Relatório da Comissão de Impunidade
Apresentado pelo Presidente da Comissão Alberto Ibargüen
na Reunião de Meio de Ano da SIP
Segunda-feira, 18 de março de 2002
Casa de Campo, República Dominicana
O trabalho da Comissão de (contra a) Impunidade da SIP continua sendo necessário para a preservação de uma imprensa livre nas Américas.
Apesar de todos os nossos esforços, não obtivemos ainda respostas significativas aos nossos pedidos de levar vários culpados à justiça. Desde a nossa última reunião em Washington, D.C., emitimos 16 resoluções e 87 pedidos para tomada de ação por parte da polícia, do Judiciário, do Legislativo e do Executivo na Bolívia, Brasil, Costa Rica, Colômbia, Guatemala, Haiti, México e Paraguai. A reação foi mínima.
A prática do jornalismo em nosso hemisfério continua sendo uma tarefa perigosa. Outras comissões da SIP enfocam as garantias da imprensa livre e a prevenção da violência e perseguição aos jornalistas. Infelizmente, nem sempre temos sucesso e, enquanto jornalistas continuarem sendo assassinados devido à prática do jornalismo, temos o dever de assegurar que seus assassinos sejam levados à justiça. Para fazer isso, essa Sociedade apóia e ajuda o jornalismo a expor os culpados. Ao praticar o jornalismo, tentamos esclarecer crimes contra nossos colegas e pressionamos as autoridades a processar os assassinos. Sem julgamento há impunidade; com julgamento, a justiça pode ser feita. E devemos ser absolutamente claros: isso não se trata de vingança, mas sim de justiça. É essencial continuar a expor aqueles que ao assassinar os jornalistas procuram impedir a exposição de atos criminosos, como é o caso dos traficantes de drogas no México, das guerrilhas e paramilitares na Colômbia ou corrupção no governo no Haiti e Brasil.
Vivemos em um mundo tecnologicamente maravilhoso, no qual a tecnologia de comunicações permite que o spolíticos estimulem ataques aos jornalistas de formas que nunca teríamos imaginado há alguns anos. Isso tem acontecido na Colômbia, na Guatemala e no Equador, mas é mais evidente ou mais perigoso atualmente na Venezuela, onde os ataques do presidente Hugo Chávez à imprensa e a jornalistas individualmente são estímulos para prejudicar os meios. As pessoas que viram o vídeo exibido aqui onte, não duvidarão disso. Se essas provocações levam à morte de jornalistas, quem castigará os crimes estimulados por um chefe de Estado?
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para lembrar nossos sócios que a melhor forma de lutar contra este mal é expondo-o e por isso peço que vocês apóiem os esforços da SIP em seus jornais e em outros meios para que a exposição destes crimes seja eficaz e para que seu repúdio alcance uma dimensão geral.
Passarei agora ao relatório dos fatos ocorridos desde nossa última reunião.
É com muita tristeza que informo sobre assassinatos de quatro desde a última reunião da nossa Sociedade. Foram assassinados: Orlando Sierra Hernández e Alvaro Alonso Escobar da Colômbia; Félix Fernández García, do México, e Brignol Lindor, do Haiti.
Gostaria de comentar também a morte de Daniel Pearl, correspondente do The Wall Street Journal, cujo assassinato, ocorrido no Paquistão no mês passado, chocou o mundo inteiro. Esperamos que pelo menos desperte a opinião mundial para os riscos que os jornalistas enfrentam em todo o mundo.
Vamos fazer nosso tradicional minuto de silêncio em honra à memória dos nossos cinco colegas falecidos.
Obrigado.
Por mais deprimentes que sejam esses assassinatos e por mais forte que sejam os obstáculos que alguns governos colocam para evitar a punição dos assassinos, tenho o prazer de informar sobre os sucessos obtidos na Guatemala no caso de Irma Flaquer. Começamos a investigar seu caso em 1995, quando a Fundação John S. e James L. Knight forneceram pela primeira vez fundos para nosso projeto Crimes sem punição contra jornalistas. Agora, 22 anos depois de seu desaparecimento e suposto assassinato em 1980, o procurador-geral da Guatemala, Adolfo González Rodas, foi designado promotor especial e o "caso Flaquer" foi reaberto pelo sistema judiciário daquele país.
Além disso, a chamada "Comissão de Impulso", criada para garantir o cumprimento do acordo feito entre a SIP e o governo da Guatemala, tem sido ativa e eficiente. A Comissão foi fundamental para conseguir que o governo pagasse indenizações à família da vítima e para o lançamento, nesta reunião, do livro La que nunca calló (Aquela que nunca se calou), uma compilação de artigos de Irma Flaquer que mostra como ela colocou sua vida em risco ao expor a corrupção.
Em outros países, nossa Unidade de Resposta Rápida continua a relatar casos de assassinatos. Até o momento, apresentamos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos provas relativas a 15 casos de um total de 37 assassinatos investigados. Como podem ver, não apresentamos relatórios sobre todos os assassinatos investigados. Isso porque, em parte, alguns ainda estão em andamento e porque, em alguns casos, determinamos que o motivo do assassinato não tinha relação com o jornalismo.
Gostaria de elogiar o trabalho dos membros da Unidade de Resposta Rápida, os jornalistas Diana Calderón, Jorge Elías e Clarinha Glock, e do seu chefe de redação, Ricardo Trotti, e de destacar o desempenho de Julio Muñoz quanto a essa questão. O profissionalismo que trazem a essas investigações acrescentam peso e credibilidade quando realmente apresentamos nossos casos à Comissão de Direitos Humanos.
Uma parte muito importante do trabalho que realizamos é o acompanhamento dos casos anteriormente investigados. Nos últimos meses, demos seguimento aos casos dos assassinatos de Manoel Leal de Oliveira e Ronaldo Santana de Araújo, no Brasil; Amparo Jiménez, Guzmán Quintero e Jairo Elías Márquez, na Colômbia, e Juan Carlos Encina, na Bolívia. O trabalho de acompanhamento é importante pois mostra às autoridades locais que nosso trabalho não se restringe a investigar o caso e ignorar seus desdobramentos. Devemos continuar a pressionar e expor para provocar a ação adequada das autoridades.
A Unidade de Resposta Rápida também começou a trabalhar em dois novos casos, o do brasileiro José Wellington Fernandes, assassinado em março de 2000, e o do colombiano Jaime Garzón, assassinado em agosto de 1999, em Bogotá.
Aqui na ilha de Hispaniola também sentimos ter que informar que houve assassinatos que não foram punidos. No Haiti, país vizinho, Brignol Lindor em 3 de dezembro de 2001, o de Jean Leopold Dominique, em 3 de abril de 2000, e o de Gerard Denoze, em 15 de dezembro de 2000, continuam sem elucidação. Na República Dominicana, o desaparecimento do colunista Narciso Pinales González, também continua sem elucidação. "Narcisazo" desapareceu em maio de 1994, depois de ter criticado duramente o presidente Joaquín Balaguer e oficiais militares de alto escalão. O caso encontra-se em um tribunal de investigação, mas apresenta poucos progressos.
Diante da nítida falta de ação por parte das autoridades na maioria dos casos que investigamos no Brasil, a Comissão de Impunidade recomendou o envio de uma missão especial a esse país no final do ano passado. A missão também serviria para examinar os progressos dos compromissos assumidos para com a SIP em 1999, quando líderes brasileiros prometeram promover legislações que colocassem esses assassinatos sob a jurisdição federal, visto que violavam o direito constituicional de liberdade de expressão dos brasileiros.
Os casos que investigamos no Brasil que estão parados são os de Aristeu Guida da Silva, Manoel Leal de Oliveira e Ronaldo Santana de Araújo. Um ex-policial e um prefeito foram apontados como envolvidos no último caso. Estamos também acompanhando outros casos de assassinatos no Brasil, como os de Reinaldo Coutinho da Silva, Edgar Lopes de Faria, José Carlos Mesquita, Maria Nilce Magalhães, Mário Eugênio de Oliveira e Mário Coelho de Almeida Filho.Todos estes assassinatos ocorreram, coincidentemente, no interior do país.
Sentimos informar que não temos nada de positivo para relatar sobre as investigações no México; apesar da boa vontade do presidente Vicente Fox, ocorreram na verdade retrocessos. No caso de Philip True, os suspeitos foram libertados. Acreditamos que não houve um exame cuidadoso das provas apresentadas, inclusive por nós, e os assassinos continuam sem punição. Em outros assassinatos envolvendo os jornalistas mexicanos, Víctor Manuel Oropeza e Héctor Félix Miranda, as autoridades nem mesmo responderam às solicitações que fizemos por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A maior parte dos assassinatos dos jornalistas no México ocorreu ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México, e está diretamente ligada ao tráfico de drogas. Estamos avaliando, junto com o vice-presidente regional da SIP, no México, e com a Comissão dos Jornalistas em Perigo, a viabilidade de realizar uma conferência para debater este problema e impedir a violência contra os jornalistas.
Em 1997, o presidente da Colômbia respondeu a um pedido da SIP e criou uma promotoria especial para tratar dos crimes contra jornalistas, e tivemos alguns progressos. As autoridades policiais detiveram recentemente o congressista Carlos Oviedo, o principal suspeito dos assassinatos de Jairo Elías Márquez e Ernesto Acero Cadena. Nesse mesmo período, o suposto mandante do assassinato de Carlos Lajud Catalán, o qual estamos investigando desde 1995, foi formalmente acusado.
Antes de nossa próxima reunião no Peru, pretendemos abrir as investigações sobre o assassinato em 1995 de Nivanildo Barbosa Lima e o assassinato em 1992 de Ivan dos Santos Rocha, ambos na Bahia, Brasil. Vamos também começar a investigar o assassinato ocorrido em 1998 de Nelson Carvajal em Huia, Colômbia.
Uma vez mais, gostaria de chamar a atenção dos sócios da SIP e dos jornais membros para nosso web site em www.impunidad.com. Todos nossos resultados de investigação estão nesse site. Se os senhores precisarem de informações adicionais, será um prazer tentar obtê-las por meios de nossos escritórios em Miami, ou por meio de outras organizações com as quais trabalhamos, tais como a Comissão de Proteção aos Jornalistas, Associação Mundial de Jornais, Comissão Mundial de Liberdade de Imprensa, Repórteres sem Fronteiras, Fundação Colombiana de Liberdade de Imprensa e a Associação Nacional de Jornais, no Brasil, entre outras.
Nosso objetivo continua a ser a justiça. Esperamos que, por meio da investigação dos crimes, tornando públicas nossas informações, passando-as para as autoridades locais e as organizações internacionais, elas possam tomar as ações apropriadas.
O jornalismo é a arma que temos e a arma que usamos para impedir que os culpados fiquem impunes. É um bom trabalho para esta Sociedade.
Muito obrigado.