El Salvador

Aa
Relatório para a Reunião de Meio do Ano
19-21 de abril
$.-
O governo de Nayib Bukele instaurou um cerco legal para sufocar a liberdade de expressão e de imprensa. São comuns as ameaças, descréditos e discursos de ódio contra os jornalistas e a mídia independente. Várias reformas penais, uma lei mordaça, e a vigilância e a perseguição com o software Pegasus e outros recursos tecnológicos são parte desse arsenal.

Bukele e seus funcionários desqualificam as informações que afetam sua imagem. Um funcionário de alto escalão ameaçou mover ações judiciais para obrigar jornalistas a romper o sigilo profissional e revelar suas fontes.

Com a guerra contra as gangues e a declaração do estado de exceção, os jornalistas estão expostos à censura penal, o que resulta em casos de autocensura, considerando que novas disposições fazem com que seja crime fazer reportagens sobre gangues.

Em 5 de abril, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei mordaça, com texto ambíguo que permite que as autoridades tenham mais poder para criminalizar a cobertura de gangues. A reforma prevê até 15 anos de prisão para quem publicar conteúdos que, na opinião de uma autoridade, possam ser considerados "mensagens das gangues" ou possam "causar pânico" na população.

As novas disposições estabelecem que "a mesma sanção será aplicada àqueles que, utilizando tecnologias de comunicação e informação, rádio, televisão, mídia escrita ou digital, reproduzirem e transmitirem mensagens ou comunicados provenientes ou supostamente provenientes dos referidos grupos delinquentes, o que poderia gerar ansiedade e pânico entre a população em geral".

O assessor jurídico da presidência, Conan Castro, garantiu que o objetivo é "cuidar da saúde mental das pessoas afetadas pela ansiedade gerada pelos diferentes meios de comunicação".

Desde o ano passado, os poderes Legislativo e Judiciário estão alinhados com o Executivo, o que tem resultado em irregularidades e abusos. Os juízes que emitiram decisões independentes foram rebaixados ou destituídos de seus cargos.

Repórteres de diferentes veículos de comunicação foram detidos pela polícia e agredidos fisicamente.

O vice-presidente Félix Ulloa, os deputados Romeo Auerbach e Carlos Hermann Bruch e setores afins atacaram nas redes sociais a mídia independente e os jornalistas que noticiaram o pico dos homicídios, que deixou mais de 70 mortos em dois dias e levou o governo Bukele a decretar o estado de exceção.

A Associação de Jornalistas de El Salvador (APES) denunciou que, durante a sessão plenária da Assembleia para aprovar o estado de exceção, o deputado Auerbach se referiu aos jornalistas independentes como "chiquiperiodistas" e "dundos" (tolos) e disse que eles estavam "muito felizes porque havia tantos mortos".
Um fotojornalista do El Diario de Hoy foi agredido por soldados de um posto de controle em um bairro no leste de San Salvador, apesar de ter se identificado como membro da imprensa. Os soldados forçaram o repórter a se ajoelhar, pegaram sua câmera e apagaram as fotos que ele havia tirado.

Bukele chamou o antropólogo Juan Martínez d'Aubuisson, que escreve para o jornal El Faro, de "lixo, sobrinho de um genocida", referindo-se ao segmento de uma entrevista sobre gangues que foi tirado de contexto.

"Presidente Bukele, me parece lamentável a forma como o senhor se refere ao meu trabalho. Eu o convido a ver a entrevista completa e a consultar os trabalhos acadêmicos e jornalísticos que venho fazendo há mais de uma década", respondeu Martínez, que decidiu abandonar o país pela pressão e animosidade gerada pelo partido no poder.

No Twitter, Bukele tentou associar a mídia e outras organizações às gangues e à violência, dizendo que "uma consequência de toda essa gente, ONGs, a mídia, partidos políticos e até governos 'amigos' defenderem os bandidos... É que agora o povo salvadorenho sabe que esteve por trás do derramamento de sangue de seus familiares e amigos".

Fazer a "apologia do crime" e "colaborar com gangues" são algumas das acusações que representantes do governo salvadorenho fazem contra jornalistas do jornal digital El Faro.

A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) advertiu que as recentes reformas que penalizam com até 15 anos de prisão quem difundir mensagens alusivas a gangues por qualquer meio de comunicação ou plataforma digital violam a liberdade de expressão. A Relatoria alertou que, da maneira como foram redigidas as duas emendas elas "geram riscos de criminalização severa sobre atividades legítimas na sociedade e de particular importância para a vida democrática como são o jornalismo, a defesa dos direitos humanos, a atividade parlamentar, a pesquisa acadêmica, entre outras".

O governo de Bukele negou que a livre expressão esteja sendo violada e diz que uma prova disso é que "a mídia continuou fazendo suas publicações em várias plataformas e nas redes sociais sobre as gangues e não houve perseguição alguma".

No entanto, a Relatoria disse "que a amplitude e a indefinição dos termos empregados (nas reformas) para descrever as condutas proibidas entram em conflito com as normas internacionais que exigem que todo limite à liberdade de expressão esteja previsto de maneira expressa, taxativa e clara na lei. A ambiguidade mencionada do texto dificulta distinguir entre as expressões passíveis de punição e as que não são."

A APES denunciou que funcionários e pessoas próximas ao regime ameaçam denunciar jornalistas ao Ministério Público por exporem procedimentos obscuros do regime, como a libertação do membro de uma gangue. Depois da libertação, um funcionário do governo disse que apresentaria denúncia ao Ministério Público contra o autor da matéria por ter "repetido mensagens relacionadas às gangues para assustar a população, embora o artigo 345 do Código Penal o proíba."

A organização humanitária Cristosal e a APES advertiram para o perigo de que os jornalistas sejam acusados por violar a lei mordaça e sentenciados com até 15 anos de prisão.

Contas das redes sociais partidárias do governo acusaram jornalistas do El Faro, La Prensa Gráfica e El Diario de Hoy de terem ligações com membros de gangues e de trabalharem como "postos" (vigias).

O deputado Bruch, partidário do governo, atacou o jornalista mexicano Diego Fonseca, colunista do The New York Times, por questionar os tuítes do presidente Bukele e seus planos de segurança.

O jornalista Oscar Martínez, do El Faro, declarou ter recebido ameaças contra ele e sua família nas redes sociais que o acusavam de financiar gangues.

O relatório "Mulheres Jornalistas e Liberdade de Imprensa em El Salvador", da Fundação para o Devido Processo (DLPF), revelou que houve aumento da violência e da discriminação contra mulheres jornalistas nesse governo".

A jornalista Carmen Rodríguez, do La Prensa Gráfica, correspondente estrangeira do jornal, informou que recebeu mensagens ameaçadoras nas redes sociais dizendo-lhe que não voltasse ao país. Ela denunciou que fotografias pessoais foram usadas fora de contexto e expostas junto com mensagens degradantes e humilhantes.
A jornalista Mariana Belloso, de "La Semana con Mariana", disse que não pode sequer contar com a Procuradoria para Defesa dos Direitos Humanos para denunciar as agressões.

Uma investigação realizada pelas organizações internacionais Access Now, Front Line Defenders, The Citizen Lab, Amnesty International, Fundación Acceso e SocialTIC, confirmou que 31 jornalistas foram ilegalmente espionados utilizando-se o software Pegasus, entre eles jornalistas do El Faro, GatoEncerrado, El Diario de Hoy, La Prensa Gráfica, Disruptiva e jornalistas independentes.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou uma audiência em 16 de março na qual o governo afirmou não ter ligação com a espionagem e que "sob nenhuma circunstância" exerce perseguição contra pessoas ou entidades críticas ao governo.

A CIDH respondeu que a vigilância ilegal com o Pegasus representa um sério ataque à democracia e pediu ao governo que investigasse o caso urgentemente. O governo insistiu que está conduzindo uma "investigação completa", mas as organizações que fizeram a denúncia disseram que não foram oficialmente consultadas.

A Assembleia Legislativa, dominada pelo partido de Bukele, Nuevas Ideas, aprovou no início de fevereiro uma reforma que autoriza "agentes digitais infiltrados" a capturar informações pessoais e públicas armazenadas em qualquer dispositivo eletrônico quando estiverem investigando crimes cibernéticos .
A reforma prevê que o Ministério Público poderá ordenar por escrito à polícia "a relação (sic) de operações digitais disfarçadas que forem necessárias", no caso de investigações de crimes sob a Lei Especial contra Crimes Cibernéticos e em "outras leis penais especiais".

De acordo com esta reforma, os "agentes digitais infiltrados" poderão entrar em telefones celulares, computadores e qualquer outro dispositivo que armazene informações sobre a vida privada e profissional dos cidadãos. Para isso, poderão utilizar legalmente softwares de espionagem como o Pegasus.

Em meados de 2021, o ministro da Segurança, Gustavo Villatoro, disse: "estamos monitorando muitos jornalistas que não estão mais fazendo esse tipo de comunicação mórbida, mas com uma clara intenção de gerar desculpas".

Posteriormente, o assessor jurídico da presidência, Javier Argueta, ameaçou forçar os jornalistas a romper o sigilo profissional para revelar suas fontes.

A APES denunciou que além da violência física e da espionagem cibernética, o governo impõe sigilo sobre tudo que se relaciona ao trabalho administrativo e operacional da Agência de Inteligência do Estado, às compras e contratações durante o primeiro ano da pandemia, e a tudo que se relacione à implementação das políticas de saúde e segurança.

Essa tendência e o discurso de ódio contra os jornalistas vêm do próprio presidente Bukele. Semanas atrás ele descreveu como "estupidez" a informação de que os membros da diáspora salvadorenha nos EUA evitam emitir opiniões críticas ou questionar decisões contra seu governo por medo de serem detidos quando visitarem o país.

O vice-presidente Ulloa atacou a revista GatoEncerrado na discussão sobre o sigilo no processo de elaboração da nova constituição. Ulloa os chamou de "ativistas disfarçados de jornalistas". Sua equipe também os chamou de "pseudojornalistas".

O La Prensa Gráfica foi multado em 23.827 dólares pelo Ministério do Trabalho. O ministério argumentou que a multa era resultado de supostas questões trabalhistas, mas a sanção aconteceu depois que o jornal publicou que o ministério estaria envolvido em um caso contra membros de gangues pela cobrança ilegal de bônus de 300 dólares durante a quarentena forçada de 2020.

Compartilhar

0