Durante esse período, pode-se afirmar que o jornalismo independente deixou de existir no país, pois o governo intensificou a repressão ao trabalho dos jornalistas e aumentou a censura, bloqueando e fechando meios de comunicação digital e estações de rádio.
A imprensa escrita praticamente desapareceu há muito tempo. É impossível comprar pape-jornal. Não existe gráfica que queira ou possa produzir uma publicação com notícias que sejam contrárias aos interesses do regime.
O rádio e a televisão independentes estão sujeitos à Ley Resorte (Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão), uma lei discricionária e punitiva que concede poderes ilimitados ao órgão regulador para impor censura absoluta.
Os meios de comunicação independentes que conseguiram migrar para a internet são bloqueados sob as instruções do órgão regulador por meio das companhias telefônicas.
Em um país onde ocorrem mais nove mil protestos por ano, os jornalistas enfrentam grandes riscos para cobrir esses eventos, seja pela violência das autoridades, a ameaça de prisão ou o confisco de seus instrumentos de trabalho.
Nos últimos seis meses, o regime fechou 41 estações de rádio em todo o país, e nem todas eram estações de notícias. Qualquer bobagem é uma desculpa para cancelar as concessões, que são transferidas para pessoas ligadas ao governo.
O bloqueio de sites de notícias é feito em grande escala. Segundo a organização VE sin Filtro, 59 websites de 68 domínios foram bloqueados desde 2021, e entre eles estão 45 meios de comunicação, oito portais com conteúdo político, quatro com conteúdo multimídia e três de organizações de direitos humanos. Entre os meios de comunicação internacionais bloqueados estão a CNN, Infobae e NTN24.
A Conatel, o órgão regulador, bloqueia os sites por meio das três companhias telefônicas que são provedoras de acesso à internet: CANTV, companhia telefônica estatal; Digitel, empresa nacional privada de propriedade dos herdeiros de Oswaldo Cisneros, e a multinacional espanhola Telefónica.
As empresas alegam que cumprem a legislação em vigor, embora a Ley Resorte seja inconstitucional. O caso da Telefónica é mais grave, porque as empresas multinacionais europeias estão sujeitas a códigos de conduta que estabelecem que uma lei nacional não pode estar acima da legislação europeia sobre direitos humanos.
Jesús Faría, deputado partidário do governo, admitiu na Globovisión que o governo bloqueia os meios digitais, alegando que o mesmo método é utilizado na Europa para combater as mensagens de ódio.
O relatório "Conexión desigual", publicado em abril pelo Instituto Prensa y Sociedad de Venezuela (IPYS Venezuela), destacou os retrocessos no acesso à internet como consequência da deterioração da infraestrutura, falta de manutenção, congelamento das tarifas e falta de estímulo do governo para investimentos. De acordo com um relatório de junho da Telefónica, matriz da Movistar, 20,50% dos acessos ou linhas foram interceptados no país durante 2021, enquanto apenas 1% dos acessos foram interceptados em outros países onde a empresa atua, e 67,9% foram a pedido do governo. Ou seja, sete vezes mais do que em 2016.
Outro fato relevante neste período é o fechamento de estações de rádio em retaliação à sua linha editorial, sob o pretexto de não terem uma licença de operação.
Em 29 de abril, a Conatel tirou do ar a estação de rádio Éxitos 90,5 FM, em San Juan de los Morros, estado de Guárico, e confiscou seus equipamentos. A comissão alegou que a estação não possuía concessão e confiscou seus equipamentos de transmissão e de operação.
Eles confiscaram também os equipamentos da Candela 92.9 FM em Cojedes, e no dia 15 de julho a Conatel fechou outras três estações de rádio em San Carlos, Cojedes: Moda 105.1FM, Nex 100.1FM e Hits 92.5FM, porque não tinham licença. Dias depois, fechou a Candela 92.9FM, Impacto 91.7FM e Luna 95.5FM.
Em 29 de agosto a Pentagrama 107.3FM, em Ciudad Guayana, estado de Bolívar, saiu do ar depois que criminosos saquearam a estação e roubaram 100 metros de cabo e dois transmissores.
Em 7 de setembro, a Conatel, no estado de Zulia, ordenou o fechamento de nove estações de rádio em Maracaibo e San Francisco, citando uma "ordem do ministro". As estações que foram fechadas são: Sensacional Estéreo 88.5 FM, Zulia Mía 91.3 FM, KP 92.9 FM, Refugio 94.3 FM, Palabra 97.3 FM, High Class 98.1 FM, Destino 98.3 FM, Radiolandia 103.3 FM e Río Stereo 107.7. Dias depois, ordenou o fechamento em Ciudad Ojeda, Zulia, de outras duas estações de rádio: Suave 102.7 FM e Candela 88.3 FM.
Em 14 de setembro, uma funcionária do governo fechou duas estações em Sucre, Café 100.4 FM e Rádio NVH 102.1 FM. Outras estações de rádio receberam avisos de fechamento, entre elas Centeno 107,9 FM, Cool 101,3 FM, Mágica 95,1 FM e Boom 89,7 FM.
Em 20 de setembro, a Conatel ordenou o fechamento da Suprema 93,5 FM e da Exitosa 92,7 FM de Cabimas, Zulia, por falta de documentação.
Em 3 de outubro, em Portuguesa, a Conatel forçou a Sonora 107.7 FM a tirar do ar o programa de opinião "Frente al Paredón", um programa do jornalista Moisés Reyes que era transmitido há 42 anos.
Em 7 de outubro, a Conatel iniciou um processo de revisão de documentos para a Súper 101,5 FM, com sede em Ocumare del Tuy, Miranda. A diretoria da estação decidiu desligar seus equipamentos para evitar sanções e denunciou que havia solicitado às autoridades uma licença de operação sete anos atrás.
Em 13 de outubro, a Conatel fechou as estações de rádio cristãs Renuevo 89,5 FM, Celestial 96,9 FM, Jerusalén Estéreo 98,5 FM e Gilgal Estéreo 102,7 FM, em Cabimas, Zulia. As licenças haviam sido concedidas em 2004.
Outros acontecimentos de destaque neste período:
Em 2 de maio, o 3º tribunal de primeira instância com jurisdição sobre o terrorismo ordenou o adiamento da primeira audiência de julgamento na ação contra o jornalista Roland Carreño, após 18 meses de prisão.
Em 30 de maio, funcionários do gabinete do prefeito de El Tigre iniciaram uma campanha de difamação com informações falsas contra o portal de notícias El Vistazo, de Anzoátegui.
Em 27 de junho, Dia dos Jornalistas, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP) revelou que os principais obstáculos ao trabalho jornalístico são a falta de acesso à informação, a falta de fontes de trabalho causada pelo desaparecimento da mídia e os baixos salários. Destacou também a censura e afirmou que os jornalistas são intimidados, ameaçados, agredidos e detidos enquanto fazem a cobertura jornalística.
A chefe do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, denunciou em 29 de junho a estigmatização e criminalização dos ativistas e o uso de leis "antiterroristas" contra jornalistas. No Conselho de Direitos Humanos, Bachelet alertou para as restrições ao espaço cívico e o uso da mídia estatal para desacreditar as vozes dissidentes. Seu relatório documentou 84 casos de assédio, censura e confisco de equipamentos de trabalho de jornalistas e veículos de comunicação no último ano.
Em 1º de julho o canal NTN24 reduziu suas operações no país a apenas dois repórteres depois de sofrer constante cerco do governo.
Em 2 de julho teve início uma campanha de assédio e difamação nas redes sociais contra o meio nativo digital Portuguesa Reporta e o portal Vamos Acarigua.
Em 28 de julho, a polícia de Portuguesa, em Araure, obrigou o jornalista Nayari González, da Portuguesa Televisión, a apagar material sobre o despejo de comerciantes informais próximo ao hospital Casal Ramos.
Em 1º de agosto o prefeito do município de Campo Elías em Mérida, Simón Figueroa, ligou para o programa "Buenos Días", transmitido pela Ritmo Stereo 93.5FM, para acusar o jornalista Pablo Villa de pagar pessoas para denunciar os problemas sociais relatados no programa. Ele também o acusou de fazer uma campanha para desacreditá-lo e prejudicar os prefeitos, também chavistas, Jesús Araque, do município de Libertador, e Aron Varela, de Sucre.
Em 9 de agosto, a jornalista Yelitza Figueroa, correspondente do Crónica Uno de Lara, foi intimidada enquanto cobria um protesto de lojistas no Centro de Economia Popular em Barquisimeto. Administradoras do centro fotografaram suas credenciais.
Em 12 de agosto, o Colégio Nacional de Jornalistas, uma escola e cidadãos protestaram publicamente em San Carlos contra o fechamento dos veículos de comunicação e apresentaram uma queixa à Defensoria Pública.
Em 22 de agosto, militares e funcionários da Corpoelec em Barquisimeto, estado de Lara, fotografaram e tentaram impedir que jornalistas e repórteres do Crónica Uno, La Prensa de Lara e El Impulso que cobriam uma reunião de aposentados realizassem seu trabalho.
Em 31 de agosto, o correspondente da Globovision em Mérida, Elvis Rivas, foi atacado nas redes sociais pelo presidente da Teleféricos de Venezuela, Víctor Cruz, que o acusou de "palangrista" (jornalista que recebe pagamentos ilícitos) por causa de uma matéria sobre a reabertura do teleférico.
Em 8 de setembro, foi arquivado o caso do jornalista Elides Rojas. A investigação por suposto incitamento ao ódio havia sido suspensa por três anos, e o jornalista havia sido submetido a uma ação criminal e proibido de sair do país. O arquivamento do processo continua sendo uma violação do devido processo e representa um risco, já que a lei estabelece a possibilidade de que seja reaberto para investigação.
Em 25 de setembro, durante a reabertura da fronteira entre Venezuela e Colômbia, o jornalista Freddy Ramírez e um meio de comunicação dos EUA foram impedidos de fazer filmagens na ponte Simón Bolívar, do lado venezuelano.
Em 29 de setembro, o portal de notícias AlbertoNews informou que seu website tinha sido alvo de um DDos, ou ataque de negação de serviço, o que tem acontecido frequentemente nos meios de comunicação independentes que fazem críticas ao governo.
O Tal Cual foi vítima de um ataque semelhante e detectou tráfego incomum vindo de endereços IP controlados pela Cantv, empresa estatal de telecomunicações. Às restrições de 2022 somam-se os bloqueios que desde fevereiro impediram o acesso ao diário El Nacional e aos meios digitais nativos Efecto Cocuyo, Crónica Uno, EVTV Miami e TV Venezuela Noticias. São mais de 50 meios de comunicação bloqueados, entre eles veículos internacionais como CNN, Infobae e NTN24.
Em 8 de outubro, a Conatel iniciou um procedimento administrativo contra a estação de televisão regional Promar TV, do estado de Lara, por referir-se a Nicolás Maduro como "presidente interino da Venezuela".
Em 10 de outubro, o ministro do Interior e Justiça A/J Remigio Ceballos disse que nenhum jornalista de nenhuma empresa privada teve acesso a uma área onde ocorreu um desastre natural porque "o canal estatal está informando sobre a situação".