A liberdade de expressão e de imprensa vive seu pior momento das duas últimas décadas. Agora, não são só as instituições que sempre foram, tradicionalmente, as responsáveis pelas agressões, como o Congresso e o poder Judiciário, mas elas vêm, sobretudo, do poder Executivo. Além disso, a Procuradoria-Geral abriu investigações contra jornalistas pelo simples fato de fazerem seu trabalho de informar, e perseguiu jornalistas e cidadãos pelas posições políticas que assumiram durante as eleições presidenciais de 2021.
A plataforma Vigilantes, liderada pelo Transparência e composta por organizações da sociedade civil, como o Conselho de Imprensa Peruano (CPP), para monitorar o desenvolvimento do Estado de Direito e da democracia no governo de Pedro Castillo, relatou que dos sete pontos que utiliza para avaliar a liberdade de expressão e de imprensa, quatro deles registram um alerta bastante grave. São eles: garantir e fortalecer a independência do Instituto Nacional de Rádio e Televisão do Peru; garantir a transparência nos processos de contratação de publicidade oficial; não limitar, restringir ou proibir jornalistas de procurar ou receber informações e de divulgá-las livremente; e não utilizar a via judicial nem o poder político, direta ou indiretamente, para intimidar/perseguir jornalistas e meios de comunicação que sejam críticos ao governo.
O CPP afirma que Castillo é o presidente menos comprometido com a liberdade de expressão desde Alberto Fujimori.
A polícia funciona como um escudo para o presidente quando ele participa de eventos públicos, impedindo que os jornalistas se aproximem dele. Em várias ocasiões, os policiais atacaram fisicamente os repórteres.
Há grupos de cidadãos violentos que insultam e atacam jornalistas, autoridades e figuras públicas por suas publicações, suas posições ou seu trabalho. O ativismo político e digital que busca censurar opiniões dissidentes, principalmente por meio de redes sociais, também se transformou numa frente de agressão contra a liberdade de expressão.
O Poder Executivo é a instituição que mais agride, retórica e fisicamente, os jornalistas, especialmente aqueles que investigam supostos atos de corrupção no governo.
Em um evento realizado na região de Huancavelica em novembro, o presidente Castillo ameaçou deixar de contratar publicidade oficial nos meios de comunicação privados porque eles, a seu ver, "distorcem a realidade, para aqueles que não querem ver o povo, para aqueles que querem fazer outra coisa". Por lei, a publicidade oficial é estabelecida de acordo com normas técnicas.
Em fevereiro, um grupo de policiais impediu que jornalistas se aproximassem do presidente para lhe fazer perguntas em um evento realizado em San Juan de Lurigancho, Lima.
Uma funcionária da presidência do Conselho de Ministros disse em fevereiro que o primeiro-ministro Aníbal Torres teria tentado impedir que a publicidade oficial para uma campanha de educação fosse concedida a um grupo de mídia local de oposição.
Durante um fórum do qual o presidente participou em fevereiro, a equipe de segurança da presidência bloqueou as portas do local para impedir a entrada da imprensa. Os jornalistas ficaram trancados.
Em março, o jornalista César Hildebrandt revelou que o presidente Castillo havia falado com ele sobre seu interesse em ter "uma presença importante" no Canal 7, apesar de o presidente não poder propor ou nomear jornalistas nem coberturas no canal estatal.
O jornalista Enrique Chávez, do Canal 7 (estatal), foi demitido sem justa causa. Ao deixar o cargo, ele mencionou interferências políticas, embora os dirigentes do canal tenham negado tal fato.
Em abril, após protestos contra o governo Castillo, o primeiro-ministro Aníbal Torres disse que o jornal El Comercio era "golpista" e que o Peru tem uma imprensa que "rouba a verdade" e que "desinforma constantemente".
Em abril, o poder Executivo apresentou um projeto de lei para emendar o Artigo 61 da Constituição para, entre outras coisas, proibir a propriedade cruzada dos meios de comunicação.
As agressões do poder Legislativo continuam, porém com menos virulência do que nos períodos anteriores. O Congresso dissolvido (2016-2019) e o que o sucedeu (2020-2021) foram uma fonte constante de agressão, mas o atual não tem a retórica nem as iniciativas contra liberdade de imprensa.
Em dezembro, a deputada do Podemos Peru, María Teresa Cabrera Vega, apresentou um projeto de lei para modificar o artigo 132 do Código Penal para estender a atual pena de prisão por difamação - de um a três anos - para entre quatro e seis anos se o crime for cometido "com o objetivo de obter qualquer benefício ou lucro". Assim, a pena de prisão seria alterada, passando de sentença de pena de prisão suspensa para a prisão propriamente dita.
Um parecer aprovado pela Comissão de Justiça do Congresso em fevereiro determina que os jornalistas que revelarem a identidade ou divulgarem as declarações de colaboradores da justiça e de promotores, juízes e promotores públicos serão punidos com penas de quatro a seis anos de prisão. Se a pessoa que divulgar as informações for um funcionário público, a pena será de cinco a sete anos de prisão, mais a remoção do cargo.
Nos últimos meses, a Procuradoria-Geral abriu investigações contra jornalistas e cidadãos por fazerem reportagens sobre os casos Lava Jato e Sodalicio e por suas posições nas eleições presidenciais de 2021.
Em novembro, o Ministério Público abriu investigação contra o jornalista Ernesto Cabral, do Ojo-Público, por suposta divulgação indevida. Cabral revelou que Martín Belaunde Lossio, que está sendo investigado no caso Lava Jato por lavagem de dinheiro e associação ilícita, foi um colaborador eficaz da justiça, e o jornalista revelou uma ligação irregular entre o suspeito e dois promotores de justiça. O Ministério Público solicitou a suspensão do sigilo das comunicações do jornalista, o que viola o direito dos jornalistas à confidencialidade e ao anonimato de suas fontes.
Em 8 de janeiro um grupo de promotores e policiais invadiu a casa do jornalista Pedro Salinas, coautor do livro Mitad monjes, mitad soldados (Metade monges, metade soldados, em tradução literal) sobre os abusos cometidos pelo grupo religioso Sodalicio de Vida Cristiana. Eles confiscaram seu telefone, o telefone de sua filha menor e também tentaram confiscar seu computador.
Em março, o Ministério Público abriu uma investigação envolvendo mais de 20 pessoas, inclusive Mario Vargas Llosa, Fernando Rospigliosi e até mesmo personalidades do mundo dos negócios, para levantar hipóteses e dar opiniões sobre possíveis fraudes eleitorais no segundo turno das eleições de 2021, o que, como já foi demonstrado, não ocorreu.
Grupos de cidadãos violentos se tornaram uma das principais formas de agressão a jornalistas. Antigamente, a perseguição se fazia por meio de ações judiciais por difamação, mas nos últimos seis meses houve um aumento da perseguição e das agressões a jornalistas e figuras públicas por parte dos cidadãos. Esses ataques aconteceram em frente a meios de comunicação, casas e livrarias. Embora muitos desses cidadãos violentos tenham sido identificados, nem o Ministério Público nem o Ministério do Interior realizaram operações para deter os ataques ou levar os culpados à justiça.
Um desses atos de violência ocorreu em novembro, quando grupos aliados à ultradireita e ao Fujimorismo ameaçaram e agrediram jornalistas e políticos. A chamada Legião dos Patriotas do Peru, liderada pelo tenente-coronel aposentado do exército peruano Luis Mendoza Willis, anunciou represálias e ameaças contra jornalistas do La República por reportagens sobre sua organização. O grupo La Resistencia, por meio de um de seus líderes, Juan José Maelo, ameaçou um jornalista da revista Hildebrandt en sus trece, por suas publicações sobre a organização.
Outros acontecimentos relevantes:
Em dezembro, um funcionário da prefeitura de Lima impediu que o jornalista Iván Escudero, da Exitosa Noticias, perguntasse ao prefeito de Lima, Jorge Muñoz, por que a prefeitura não havia garantido o cumprimento de um compromisso assumido por uma empresa em 2017 de derrubar um armazém clandestino, onde ocorreu um incêndio no final do ano passado.
Denis Flores Díaz, jornalista do programa "Amazonía informada", foi condenado em primeira instância por difamar Javier Cárdenas Guevara, diretor da Unidade de Gestão da Educação Local (UGEL) de Nauta, em Loreto. Foi condenado a pena de prisão suspensa de um ano e a pagar S/. 5.000 em danos civis.
Em novembro, o político e empresário César Acuña solicitou um embargo contra os jornalistas Christopher Acosta e Jerônimo Pimentel e a editora que este último dirige, Penguin Random House, por supostas frases difamatórias que aparecem no livro Plata como cancha, um perfil de Acuña escrito por Acosta. Este pedido é dado como garantia para uma ação por difamação na qual o político e o empresário está pedindo uma indenização de S/.100 milhões. Em janeiro, Acosta, Pimentel e a Penguin Random House foram condenados a uma pena de prisão suspensa de dois anos e condenados a pagar danos civis de S/. 400.000 por difamação. Segundo o juiz no caso, Raúl Rodolfo Jesús Vega, as citações utilizadas pela Acosta não foram corroboradas por "fontes confiáveis".
Sigridt Greffa, jornalista da La Voz Ucayalina, foi ameaçada por Eder Zagaceta Barbarán, advogado de Néstor Rodríguez Acosta, que foi acusado de assassinar sua irmã.
Membros dos grupos de direita La Resistencia, La Insurgencia e Los Combatientes protestaram violentamente em frente à redação do IDL-Reporteros. Eles insultaram seu editor, o jornalista Gustavo Gorriti. O IDL-Reporteros havia investigado casos de corrupção relacionados a partidos políticos de direita.
Em fevereiro, o dono da Nova FM e Cadena Sur, de Ica, informou que pessoas desconhecidas deixaram uma ameaça escrita na porta de seu escritório: "Gastón Medina você vai morrer", acompanhada de uma bala. Os dois meios de comunicação fazem críticas à administração do governador de Ica, Javier Gallegos e tiveram suas instalações revistadas pelo Ministério Público no final do ano passado.
Em março, um grupo de apoiadores do governo agrediu fisicamente pelo menos cinco jornalistas de vários meios de comunicação enquanto faziam a cobertura, do lado de fora do Congresso, do pedido de voto de confiança. Os repórteres agredidos trabalham para o La República, Caretas, Diario Uno e Latina. O cinegrafista do Latina teve até seu equipamento de trabalho danificado.
O jornalista Beto Ortiz foi condenado pelo crime de difamação a um ano e quatro meses de prisão suspensa e a uma reparação civil de S/. 50.000. Ortiz apresentou em seu programa uma reportagem na qual alegava que o ex-vice-ministro de Promoção do Emprego, Pedro Castilla, estava sendo acusado de matar uma mulher, embora o funcionário tivesse sido absolvido em duas instâncias.
Entre 4, 5 e 6 de abril, manifestantes violentos na região de Ica ameaçaram, assediaram e agrediram fisicamente jornalistas da América TV, Canal N, La República, ATV, Dunas TV, Canal 13, Panamericana, TV Perú e Latina, que estavam cobrindo os eventos. Alguns deles tiveram seus pertences pessoais e suas ferramentas de trabalho roubados. Outros tiveram que buscar proteção em lojas e hotéis da região. Os manifestantes tentavam impedir que os jornalistas registrassem os atos de vandalismo que mantiveram a rodovia Panamericana Sur bloqueada.
Em 5 de abril, durante uma manifestação pacífica dos cidadãos no centro de Lima em repúdio ao toque de recolher imposto pelo governo, uma multidão atacou jornalistas que faziam a cobertura dos eventos. "Um granizo de pedras começou a cair", disse a jornalista do La República, Mary Luz Aranda, que foi agredida no braço e teve que ser levada a uma clínica.
Os assassinatos de Melissa Alfaro, Hugo Bustíos e Jaime Ayala continuam impunes. Mais de trinta anos após os crimes, as famílias desses jornalistas não obtiveram justiça. No caso de Ayala, um juízo oral foi iniciado recentemente.
Trinta anos após o assassinato da jornalista Melissa Alfaro, chefe de redação da revista Cambio, o sistema judiciário não determinou o culpado de sua morte, embora as investigações apontem o Exército peruano como responsável pelo explosivo que matou a jornalista. O caso passou por uma anistia, um processo perdido e, devido à pandemia, um atraso do juízo oral que, no momento, não tem data de início estabelecida.
Em março, teve início o juízo oral de ex-oficiais da Marinha pelo desaparecimento forçado do jornalista Jaime Ayala. Entre eles estão Alberto Rivera Valdeavellano e Augusto Gabilondo García del Barco. Até o momento do fechamento deste relatório, previa-se realização de audiência de julgamento em breve.