oscar Parrilli, partidário do governo, incluiu uma cláusula que obrigava os juízes a denunciar pressões dos "poderes midiáticos". Parrilli defende a chamada teoria do lawfare, que propõe a conivência entre políticos, juízes e jornalistas ou meios de comunicação para perseguir os atores da vida pública e impor condições a eles. A cláusula foi posteriormente retirada pelo senador.

Em um vídeo divulgado em junho pela vice-presidente do país, Cristina Kirchner, imagens de jornalistas conhecidos foram apresentadas com uma voz em off que denunciava uma "cobertura hegemônica da mídia" e sua "cumplicidade" com o governo anterior. Outro incidente foi a declaração de Eugenio Raúl Zaffaroni, ex-juiz da Corte Suprema do país e atual juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que se referiu aos meios de comunicação como "um partido único, igual ao partido de Hitler".

O presidente Alberto Fernández não contribuiu para melhorar o ambiente do debate público. Em setembro, ele declarou que a oposição e a mídia "maltratam a democracia" e afirmou que sua gestão é vítima de um "metralhamento midiático".

Um dos incidentes mais graves nesse período aconteceu em setembro em Villa Río Bermejito, província de Chaco, onde o locutor Luis Mancini foi espancado por dois homens. Um dos agressores é funcionário público do local, e a surra foi registrada em vídeo. Jornalistas do canal C5N também foram vítimas de agressão física durante um protesto no Obelisco de Buenos Aires, no dia 9 de julho.

Foram registradas sérias restrições ao trabalho da imprensa na implementação de protocolos sanitários e nas tentativas de monitorar as informações falsas sobre o coronavírus. Em junho, policiais da guarda nacional revistaram a casa do jornalista Gustavo Romero, de Chaque, para verificar se eram de sua autoria algumas matérias sobre casos de Covid-19. Um mês depois, policiais de Santiago de Estero detiveram, sem motivo, o jornalista Gabriel Varela, de Córdoba, e o escoltaram até a fronteira da província, alegando que cumpriam um procedimento relacionado à pandemia.

Em agosto, aprovou-se na província de Tucumán uma lei que prevê multa ou prisão de até dez dias para qualquer pessoa que divulgar "pelas redes sociais, notícias que sejam total ou parcialmente falsas". Em Pichanal, província de Salta, o jornalista Sebastián Domínguez foi multado por difundir "informações falsas".

Em agosto, o Poder Executivo emitiu um decreto de necessidade e urgência declarando como serviços públicos, entre outros, a televisão a cabo, o que constituiu uma interferência do governo nos conteúdos da mídia.

Em agosto, emitiu-se decisão de segunda instância (da Cámara Nacional de Apelaciones en el Civil) a favor do direito ao esquecimento no "caso Denegri, na qual se declarava que o Google deve desindexar de suas buscas conteúdos vinculados à autora de uma ação, afirmando que não são de interesse público, mas de caráter prejudicial. A autora da ação era vinculada ao setor de entretenimento há mais de duas décadas e a processos judiciais daquela época.

A justiça penal e correcional da província de San Luis condenou o jornalista Diego Masci a pagar uma multa pela divulgação de um vídeo privado em um portal digital, que havia antes sido divulgado em uma rede de WhatsApp, e que mostrava a então ministra de educação da província embriagada. A justiça exigiu que o Google desindexasse o vídeo.

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