O clima que tem afetado a imprensa nos últimos anos continua se deteriorando. Os bloqueios sofridos pelos jornais portenhos e do interior do país, as pressões de membros dos poderes Executivo e Legislativo sobre a justiça com respeito ao caso Clarín, e a morte do jornalista Nicolás Pacheco forem três dos piores golpes sofridos pelo jornalismo neste período. Porém, o pior golpe dos últimos tempos foi o boicote publicitário que ameaça a sobrevivência de vários jornais argentinos.
Em 29 de outubro, membros do Sindicato de Vendedores de Jornais e Revistas bloquearam as gráficas de vários jornais da cidade de Buenos Aires, impedindo a circulação de mais de meio milhão de exemplares. Um mês depois, o jornal El Día, de La Plata, foi alvo de um bloqueio que impediu a distribuição dos seus exemplares.
A justiça afirmou que o direito a se manifestar deve estar subordinado ao direito dos cidadãos de serem informados. A polícia e as autoridades responderam aos incidentes com inação e silêncio.
Antes de 7 de dezembro, data imposta pela Suprema Corte de Justiça para vencimento da medida cautelar que impedia a aplicação de alguns artigos da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual ao Grupo Clarín, houve muitas pressões, discursos com ameaças e resoluções intempestivas ligadas a uma aparente tentativa de evitar uma decisão judicial desfavorável ao governo. Nas semanas e dias que antecederam o chamado 7D, o governo montou uma forte campanha nos meios de comunicação públicos e privados contra o Clarín. A maioria do governo no Congresso aprovou rapidamente a figura do per saltum para evitar instâncias judiciais inferiores. Houve nomeação de juízes adjuntos para preencher vagas, tentativas de recusar membros da oposição que são membros do órgão que propõe futuros juízes e renúncia e dispensa de juízes de primeira e segunda instância que deviam decidir sobre o caso, alguns deles alegando violência moral.
"Se isso é pressionar a justiça, bem-vindos à pressão, disse um senador do partido do governo a respeito do projeto de lei para regulamentar o recurso de per saltum.
Em 5 de dezembro, o ministro da Justiça afirmou que uma prorrogação da medida cautelar vigente significaria uma rebelião contra uma lei do país. Nesse dia, o governo recusou todos os membros da Câmara Civil e Comercial Federal que deviam se pronunciar sobre o assunto.
No dia seguinte, em uma declaração pública inédita, a Comissão de Independência Judicial, a Associação de Magistrados, a Federação Argentina de Magistrados e a Junta Federal de Cortes e Tribunais Superiores das províncias e da cidade de Buenos Aires pediram que o Poder Executivo não se envolvesse em áreas que são próprias do Poder Judiciário. Horas depois, a Câmara Civil e Comercial prorrogou a medida cautelar.
Sete dias mais tarde, o juiz de primeira instância da causa se pronunciou sobre o caso, através de uma decisão sintomaticamente rápida, com argumentos controversos, afirmando a constitucionalidade dos artigos questionados pelo Clarín. O grupo apelou da sentença e aguarda a decisão da Câmara, que o Chefe de Gabinete desqualificou em um discurso público. Tanto os representantes do governo quanto os do Clarín afirmam que será a Suprema Corte que definirá a questão.
Uma comissão da SIP visitou Buenos Aires na primeira semana de dezembro e advertiu que o que estava em jogo não eram interesses econômicos e empresariais, mas a existência da liberdade de expressão. A aplicação seletiva da Ley de Medios, a falta de transparência na sua execução, a falha do governo em cumprir algumas disposições da lei e as falhas na sua aplicação sugerem que é utilizada para calar as vozes críticas.
Uma das primeiras medidas da Defensoria Pública, órgão previsto pela Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual e que começou a funcionar recentemente, foi pedir uma investigação à Rádio Nacional sobre os possíveis efeitos para a saúde da utilização de um composto químico em transformadores localizados na província de Jujuy. O caso é preocupante porque representa uma intromissão do Estado nos conteúdos jornalísticos.
No início de janeiro, a Auditoria Geral da Nação, encarregada do controle externo da administração pública, divulgou um relatório sobre o uso de 2,3 bilhões de pesos (460 milhões de dólares) destinados à pauta oficial entre 2007 e 2010. O relatório afirma que em 2009, 59% do investimento publicitário do Estado se concentrou em cinco meios de comunicação entre os 365 que existem e que a distribuição estava relacionada aos níveis de audiência dos meios. Nesse ano, um meio de comunicação com uma tiragem dez vezes menor que a de um concorrente recebeu mais do dobro da pauta oficial.
Os dados da Oficina Nacional de Presupuesto (ONP) revelam que durante 2012 foram utilizados mais de 1,4 bilhão de dólares no setor de comunicações. Mas de um quarto desse valor foi destinado ao Futebol para todos, programa que estatizou as transmissões televisivas das partidas de futebol e que tem o Estado como anunciante quase exclusivo, e a publicidade oficial, que continua sendo distribuída de forma discricionária, sem considerar os níveis de audiência nem as limitações ao uso proselitista desses recursos. Cerca de 180 milhões de dólares foram destinados à manutenção dos meios de comunicação públicos, que continuam promovendo programas que desqualificam sistematicamente o jornalismo que não seja alinhado ao governo.
O uso discricionário de recursos públicos e as intimidações através de funcionários ou órgãos de controle provocaram a venda de vários meios de comunicação, compras por pessoas que trabalham para o Estado e mudanças nas suas linhas editoriais. Várias demissões e renúncias de jornalistas ocorreram nos últimos meses por causa dessas mudanças.
O acesso dos jornalistas a fontes oficiais e a informações sobre a administração pública continua limitado. A presidente Cristina de Kirchner continua se recusando a realizar coletivas de imprensa e utiliza a cadeia nacional para fins não previstos na Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. A Corte Suprema de Justiça estabeleceu, em decisões recentes, que a pauta oficial não pode ser usada para premiar ou castigar os meios de comunicação por sua linha editorial e que todas as pessoas têm direito de estar a par do desempenho dos seus governantes e funcionários do governo. Leis para regulamentar o acesso à informação e a concessão da publicidade oficial continuam pendentes.
Entre os jornalistas que sofreram agressões físicas no exercício do seu trabalho e no período coberto por este relatório, estão Pablo Procopio, do jornal La Capital, cujo veículo foi atingido por disparos enquanto ele cobria um tumulto na cidade de Rosario; Néstor Dib, do canal C5N, atingido durante o protesto denominado 8N, em Buenos Aires; José Escudero, do Canal 12 de Córdoba, ferido por uma pedra durante um protesto; Rodrigo Saliva, da TodoNoticias, cujo veículo foi destruído quando ele cobria saques em Bariloche; Julieta Elgul, do Canal 7, ferida por uma bala de borracha pela polícia em um protesto em Buenos Aires; Sergio Villegas, da FM Dimensión, que foi ameaçado e atacado com morteiros durante um protesto na província de Santa Cruz; Oscar Di Vincenzi, do jornal PerteneSer de Alberti (Província de Buenos Aires), atingido por agroquímicos por um fumigador; Sebastián Granata, do jornal Rosario 12, que foi violentamente expulso de uma reunião da Federação Agrária, em Rosário; e Mario Fedorischak, do jornal Primera Edición, agredido pela polícia de Misiones quando cobria uma operação policial.
O jornalista Adrián Subelza, do jornal Crónica de Buenos Aires, foi agredido depois de ter investigado e publicado a morte de Celeste Abigail Morales Becerra, de apenas sete anos, por má prática médica no hospital de Malvinas, Argentina. Subelza e outros jornalistas foram agredidos violentamente por mais de 60 pessoas corpulentas, com golpes e até gás pimenta.
Foram ameaçados ou agredidos verbalmente Tomás Eliaschev, da Revista 23 (Buenos Aires); Marcelo Blasco, do semanário La Palabra de Lobos (Província de Buenos Aires); Javier Rivarola, da FM Radio 21 de Caleta Olivia (Santa Cruz); e Daniel Polaczinski, jornalista da FM Radio U, de Aristóbulo del Valle. Na terceira semana de janeiro, surgiram nas ruas de Buenos Aires e de algumas cidades da província de Buenos Aires vários cartazes caluniosos que sugeriam que o jornalista Jorge Lanata havia modificado seu trabalho de jornalista por questões econômicas. No início de fevereiro, Nelson Castro foi convidado a se retirar de um bar de Buenos Aires por seu dono que lhe disse que ele era persona no grata.
Não são só os jornalistas mas toda a sociedade que sofre com o clima de discursos intimidatórios que criam medo, irritação e polaridade. Ricardo Darín, por exemplo, recebeu uma carta da presidente do país, divulgada em rede nacional, sobre declarações do ator reproduzidas em uma revista. As contas do Twitter e do Facebook de vários funcionários públicos de alto escalão estão repletas de agressões à mídia ou a cidadãos comuns que questionam algum aspecto da administração pública.
Em termos de ações de servidores públicos contra jornalistas por suas matérias, devemos ressaltar as ações movidas pela Administração Federal de Ingresos Públicos contra Luis Majul e Matías Longoni, que exige indenização de 1.337.167 pesos, o equivalente a aproximadamente 270.000 dólares, a cada um deles.
O caso mais grave de agressões a jornalistas no último semestre foi a morte de Nicolás Pacheco, apresentador de Racing o nada, programa transmitido pela Radio Cadena Eco. Seu corpo foi encontrado sem vida, em 24 de janeiro passado, na piscina da sede do clube portenho Racing. A ausência de água nos pulmões e os traumatismos na cabeça e no tórax reforçam a hipótese de homicídio, ainda que não tenha havido nenhum avanço para elucidar o caso.
As ameaças contra os principais anunciantes da imprensa para que retirem seus anúncios de alguns meios de comunicação merecem ser destacadas por serem extremamente graves. A partir de 7 de fevereiro, boa parte das maiores cadeias de supermercados e lojas de eletrodomésticos do nosso país suspenderam a publicidade que iriam colocar nos meios de comunicação da cidade de Buenos Aires e de algumas cidades do interior. Diretores dessas cadeias afirmaram que a decisão estava ligada a medidas recentes para congelamento de preços. Essa pressão sobre os anunciantes, que afeta os empresários que temem ser inspecionados pelos órgãos fiscais ou perder a possibilidade de importar insumos ou produtos, é outra forma de censura e uma violação do direito dos consumidores de saberem que preço pagarão pelos produtos que pretendem comprar. É também um dos golpes mais duros que a imprensa independente já sofreu em termos da sua viabilidade econômica.
Os jornais La Nación e Perfil já perderam entre 15% e 20% do seu faturamento publicitário no período do boicote. O Clarín passou de 264 páginas de anúncios das empresas desse setor no mês de janeiro para 61 páginas em fevereiro. Estima-se que o impacto anual representará uma perda de 70 milhões de dólares para os jornais. O desaparecimento súbito desses anunciantes ameaça o equilíbrio económico das empresas jornalísticas desses meios de comunicação. Nos últimos dias, outras empresas se uniram ao boicote. A Telefónica retirou toda a pauta publicitária anual do La Nación e dos meios do Grupo Clarín.
Sem autonomia econômica não existe independência editorial. Em um contexto no qual o mapa midiático se transforma vertiginosamente com a venda de canais e rádios àqueles que fazem grandes negócios com o Estado e pela cooptação de empresas jornalísticas através da pauta oficial, as vozes que pretendem expressar-se com liberdade correm o risco de ser caladas para sempre.
Madrid, Espanha