Nos últimos seis meses, persistiram lamentáveis episódios que demonstram as dificuldades para o pleno exercício do jornalismo ou a incompreensão diante da liberdade de imprensa assegurada pela Constituição do país.
A conduta do presidente Jair Bolsonaro é a evidência mais eloquente desse clima de enfrentamento ao jornalismo. De forma autoritária e agressiva, muitas vezes grosseira, o presidente se caracteriza pelo permanente confronto com os profissionais de imprensa e as empresas de comunicação. No dia 23 de agosto, o presidente chegou a ameaçar, com palavrões, a agredir fisicamente um jornalista de O Globo que lhe perguntou sobre o depósito de valores de origem suspeita na conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro, entre 2011 e 2016.
As entrevistas que o presidente se habituou a conceder no acesso ao Palácio da Alvorada, residência oficial do Chefe do Governo brasileiro, em que apoiadores do chefe de governo se sentiam estimulados a também agredirem verbalmente os profissionais da imprensa, foram a face mais visível dessa linha de confronto. A ponto de diversos veículos de comunicação determinarem que seus profissionais não ficassem mais presentes no local, diante do evidente risco para sua integridade física. O presidente deixou então de conceder essas entrevistas no local.
Mas os ataques do presidente ao jornalismo prosseguem por meio de suas lives e postagens nas redes sociais. Com isso, ele estimula os ataques virtuais contra jornalistas e empresas de comunicação, feitos no ambiente da internet, em redes sociais, blogs ou perfis em plataformas digitais. Pessoas inconformadas com o trabalho jornalístico, geralmente partidárias do governo Bolsonaro, postam xingamentos e ameaças, buscando constranger o livre exercício da atividade. São milhares de ataques virtuais por dia.
Por outro lado, cabe assinalar que o mesmo Poder Judiciário que tantas vezes toma decisões ou faz manifestações favoráveis ao princípio constitucional da liberdade de imprensa, infelizmente em outros momentos age como censor. Nos últimos seis meses, pelo menos três casos de censura judicial aconteceram no país - contra o jornal digital GGN, contra a TV Globo e contra a TV RBS -, em uma demonstração de que as diferentes instâncias do Poder Judiciário brasileiro, em diferentes regiões do país, persistem em desrespeitar a plena liberdade de imprensa definida pela Constituição brasileira.
A violência física contra jornalistas também continua. Prova disso foi o assassinato do jornalista Leonardo Pinheiro, do jornal digital A Voz Ararumense, morto a tiro no dia 13 de maio, na cidade de Araruama, no estado do Rio de Janeiro, que denunciava casos de corrupção na cidade.
Outros casos registrados neste período:
Em 25 de maio, o Grupo Globo, o jornal Folha de SP, o Grupo Metrópoles, o portal de notícias UOL e o Grupo Band decidiram interromper a cobertura jornalística na área destinada à imprensa junto ao Palácio da Alvorada devido aos insultos recebidos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que quase invadiram o espaço, sem serem contidos pelos seguranças.
Em junho, a Rede Nacional de Proteção a Comunicadores protocolou em Brasília (DF) uma ação contra a omissão do Governo Federal em garantir a segurança para a atuação de jornalistas e comunicadores naquela área.
Em julho, a jornalista Bianca Santana relatou, durante a 44ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ataques misóginos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro direcionados a ela e outras comunicadoras no exercício da profissão.
Em 21 de agosto a Polícia Civil de Alegrete, no Rio Grande do Sul, indiciou dois policiais militares por agressão e abuso de autoridade no caso envolvendo o espancamento ocorrido em junho de 2020 do repórter freelancer Alex Stanrlei e do diretor do jornal Em Questão, Paulo de Tarso Pereira, sendo que uma aspirante do Exército também foi indiciada por omissão de socorro.
Em 25 de agosto o juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível do Rio de Janeiro, determinou que o site GGN, editado pelo jornalista Luis Nassif, retirasse do ar todas as reportagens relacionadas a irregularidades em ações do BTG Pactual e em licitações envolvendo a empresa Zona Azul.
A Rede Globo denunciou em reportagem no 31 de agosto a existência de um grupo de funcionários da prefeitura do Rio de Janeiro liderado por um assessor do prefeito Marcelo Crivella para impedir jornalistas de realizar coberturas sobre o sistema de saúde na capital fluminense.
Em decisão liminar expedida em 4 de setembro, a juíza de 1ª instância Cristina Feijó, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proibiu a veiculação de documentos relacionados a investigações contra o senador Flávio Bolsonaro pela TV Globo.
Em 29 de setembro o Ministro da Economia, Paulo Guedes, negou acesso a documentos que embasam a Reforma Administrativa em trâmite no Congresso Nacional sob a justificativa de que eram "documentos preparatórios" e que só seriam divulgados mediante aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Em outubro, o repórter Pedro Zambarda, do Diário do Centro do Mundo (DCM), foi ameaçado de morte após publicar uma reportagem sobre crimes de ódio na Internet envolvendo Leonardo Antonio Corona Ramos, ex-assessor do deputado estadual Conte Lopes (PP-SP).
Em 6 de outubro entidades da sociedade civil, entre elas a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Artigo 19, denunciaram durante o 177º período de audiências da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) violações à liberdade de expressão e de imprensa e ao acesso à informação no Brasil, incluindo intimidação, difamação, agressões verbais e outros ataques a comunicadores e comunicadoras, além de campanhas de desinformação por parte do Governo Federal.
Em 14 de outubro, o candidato a prefeitura de Anápolis, Valeriano Abreu (PSL), agrediu o jornalista Weber Witt durante entrevista para a rádio 96 FM, de Anápolis, Goiás. O motivo da agressão, segundo Witt, teria sido uma pergunta feita durante a entrevista.
Em 19 de outubro, os jornalistas do Grupo Globo Ana Thaís Matos, Rodrigo Capelo e Carlos Cereto, do SporTV, tiveram seus números de telefones pessoais vazados em grupos de WhatsApp, e a jornalista Marília Ruiz, blogueira do UOL Esporte e comentarista da Band, recebeu ameaças, porque divulgaram que Robinho não seria contratado pelo Santos por ter sido condenado por estupro na Itália. Os ataques partiram de torcedores santistas favoráveis à contratação.
Em 20 de outubro, dois jornalistas da TV Liberal, afiliada da Rede Globo no estado da Pará, foram mantidos em cárcere privado por membros de uma igreja evangélica denominada Assembleia de Deus, na cidade de Belém, enquanto filmavam uma reportagem sobre as consequências de uma enchente no local.
Em 21 de outubro, a Abraji divugou os resultados de um monitoramento sobre casos de ataque à imprensa em que informa que os discursos estigmatizantes, feitos por autoridades públicas contra jornalistas, cresceram 73%.
O Projeto de Lei (PL) 2.874/2020 proposto pelo senador Weverton Rocha Marques de Sousa (PDT-MA) propõe agravar a pena ao crime de lesão corporal cometido contra profissionais de imprensa no exercício da sua profissão ou em razão dela, sendo que o agravamento da punição valerá também para agressões a familiares dos jornalistas; que este PL altera o Decreto Lei nº 2848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
A menos de um mês das eleições municipais previstas para 15.nov.2020, a equipe do projeto Ctrl+X encontrou 458 candidatos a prefeito, vice-prefeito ou vereador, que apresentaram - enquanto exerciam mandatos eletivos - ao menos um processo de retirada de conteúdo. Somadas todas as ações, a pesquisa levantou 732 litígios judiciais - mais de 200 processos foram movidos contra veículos jornalísticos.