Cuba

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Nos últimos seis meses a situação da imprensa demonstra a mesma precariedade e desesperança da sociedade cubana. Os meios de comunicação do governo são utilizados como instrumentos de propaganda, reinam a censura ferrenha e a desinformação; tomam-se medidas repressivas contra os meios independentes nas quais se misturam detenções, agressões, ameaças e perseguição por grupos específicos; e os órgãos de inteligência fazem operações para bloquear e silenciar as vozes discordantes. No momento em que este relatório foi concluído, haviam sido libertados todos os jornalistas do Grupo dos 75 condenados injustamente na chamada Primavera Negra, em março de 2003. Na ocasião, foram presas 75 pessoas, entre elas jornalistas, sindicalistas e ativistas de direitos humanos, as quais foram condenadas a penas entre três e 30 anos. Algumas ficaram presas por 10 anos; a maioria, por mais de cinco. Durante o período em que estiveram presas, estas pessoas sofreram um regime de severidade penal, castigos, agressões, humilhações, má alimentação, superlotação de celas e convivência com réus comuns de alta periculosidade. Todos tiveram sua saúde gravemente afetada. Além disso, foram propositalmente colocadas em prisões afastadas dos seus locais de residência, e suas famílias sofreram represálias. Este período foi marcado por dois acontecimentos significativos: um duvidoso processo de reformas na economia e a inusitada libertação de prisioneiros políticos e jornalistas. Ao mesmo tempo, foram mantidas as medidas de vigilância, controle e repressão utilizando-se o recurso de detenções frequentes e por períodos de poucos dias ou horas. As reformas – cujo alcance não pode ser comparado às executadas no velho campo socialista entre os anos 70 e 80 – caracterizam-se por sua timidez, lentidão e, nas palavras dos próprios representantes do regime, por uma “excessiva burocratização”. Desde que foram anunciadas, em julho de 2007, tinham como objetivo acalmar os ânimos de um povo exausto por carências de todos os tipos e sufocado pela falta de liberdades. Em dezembro de 2010, o governante Raúl Castro admitiu que o país corria o risco de afundar. A demissão de um milhão de funcionários – que contou com a irônica anuência e colaboração dos sindicatos oficiais e com o apoio incondicional da mídia – foi silenciosamente suspensa, talvez porque pudesse agravar uma situação que já é caótica. A libertação de prisioneiros, resultado da mediação da Igreja Católica e orquestrada pela governo, pretende melhorar a imagem do regime e conseguir ajuda exterior, principalmente da União Europeia. A saída das prisões seria feita em etapas, de forma a aumentar suas repercussões políticas, e os poucos que se recusaram exilar-se com suas famílias tiveram de aguardar até o final do processo. Esta libertação significou o desterro para a imensa maioria, e os prisioneiros não foram anistiados nem perdoados. Receberam uma “licença extra-penal”, o que significa que os que decidiram ficar na ilha correm o risco de voltar à prisão a qualquer momento. Em janeiro, a organização Human Rights Watch (HRW), no seu relatório anual, destacou que Cuba é o único país da América Latina onde se reprimem quase todas as formas de dissensão política por meio da perseguição, agressões e acusações criminais. Segundo a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, foram presas em janeiro 117 pessoas e 390 em fevereiro. Em março, registraram-se 32 incidentes de repressão policial, com um saldo de 83 pessoas detidas que foram libertadas ao longo de várias horas ou dias. Além disso, ocorreram neste mês 12 manisfestações de repúdio. Em meados de março, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no seu relatório de 2010, reiterou que em Cuba “as restrições aos direitos políticos, à liberdade de expressão, a falta de eleições e de um Poder Judiciário independente, assim como as restrições à liberdade de movimento, violam os direitos fundamentais dos seus cidadãos”. Neste contexto, destaca a visita privada do ex-presidente James Carter no final de março. Pela primeira vez em muitos anos um ex-presidente se reuniu com dissidentes, ex-presos políticos e blogueiros e jornalistas independentes, entre eles Yoani Sánchez, Claudia Cadelo, Laritza Diversent e Reinaldo Escobar. Existem cerca de cem jornalistas independentes em Cuba, trabalhando com falta de material e enfrentando constantemente a repressão. Recorrem a agências de notícias, emissoras de rádio e publicações do estrangeiro para divulgar suas matérias e comentários. Algumas representações diplomáticas em Havana lhes oferecem locais onde podem se conectar à Internet e enviar suas matérias. Este é o caso da Seção dos Interesses dos Estados Unidos (SINA), República Checa, Holanda e Reino Unido, entre outras. Apesar de a maioria das pessoas que iniciaram o movimento no final da década de 90 ter sido obrigada a se exilar, outras continuando se somando ao movimento. Por isso é importante destacar o exemplo de algumas delas que mal foram libertadas e retomaram em seguida os trabalhos que as havia colocado na prisão. Porém, o que chama atualmente a atenção da imprensa internacional são as dezenas de blogs independentes. Os nomes de Yoani Sánchez (Geração Y) e Claudia Cadelo (Octavo Cerco) são reconhecidos no mundo todo, mas há muitos outros blogs que estão se tornando mais relevantes, mais atraentes e oferecendo mais qualidade jornalística e literária e que fazem parte do que se considera um movimento que não se pode deter. Em dezembro, o jornalista independente Guillermo Fariñas foi o vencedor do Prêmio Sájarov 2010 de Liberdade de Consciência. Fariñas não pôde receber o prêmio pessoalmente porque as autoridades cubanas se recusaram a lhe dar o visto, medida que é frequentemente utilizada como represália aos dissidentes. Desde então o jornalista já foi preso diversas vezes e a polícia e seus seguidores não deixam de persegui-lo. Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, a blogueira cubana Yoani Sánchez, que já recebeu varias premiações internacionais, entre elas o Prêmio Ortega y Gasset, recebeu, junto com outras sete mulheres, o prêmio “Women of Courage” (Mulheres Corajosas) concedido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Os blogueiros cubanos fazem todo tipo de manobras para burlar a censura e manter seus sites atualizados, e oferecem crônicas e artigos de opinião sobre a situação cubana. Suas páginas são frequentemente bloqueadas, seus autores submetidos a vigilância, prisão e agressões. Na mesma blogosfera devem enfrentar os ataques de mais de cem blogs do governo que possuem todos os recursos e o apoio do governo. Um vídeo que circulou na rede há dois meses mostra que o regime se concentra no surgimento das novas tecnologias como uma ameaça ao seu monopólio do poder. O vídeo em questão – uma conferência para funcionários de alto escalão da polícia política sobre as ameaças dos novos meios – oferece recomendações para lidar com o fenômeno, qualifica os blogueiros independentes de “mercenários virtuais” e acusa os EUA de “criar uma plataforma tecnológica fora do controle das autoridades cubanas que permitiria o livre trânsito de informações”. Os comunicados do Departamento de Estado que foram recentemente divulgados pelo WikiLeaks mostrando que Washington prefere apostar nos jovens blogueiros mais que na dissidência tradicional parecem confirmar estes temores. Para o governo cubano, o Facebook, Twitter e YouTube são os inimigos. No final de fevereiro, as revelações de dois agentes da inteligência infiltrados entre os dissidentes mostraram novamente as velhas táticas de descrédito contra os opositores e jornalistas independentes, que foram acusados de ser mercenários dos Estados Unidos. Isto serviu como preâmbulo do julgamento que, no início de março, o governo montou contra Allan Gross, americano, acusado de “atos contra a integridade e a independência” do país. Como se sabe, Gross foi detido em Havana em dezembro de 2009 por distribuir equipamentos de satélite a uma comunidade judaica e continuou preso sem que se formulassem acusações durante 15 meses. Em março vieram mais revelações de agentes infiltrados entre os dissidentes, em uma clara tentativa de desacreditá-los, de alguma forma, e justificar a condenação que foi finalmente imposta a Gross, de 15 anos de prisão, por participar de um suposto “projeto subversivo do governo dos Estados Unidos”. Em 7 de março, a televisão começou a transmitir um programa que se concentra no que chama “ciberdissidência”, ataque que tem sido feito também no jornal Granma. As figuras principais desta nova campanha de descrédito, verdadeiro linchamento na mídia, são Yoani Sánchez e Dagoberto Valdés, da revista digital Convivencia, uma publicação independente de inspiração cristã e que faz fortes críticas ao regime. Os dois foram mostrados conversando com funcionários da Seção de Interesses dos Estados Unidos (gravadas pela segurança do Estado) e insiste-se na quantidade de dinheiro que recebem do exterior, nem que seja através de “prêmios manipulados” ou “doações calculadas”. Como em tantas ocasiões, falou-se do fantasma dos Estados Unidos e da CIA utilizados para frear, por meio do terror, qualquer atividade dissidente e dissuadir os jovens de se interessar pelas novas tecnologias. Por isso, foram também impedidas e de algum modo sufocadas as iniciativas de algumas dioceses da Igreja Católica para promover a criação de blogs independentes entre os jovens carentes. O caráter da imprensa do governo – na verdade um instrumento de propaganda e desinformação – não poderia ter se revelado melhor do que durante a cobertura das revoltas no mundo árabe. Quando na Líbia ocorriam protestos contra a ditadura de Muammar Gaddafi, os meios oficiais apresentavam um panorama que insistia na calma reinante em Trípoli e no apoio da população. A julgar pela primeira página do Granma, não houve nenhum massacre, deserção de funcionários nem repulsa do resto do mundo; ou tampouco cidades tomadas pelos rebeldes e ânsia de liberdade. Os protestos e desafios em outros países foram distorcidos e usados em artigos de opinião para criticar os Estados Unidos. A intervenção dos aliados na Líbia foi vista como ações agressivas de “potências imperialistas”. Como pano de fundo, as opiniões (“reflexões”) de Fidel Castro tingem o ambiente político, com previsões apocalípticas, punições diante de qualquer desvio e insultos ao imperialismo ianque. As poucas críticas que os meios fazem – em maior ou menor exibição da dependência dos interesses do regime – tratam de questões periféricas. Não são mencionadas a falta de liberdade, as violações dos direitos humanos ou a situação das prisões, muito menos feitas denúncias a personalidades ou ao partido do governo. O governo cubano exerce sobre os correspondentes estrangeiros credenciados em Havana uma política de recompensas. Se o correspondente se excede nas suas críticas, criam-se dificuldades de todos os tipos até que sua presença em Havana se transforme em um pesadelo; ou o denunciam na imprensa oficial até que se consiga que saia do país. Porém, ao contrário, se ele se comporta bem, deixam-no trabalhar e facilitam seus contatos e entrevistas. Isso cria uma autocensura permanente e até reportagens simpáticas ao regime. As autoridades do Centro Internacional de Imprensa (CIP) refinaram os controles para a concessão de vistos para coberturas temporárias. Este é o caso dos jornalistas do El Nuevo Herald que continuam tendo negados seus vistos para entrada na ilha. Curiosamente, a seção de interesses de Cuba em Washington demonstra interesse direto em que o jornal ofereça maior cobertura da série nacional de beisebol. Como sabe que qualquer faísca pode provocar um protesto, o regime detém jornalistas e opositores durante dias ou horas. A perseguição feita por multidões de pessoas, organizadas e protegidas pela polícia e os protestos de repúdio criam um ambiente de terror que impede reuniões e manifestações de descontentamento. Tenta-se também restringir ou impedir o acesso do povo a canais alternativos de informação. Ao contrário de Tunísia, Egito, Bahreim, e até da Líbia – onde há governos autoritários ou abertamente ditatoriais –, em Cuba os cidadãos comuns não podem se conectar à Internet e, por isso, não conhecem o Facebook, o Twitter e o YouTube. O cabo submarino de fibra ótica, que custou 70 milhões de dólares e que acaba de ser instalado entre a Venezuela e Cuba não significará um maior acesso à rede em um país onde apenas 3% da população tem acesso à Internet. O governo declarou que existem outras prioridades antes da banda larga para os cidadãos. No começo de 2011, o governo ameaçou os fabricantes clandestinos de antenas parabólicas e vendedores de placas para captação de sinais de televisão por satélite. O Granma justificou a perseguição destas atividades como parte da “defesa da soberania radioeletrônica” do país. Continuam as batidas para localizar os centros de redistribuição de sinais, desmantelar as redes e, finalmente, destruir as antenas e conexões e multar os infratores. A sede por informações é imensa. Além de recorrer aos meios tradicionais, como o rádio e a televisão estrangeiras, os cubanos criam novas formas para que sejam vistos pelo mundo exterior. Os poucos privilegiados que têm acesso à Internet e parabólicas alimentam uma rede paralela de distribuição de notícias por meio de disquetes e dispositivos de memória USB. Poucas vezes a pirataria eletrônica se transformou em passatempo nacional e teve um efeito tão benéfico quanto aqui. Uma publicação como o El Nuevo Herald, por exemplo, classificada como “contra-revolucionária”, goza atualmente de uma incrível aceitação na ilha. O número de visitantes da página vem aumentando, e há em média 890.000 visitas anuais.

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