Impunidade Brasil

Aa

78 Assembleia Geral

27 – 30 de outubro de 2022

Madri, Espanha

$.-
CONSIDERANDO que em 21 de julho de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Amarildo da Costa Oliveira, Oseney da Costa de Oliveira e Jefferson da Silva Lima por duplo homicídio qualificado por motivo fútil e ocultação dos corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do The Guardian; que Pereira e Phillips foram assassinados em 5 de junho de 2022, quando viajavam de barco pela região do Vale do Javari (AM), próxima à fronteira brasileira com o Peru e a Colômbia, onde se localiza a Terra Indígena Vale do Javari

CONSIDERANDO que cinco pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil, e, destas, quatro foram denunciadas pelo Ministério Público do Ceará pelo assassinato, em 7 de fevereiro de 2022, do comunicador Givanildo Oliveira, criador da página de notícias independente Pirambu News, no Ceará; que Oliveira foi morto após divulgar em seu portal a prisão de um suspeito de homicídio; que um dos acusados foi preso e, até agosto, outros três estavam foragidos

CONSIDERANDO que a jornalista Vera Magalhães, que é apresentadora do programa Roda Viva da TV Cultura e colunista do jornal O Globo e da rádio CBN, foi alvo de ataques de Jair Bolsonaro (do Partido Liberal - PL) após ter feito uma pergunta durante o debate entre os candidatos à presidência da República realizado em 28 de agosto de 2022 e transmitido pela TV Bandeirantes; que ela perguntou sobre desinformação difundida pelo presidente contra a vacina da Covid-19; que, entre outras coisas, o presidente Jair Bolsonaro disse que ela era "uma vergonha para o jornalismo brasileiro"

CONSIDERANDO que em agosto de 2022, 11 organizações ligadas à liberdade de imprensa enviaram uma Carta Compromisso aos candidatos e candidatas à presidência da República solicitando respeito ao trabalho da imprensa e recomendando: adotar em eventos públicos, atividades de campanha e no ambiente digital um discurso público que contribua para prevenir a violência contra jornalistas e comunicadores/as; condenar publicamente qualquer forma de violência ou ataque contra jornalistas, comunicadores/as e a imprensa em geral; respeitar o sigilo da fonte e as garantias constitucionais que vedam a censura; garantir o acesso igualitário de jornalistas e comunicadores/as a dados, informações, atividades de campanha e a coletivas de imprensa, para que possam realizar a cobertura do processo eleitoral; não estimular, direta ou indiretamente, que apoiadores/as ofendam, ataquem ou agridam jornalistas, comunicadores/as e trabalhadores/as da imprensa; não utilizar processos judiciais contra jornalistas e comunicadores/as como forma de retaliação a seu exercício profissional, nem com objetivo de inibir a cobertura jornalística do processo eleitoral; não produzir, promover nem contribuir para a disseminação de conteúdos falsos e desinformativos durante o período eleitoral

CONSIDERANDO que apesar de ter assinado a Carta Compromisso de não ameaçar e ofender jornalistas, o então candidato à presidência da República Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), e Gustavo Castañon, representante do diretório nacional do mesmo partido, atacaram repórteres durante entrevistas coletivas, com palavras agressivas e insinuações difamatórias

CONSIDERANDO que em 7 de setembro de 2022, durante as cerimônias de comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, equipes de reportagem foram hostilizadas e ameaçadas por manifestantes pró-Jair Bolsonaro

CONSIDERANDO que em 13 de setembro de 2022, a jornalista Vera Magalhães foi novamente hostilizada e agredida verbalmente, desta vez pelo deputado estadual paulista Douglas Garcia (do Partido Republicanos), ao final do debate promovido por UOL, TV Cultura e Folha de S.Paulo com candidatos ao governo de São Paulo; que o deputado afirmou que Vera Magalhães "é uma vergonha para o jornalismo", reproduzindo as palavras do presidente Jair Bolsonaro no debate entre presidenciáveis de 28 de agosto de 2022

CONSIDERANDO que em 14 de setembro de 2022, a jornalista e vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em Jaguarão, no Estado do Rio Grande do Sul, Maria Fernanda Passos, do site Diário de Centro do Mundo (DCM), foi alvo de ameaças de estupro e morte depois ter comentado no site jornalístico sobre a atuação do presidente da República, Jair Bolsonaro, durante as comemorações do bicentenário da independência

CONSIDERANDO que em 19 de setembro de 2022, a colunista Nina Lemos, do portal UOL, foi atacada em posts com mensagens ofensivas e sexistas e recebeu ameaças pelo whatsapp depois de ter publicado uma coluna criticando a forma como a primeira-dama Michelle Bolsonaro havia usado as redes sociais para divulgar a maneira como se vestiu para o funeral da rainha Elizabeth II, em Londres

CONSIDERANDO que entre janeiro e setembro de 2022, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) registrou 70 ataques a mulheres jornalistas, sendo 61,4% considerados discursos estigmatizantes, para destruir a moral e a credibilidade das profissionais; que 88,4% das agressões verbais tiveram origem ou repercussão na internet, e 47,4% dos discursos estigmatizantes on-line foram publicados por atores estatais

CONSIDERANDO que segundo um relatório produzido pela rede Voces del Sur e lançado em 6 de setembro de 2022, o Brasil é campeão de agressões com viés de gênero na América Latina, com 50 ataques ao longo de 2021

CONSIDERANDO que em 19 de setembro de 2022, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas denunciou em nota pública a interpretação equivocada da Lei Eleitoral (9.504/1997), que suspendeu a publicação de informações de interesse público; que o Fórum recomendou a retomada imediata da divulgação das informações pelos portais e redes sociais da administração pública

CONSIDERANDO que em 21 de setembro de 2022, os repórteres Bruno Motta e Alexandre Perassoli, da TV Centro América, afiliada da TV Globo no Estado do Mato Grosso, foram ameaçados e agredidos pelo produtor rural Jorge Meinerz, em Campinho Verde, município de Lucas do Rio Verde, ao realizarem uma reportagem do programa Globo Rural sobre o combate a incêndios na região

CONSIDERANDO que em 22 de setembro de 2022, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Demetrius Gomes Cavalcanti determinou ao portal UOL a retirada do ar de reportagens investigativas sobre transações imobiliárias da família do presidente Jair Bolsonaro, atendendo a pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, o que abriu um grave precedente; que no dia seguinte, em 23 de setembro de 2022, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), reverteu a decisão

CONSIDERANDO que em 5 de outubro de 2022 o vereador Kleybe Morais (MDB) fez um discurso na Câmara Municipal de Goiânia, no Estado de Goiás, atacando a imprensa e, logo após, ameaçou o repórter da CBN José Bonfim

CONSIDERANDO que em 5 de outubro de 2022, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas publicou uma nota criticando a proposta de corte de 58% no orçamento do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) para 2023, enviada pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, salientando que a medida pode comprometer os direitos à saúde, ao acesso a informações e à proteção dos dados pessoais

CONSIDERANDO que apesar de o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas ter sido ampliado para incluir comunicadores, sua estrutura não atende às necessidades de proteção dos profissionais de comunicação, sendo que, desde 2018, apenas sete comunicadores foram acolhidos; que o programa não foi atualizado para agressões e ataques, e que foi enfraquecido nos últimos anos com cortes de verbas e substituições de pessoal

CONSIDERANDO que tramitam no Congresso Nacional pelo menos 15 projetos de lei prevendo a federalização de crimes contra jornalistas e o aumento das penas nos casos em que as vítimas são comunicadores ou comunicadoras no exercício da profissão, mas que não houve aprovação de leis neste sentido

CONSIDERANDO que o Projeto de Lei 2224, de 2021, em discussão no Congresso Nacional, dispõe sobre a possibilidade de órgãos públicos cobrarem para disponibilizar informações de transparência ativa ou passiva

CONSIDERANDO que o projeto Ctrl+X, da Abraji, constatou que, desde 2014, houve mais de 5.500 processos judiciais pedindo a retirada de conteúdos publicados na Internet ou em algum outro veículo de comunicação, sendo que 60% deles foram movidos por políticos, e que, em 2022, houve pelo menos oito casos de jornalistas impedidos de participação em entrevistas coletivas e eventos oficiais

CONSIDERANDO que o monitoramento feito pela Abraji em parceria com a Rede Voces del Sur, seguindo metodologia baseada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, constatou um aumento de 350% nas agressões contra comunicadores e comunicadoras entre 2019 e 2021, com 453 alertas só em 2021, sendo que em cerca de 69% dos casos havia ao menos um agente do Estado envolvido no ataque

CONSIDERANDO que ainda segundo o mesmo levantamento, de janeiro a julho de 2022, houve um aumento de 69,2% nos indicadores de agressões mais graves; que nestes meses foram registrados 291 ataques, 15, 5% mais do que no mesmo período em 2021, incluindo dois assassinatos: do jornalista brasileiro Givanildo Oliveira, do Portal Pirambu News, em Fortaleza, Ceará, e do jornalista britânico Dom Phillips, do The Guardian, assassinado junto com o indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, no Amazonas

CONSIDERANDO que há ações nos Juizados Especiais Cíveis para processar jornalistas em diversas cidades simultaneamente, inviabilizando sua defesa

CONSIDERANDO que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem sido usada para restringir o acesso de comunicadores e comunicadoras a informações de interesse público

CONSIDERANDO que foi adiado por quatro vezes o julgamento dos cinco acusados pelo assassinato do jornalista Valério Luiz, ocorrido em 5 de julho de 2012 em Goiânia, no Estado de Goiás; que a próxima data prevista para o julgamento é 7 de novembro de 2022

CONSIDERANDO que o Estado brasileiro não cumpriu a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de reabertura do processo que investiga os mandantes do assassinato do jornalista Manoel Leal de Oliveira, ocorrido em Itabuna, Bahia, em 14 de janeiro de 1998; e que desde então houve um aumento da violência contra comunicadores e comunicadoras no exercício da profissão

CONSIDERANDO que permanecem impunes os autores intelectuais dos crimes contra Aristeu Guida da Silva, assassinado em 12 de maio de 1995 no município de São Fidélis, no Estado do Rio de Janeiro; Manoel Leal de Oliveira, assassinado em janeiro de 1998 em Itabuna, Bahia; Ivan Rocha, desaparecido abril de 1991 em Teixeira de Freitas, Bahia; Reinaldo Coutinho da Silva, assassinado em 29 de agosto de 1995, em São Gonçalo, Rio de Janeiro; Edgar Lopes de Faria, assassinado em 29 de outubro de 1997 em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e José Carlos Mesquita, assassinado em 10 de março de 1998 em Ouro Preto do Oeste, Rondônia

CONSIDERANDO que o princípio 4 da Declaração de Chapultepec estabelece que "o assassinato, o terrorismo, o sequestro, a intimidação, a prisão injusta dos jornalistas, a destruição material dos meios de comunicação, qualquer tipo de violência e impunidade dos agressores afetam seriamente a liberdade de expressão e de imprensa. Estes atos devem ser investigados com prontidão e castigados severamente".

A 78ª ASSEMBLEIA GERAL DA SIP RESOLVE

Solicitar apoio para que seja efetivamente realizado o julgamento dos acusados pelo assassinato do jornalista Valério Luiz de Oliveira, sem mais postergações, sob risco de o caso ficar impune

Solicitar a punição exemplar dos assassinos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, considerando que as ameaças de morte e ataques sofridos por defensores e defensoras de direitos humanos na região tem aumentado nos últimos anos

Demandar o debate e aprovação de projetos de leis na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para ampliar as penas de crimes contra comunicadores e comunicadoras no exercício da profissão, bem como apoio da Polícia Federal para as investigações em casos em que houver envolvimento local de políticos e outras autoridades

Solicitar que seja assegurado o acesso a informações públicas, e o direito a sigilo de fontes de comunicadores e comunicadoras

Solicitar a adoção de medidas para garantir o pleno funcionamento do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas

Solicitar que sejam atendidas as demandas do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) de maior transparência e publicidade em todas as ações do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas

Solicitar a punição exemplar de autores dos crimes de ódio, misoginia, racismo, lgbtqiafobia contra comunicadores e comunicadoras, incluindo políticos no exercício do cargo

Solicitar que seja garantida a segurança para o trabalho de comunicadores e comunicadoras, conforme solicitação feita na Carta-Compromisso de 11 entidades visando às eleições para presidência e governadores, cujo segundo turno ocorre em 30 de outubro de 2022

Reforçar e apoiar as recomendações feitas por Cristina Zahar, representante da Abraji no evento preparatório à Revisão Periódica Universal (RPU) das Nações Unidas realizado em 30 de agosto de 2022 em Genebra; entre elas, a aprovação de uma Lei de Proteção a Jornalistas e Comunicadores que inclua formas de combate à violência de gênero e à violência on-line; o estabelecimento de mecanismos para as polícias e promotorias que garantam a investigação e responsabilização dos culpados por crimes contra jornalistas e comunicadores; a adoção de mecanismos legais de combate ao assédio judicial contra jornalistas; a oferta de treinamentos para o acesso à informação pública junto a funcionários públicos e tomadores de decisão; e a atualização de bancos de dados públicos para se adequarem aos parâmetros da Lei Geral de Proteção de Dados, sem restrições ao acesso à informação

Solicitar ao Estado brasileiro a atualização da Cartilha Aristeu Guida da Silva, elaborada em resposta a uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e sua ampla divulgação, principalmente entre movimentos e organizações sociais, cursos de Comunicação e Direito, e entre políticos e outras autoridades públicas, para incentivar boas práticas na relação com a imprensa, e orientar sobre ataques verbais, agressões e outros crimes contra comunicadores e comunicadoras no exercício da profissão, disponibilizando-a de forma gratuita e acessível

Solicitar que o Estado brasileiro cumpra as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos diante das situações de ameaças, ataques e assassinatos de comunicadores e comunicadoras, especialmente nos casos Manoel Leal de Oliveira e Aristeu Guida da Silva denunciadas pela SIP através do projeto Impunidade

Demandar a identificação e punição exemplar de todos os envolvidos em agressões, ameaças, ataques e assassinatos de comunicadores e comunicadoras no exercício da profissão, incluindo intermediários e autores intelectuais dos crimes.







.

Compartilhar

0