Relatório de Rafael Molina Morillo
presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação
Casa de Campo, República Dominicana
17 de março de 2002
Desde nossa avaliação da situação da liberdade de imprensa no continente, em Washington, em outubro passado, verificamos mais retrocessos do que progressos em termos das causas que nossa sociedade defende. A violência contra jornalistas e meios de comunicação nesse período foi, se não a única, a principal causa de insegurança na América Latina, e agravou-se devido às deficiências observadas na administração e na aplicação da justiça e em iniciativas jurídicas que pretendem censurar o jornalismo.
É fato comprovado que quando não existe uma firme vontade política, uma rigorosa investigação policial e uma rápida ação da justiça para apurar responsabilidades de autoria da violência, estimula-se o comportamento violento contra os jornalistas e os meios e a autocensura, que é o pior mal que pode sofrer o ofício de informar a sociedade.
Nesse período, houve registro de quatro assassinatos na Colômbia, Haiti e México; de incidentes violentos por parte do governo contra a imprensa, na Venezuela; atentados contra a televisão, na Colômbia, e recorrentes agressões a jornalistas no Brasil, Cuba, Guatemala e Peru, para citar apenas alguns países.
Podemos afirmar que desde nossa reunião anterior os assassinatos, o terrorismo, os seqüestros, as pressões, a intimidação, a prisão injusta dos jornalistas e a impunidade dos agressores continuam restringindo seriamente a liberdade de expressão e de imprensa.
Cuba continua sendo o caso emblemático da negação de todas as liberdades, especialmente a da expressão e do pensamento. A campanha de perseguição e a vigilância contínua contra a livre expressão acentuaram-se nos últimos meses, com o amparo da Lei de Dignidade e Soberania Nacional, alguns jornalistas independentes continuam na prisão e vários correspondentes estrangeiros foram agredidos.
Continuaremos apoiando os jornalistas independentes da ilha, por estarmos convencidos de que a liberdade de opinar, coletar e difundir informações é a única forma de atrair a democracia para esse país. Nesse sentido, a SIP continua divulgando os trabalhos de jornalistas independentes cubanos na sua página da Internet.
O Haiti é um dos casos mais dramáticos do continente. Apesar de o presidente Aristide afirmar repetidamente que respeita a liberdade de imprensa, os jornalistas são alvo de maus tratos e ameaças de policiais e funcionários públicos e temos também assassinatos, tais como o do radialista Brignol Lindor, Jean Leopold Dominique e Gerald Denoze, que continuam sem elucidação.
A Colômbia parece destinada a apresentar, ano após ano, um quadro trágico para o jornalismo e isso não por causa de ações do governo, mas sim do narcotráfico e das guerrilhas. A situação se agrava devido à pálida eficácia das autoridades, apesar de seus esforços para encontrar e punir os culpados dos repetidos crimes e ameaças contra os comunicadores sociais. Muitos deles optaram por abandonar o país e exilar-se voluntariamente. Os crimes afetam não apenas os jornalistas que trabalham na cobertura do conflito armado, como também os que fazem a cobertura de outras regiões.
Na Colômbia, México e Brasil, preocupa-nos também a ineficiência dos sistemas para esclarecer as dezenas de crimes sem punição contra jornalistas, especialmente a falta de proteção aos jornalistas e meios que atuam nas áreas de fronteira e no interior onde são mais facilmente atacados por grupos ilegais mais próximos ao narcotráfico, à guerrilha e ao crime organizado.
Um caso verdadeiramente preocupante é o da Venezuela, onde o presidente Chávez exibe uma marcada obsessão contra os meios de comunicação e os jornalistas e chega ao extremo de não desperdiçar uma oportunidade para agredi-los verbalmente e incitar o povo contra eles. Um dos objetivos da visita de uma delegação de alto nível da SIP à Venezuela no final de fevereiro foi receber informações sobre a situação da liberdade de expressão nesse país. No fórum Chapultepec, realizado em Caracas por ocasião da visita dessa missão, depois de uma análise sobre a situação reinante e as leis e regulações que afetam o trabalho jornalístico, chegou-se à conclusão de que na Venezuela não são cumpridos nenhuns dos dez princípios fundamentais que a nosso ver são necessários para a existência da liberdade de imprensa. A respeitável ex-presidente do Supremo Tribunal, Cecilia Sosa, descreve em apenas uma frase, porém precisa, o que se passa na Venezuela: "Não somos livres, estamos presos e acorrentados. Quem critica o projeto revolucionário é submetido ao escárnio público".
O maior responsável pela falta de liberdade de imprensa na Venezuela é o próprio presidente Hugo Chávez, que não perde uma oportunidade para manifestar sua aversão à imprensa. Mas o tema da "imprensa envenenada", como ele a chama, não é abordado de forma leve nem com clichês. A retórica inflamada de Chávez transforma-se em ação quando as turbas furiosas, estimuladas pelo presidente, fazem piquetes em frente aos jornais, lançam explosivos contra suas instalações e agridem ficisamente profissionais da imprensa e da televisão nas ruas. Esses profissionais se viram obrigados a se proteger com coletes à prova de balas e máscaras contra gás, além de esconderem suas identificações para evitar que sejam insultados ou atacados.
A imprensa independente venezuelana continua realizando corajosamente seu trabalho em meio a intimidações cada vez maiores e aguarda uma anunciada Lei de Conteúdos que ainda não foi apresentada ao público mas que, teme-se, conterá novas restrições para os meios e os jornalistas. Em um ambiente dessa natureza, não podemos afirmar que existe liberdade de imprensa nesse país.
Além das agressões aos meios e a jornalistas, é também muito preocupante a proliferação de novas legislações tais como a Lei de Conteúdos da Venezuela, que, com a desculpa de regular a liberdade de imprensa, não fazem outra coisa a não ser agredir o trabalho jornalístico.
Há vários exemplos no continente sobre a proliferação das leis. Em Costa Rica, existe uma marcada tendência dos tribunais em assumir posições lesivas à liberdade de expressão. Essa situação faz com que os jornalistas sejam extremamente cautelosos, a ponto de muitos confessarem que se autocensuram por medo de serem condenados nos tribunais por exercerem seu direito de se expressarem livremente. Um tribunal chegou ao extremo de obrigar um canal de televisão privado a transmitir um debate eleitoral que incluiria todos os candidatos à presidência, o que é uma forma de intervir e regular os meios de comunicação com a desculpa de "igualdade informativa".
Sobre a Bolívia páira a sombra de uma lei recentemente editada contra a liberdade de imprensa e que, ao legislar sobre propaganda política, cria sérias limitações que violam a liberdade econômica dos meios de comunicação, estabelecendo períodos para a difusão de propaganda e inclusive o preço das tarifas que devem ser cobradas pelos meios por essa propaganda.
Nessa mesma linha de intervenção na política editorial dos meios de comunicação privados, está a ponto de ser aprovado, no Equador, o Código da Infância e da Adolescência que impõe que os meios de comunicação escritos criem espaços gratuitos para o desenvolvimento social e informações públicas fornecidas pelo Estado.
No Brasil, uma decisão judicial anulou a afiliação ou formação universitária obrigatórias para os jornalistas, mas é com preocupação que vemos esses temas ressurgirem em duas novas leis tanto na Guatemala quanto na Nicarágua, tendência que também existe no Equador através de um anteprojeto de lei. Essa tendência parece se opor aos princípios apresentados sobre o assunto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e que contribuíram para que a afiliação obrigatória desaparecesse de vários países, tais como Costa Rica e República Dominicana.
No campo das legislações que afetam a imprensa, devemos também mencionar as boas notícias no Panamá, onde editou-se a Lei de Livre Acesso às Informações Públicas. Entretanto, tivemos de lutar contra outras iniciativas semelhantes, tais como as do Paraguai, onde editou-se uma lei de acesso que foi em seguida revogada por insistência da SIP, visto que impunha maiores restrições sobre informações provenientes de funcionários públicos.
Cabe assinalar aqui que na República Dominicana encontra-se atualmente no Congresso um projeto de lei que, entre outras coisas, criará mecanismos efetivos para o acesso às informações públicas. Também na Bolívia, o presidente Jorge Quiroga nos disse que a reforma constitucional de seu país incluirá cláusulas nesse mesmo sentido e sabemos de projetos de leis semelhantes no Peru.
A falta de acesso ou a manipulação das informações do setor público continua sendo um grande problema para o direito do público de ser informado e isso ocorre em numerosos países. É sistemática a negação das fontes públicas de informação na Argentina, Uruguai, Costa Rica, Canadá, El Salvador, Honduras, Brasil, Haiti, para nomear apenas alguns países.
Nos Estados Unidos, editaram-se medidas restritivas sobre as informações geradas pelo governo, o que levanta dúvidas sobre a versatilidade da Lei de Acesso às Informações que é considerada um exemplo para o mundo inteiro. Também nos Estados Unidos, por causa dos incidentes de 11 de setembro e a guerra no Afeganistão, é preocupante a campanha de propaganda internacional sobre o combate ao terrorismo que pretendia utilizar a imprensa para fins de desinformação.
A imprensa está também sendo pressionada através de normas e medidas judiciais arbitrárias que incluem, em alguns casos, penas de prisão para jornalistas ou a aplicação dos crimes de desacato por críticas feitas a funcionários públicos e algumas multas e indenizações que colocam em risco a própria existência dos meios, como ocorre sistematicamente no Brasil e no Paraguai.
Existe também em vários países uma verdadeira independência dos poderes judiciários quanto ao poder político, o que resulta em decisões de censura contra jornalistas para evitar que possam continuar criticando ou denunciando atos de corrupção. Há, por exemplo, diretores de meios venezuelanos no exílio para escapar da prisão, jornalistas peruanos que não conseguem visto de saída do país, editores presos cujos casos não têm o devido processo jurídico, ou ações irrisórias contra jornalistas e meios costa-riquenses, argentinos e chilenos.
Não podemos concluir esse relatório sem destacar que a Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação intensificou sua participação nos fóruns nacionais organizados pela Comissão de Chapultepec em diferentes países para promover os princípios fundamentais em que se baseia a liberdade de expressão, porque consideramos que a melhor forma de combater os perigos e ameaças a esse sagrado direito dos povos é conscientizar os cidadãos da América sobre a importância e o valor que a democracia atribui ao direito de informar e de ser informado livremente. Nesse sentido, temos participado dos fóruns realizados na Guatemala, Nicarágua, Costa Rica, Bolívia, Venezuela, países nos quais fomos muito bem recebidos e em relação aos quais temos muitas esperanças.
Nossa luta foi, é e será árdua e dolorosa, mas é uma luta que vale a pena enfrentar. Sobre nossos ombros, senhoras e senhores, pesa a grande responsabilidade de preservar a democracia. Nossa melhor arma é a liberdade de expressão e não a deixaremos perecer.