Discurso Hipólito Mejía
Presidente da República Dominicana
na Reunião de Meio de Ano da Sociedade Interamericna de Imprensa
Casa de Campo, República Dominicana
18 de março de 2002
Sejam todos bem-vindos a um país cuja vida social, econômica e política é coberta por 318 estações de rádio, 42 canais de televisão e 12 jornais, 3 dos quais tiveram início durante esta administração.
Sejam todos bem-vindos a um país onde a imprensa converteu-se na mais eficaz sentinela da administração pública, contribuindo assim para a transparência que o povo exige na administração dos recursos públicos.
Sejam todos bem-vindos à República Dominicana, terra onde tudo começou.
Quero agradecer pelo privilégio que me foi concedido pela Sociedade Interamericana de Imprensa ao me convidar para proferir essas palavras na abertura dessa sua Reunião de Meio de Ano.
Discursar para vocês hoje é para mim uma excelente oportunidade de reiterar minha posição sobre um tema crucial para o fortalecimento da democracia: a liberdade de imprensa.
E essa afirmação vem de alguém que não foi e nunca será um erudito. Não esperem de mim uma exposição profunda sobre princípios filosóficos, éticos e morais que suportam o direito à liberdade de imprensa.
Diante de vocês está um dominicano de carne e osso, saído do campo dominicano e amante da terra que, ao entrar em contato com a mão do homem, poduz riqueza para os que nela vivem. Quem lhes fala é um camponês que o destino levou a ocupar a presidência da República.
Em minha atuação na arena política, tive, entretanto, de compor um conjunto de convicções sobre aspectos fundamentais para tudo que forma a vida política.
Um deles é a liberdade de imprensa.
Não vou esconder de vocês que os políticos enfrentam diferentes questões quando o destino os leva a ocupar posições importantes na direção de um dos poderes do Estado.
Refiro-me à questão de saber se é preciso ou não estabelecer um limite à liberdade de imprensa.
Quem lhes fala acredita firmemente que a resposta a essa questão é um não redondo.
A liberdade de imprensa é exatamente isso, liberdade de imprensa. No momento em que colocamos limites a ela, ela deixa de ser o que é.
Sei que alguns dos presentes poderão pensar que a liberdade de imprensa sem limites apresenta riscos e, em alguns casos, custos que poderiam ter repercussões negativas sobre todos os membros de uma sociedade.
É possível que alguns tenham em mente o tratamento que a imprensa norte-americana deu recentemente ao escândalo financeiro da Enron.
Não é segredo nenhum que na medida em que a imprensa foi divulgando o caso, foi aumetando a preocupação sobre as implicações que o trabalho da imprensa livre poderia ter sobre a credibilidade de milhões de investidores norte-americanos e do resto do mundo, que colocaram uma boa parte de sua riqueza nos mercados de ações.
Não foram poucos os que temeram que a propagação deste escândalo na imprensa pudesse gerar um vírus capaz de erodir sensivelmente a credibilidade das bolsas de valores, gerando um colapso de grandes proporções na economia mundial.
Outro exemplo que nos vem à cabeça foi o tratamento que a imprensa deu à colocação do antrax em cartas que tinham como destino personalidades dos Estados Unidos e o pânico inicial que esta notícia gerou na população norte-americana.
Não foram poucos os que chegaram a pensar que o trabalho da imprensa estava aumentando o temor e a incerteza do povo norte-americano.
A alternativa a tal tratamento era a administração e a regulamentação da informação.
Quem fala aqui está totalmente contra tudo o que representa uma barreira ou limite à liberdade de expressão.
Estou ciente de que alguns temas são delicados, muito delicados. Apesar disso, sou daqueles que pensam que os benefícios trazidos pela convivência democrática para a liberdade de imprensa são muito maiores do que os custos que poderiam ser resultantes dos excessos.
A imprensa livre, senhoras e senhores, é muito mais responsável do que muitos geralmente acreditam.
Por que penso assim?
Porque a imprensa é a primeira que investe na credibilidade e reputação, os dois mais importantes bens para sua sobrevivência, em um mundo cada vez mais competitivo e exigente.
A imprensa não neccessita de regulamentação ou limites. Ela mesma se regula. E o faz porque sabe que deve proteger sua credibilidade e sua reputação. Quando essas se perdem, é pouco o que a imprensa pode fazer para evitar um final similar ao da Enron.
A melhor regulamentação da imprensa é a que ela mesma se impõe, não a que os Poderes do Estado considerem apropriada.
Assim ocorreu no passado. Assim é no presente. E assim será sempre.
É por essa razão que devem colocar quem lhes fala hoje na lista daqueles que acreditam na defesa da liberdade de imprensa, no âmbito do moralmente correto.
"O lugar mais quente do inferno está reservado para aqueles que permanecem neutros em tempos de crises morais", advertiu há quase 700 anos o supremo poeta italiano.
Eu lhes digo que na luta pela liberdade de imprensa, essa luta que levou muitos jornalistas a derramar seu sangue antes de ceder à intolerância e ao totalitarismo, não pode haver neutralidade.
Não pode haver neutralidade perante os 892 assassinatos, 448 seqüestros e desaparecimentos, 2 mil 193 agressões, assaltos e torturas e 4 mil 450 prisões e detenções de jornalistas que ocorreram nas últimas duas décadas em todo o mundo.
Como os senhores ouviram, não pode haver neutralidade.
Foi por isso que poucas semanas antes de assumir a presidência da República, submeti ao Congresso Nacional um projeto de lei que procura eliminar as últimas barreiras para se alcançar a absoluta liberdade de imprensa na República Dominicana.
Uma vez aprovada essa lei, a imprensa terá livre acesso às fontes de notícias oficiais e algumas privadas; serão suprimidos os foros que privilegiam os funcionários públicos, se for comprovada a verdade do fato imputado; se modificará a responsabilidade escalonada em casos de difamação, começando com o autor da mesma e da pessoa que autorizou a publicação; e serão outorgadas maiores garantias ao exercício do segredo profissional.
Quero aproveitar esta oportunidade que me oferecem para fazer uma confissão.
Não são poucos os dominicanos que pensam que o estilo franco, aberto e direto que exibo nos múltiplos encontros diários com meus amigos dos meios de comunicação traduz algum grau de inconformidade do governo que presido com o tratamento que nos confere a imprensa.
Quem pensa assim está totalmente equivocado.
O pior que pode ocorrer a um país é um governo que é inimigo da imprensa.
Quando isso ocorre, a obscuridade substitui a transparência, a corrupção entra no lugar da honestidade e as tribunas do totalitarismo nos foros da democracia.
Essa minha convicção explica o motivo pelo qual nos meios de comunicação não encontramos o tipo de jornalistas que necessitam milhares de razões mensais para defender os atos do governo que presido.
Se o fazem, é como resultado de uma análise independente e objetiva, pois a época de jornalistas na folha de pagamentos e ao serviço do governo ficou atrás.
A imprensa, no caso específico de meu governo, nos tem fornecido um serviço muito valioso.
A imprensa dominicana, senhoras e senhores, constitui-se no mais efetivo gabinete de sentinelas que qualquer presidente pode ter.
A imprensa escrita, o rádio e a televisão formam um sólido triângulo de zelosos vigilantes da ação dos Poderes do Estado. Estão fazendo o que devem fazer, velar para que o governo, os legisladores e os juízes operem com eficência e transparência.
Para mim esse serviço é extraordinário.
Primeiro, porque o trabalho que realizam é diário, intenso, preciso, incisivo e quase sempre correto.
Segundo, porque fornecem esse trabalho sem qualquer custo ao governo.
Os que não sabiam, já sabem porque nunca fecharei a janela de meu carro ou ligarei o rádio para não ouvir a imprensa.
Há situações em que a imprensa pode cometer erros?
Se o presidente da República, com muito mais informação nas mãos do que a imprensa, em ocasiões se equivoca, não devemos nos surpreender se de vez em quando isso suceder a algum jornalista.
Errar é humano. Até prova em contrário, os políticos e os jornalistas, pertencemos a esta categoria.
Eu mesmo, quando erro, faço uma retificação. A imprensa dominicana também soubre retificar.
Antes de concluir, quero deter-me um momento em um assunto que nos concerne a todos, inclusive os políticos, os donos de meios de comunicação e os jornalistas.
Refiro-me ao papel que podem e devem ter os meios para estimular a discussão construtiva e incentivar a discórdia estéril no debate dos problemas do continente que é feito por esses meios.
A América Latina e o Caribe têm muitos problemas.
Os mais importantes, ao nosso ver, são a pobreza e a desigualdade.
Para ter progresso na erradicação da pobreza e na melhoria da distribuição da renda, todos os países do continente necessitam de estratégias de desenvolvimento coerentes.
Para concordar a respeito de tal estratégia e sua implementação, os líderes políticos do continente necessitam a participação e colaboração da imprensa.
Não para que apóiem o governo ou a oposição, mas para que nos ajudem a determinar a verdade.
A discórdia improdutiva se transformou em uma séria barreira para implementar a estratégia integral de desenvolvimento que devemos instaurar em cada um de nossos países, se quisermos deixar para trás a pobreza e o atraso.
A discórdia, infelizmente, tem sido muito destacada nos meios de comunicação.
O que quero propor hoje é a redução da ênfase na discórdia estéril e o aumento da discussão construtiva.
A discórdia produz rupturas hostis; a discussão, em troca, dá lugar a debates produtivos.
Uma sociedade livre se fortalece com a discussão, porém se enfraquece com a discórdia.
A discussão construtiva é o sangue que dá vida à democracia; a discórdia improdutiva é o câncer que a destrói.
Os que participam de discussões debatem, pois buscam soluções a problemas comuns; os viciados em discórdia brigam, pois perseguem o poder para si próprios.
Ainda correndo o risco de que a imprensa me vire as costas, me atrevo a propor que os meios de comunicação sejam mais abertos à discussão construtiva e menos à discórdia estéril que se origina na intransigência, intolerância e a incapacidade de alguns de colocar à frente os interesses nacionais e atrás os interesses particulares ou partidários.
Se formos capazes de discutir de forma aberta e transparente nossas propostas, poderemos elaborar e executar as estratégias de desenvolvimento que permitam que nossos povos avancem, prossigam e prosperem.
É isso, amigos da Sociedade Interamericana de Imprensa, que lhes proponho hoje.
Que a imprensa aproveite o excepcional poder que tem, para estimular a discussão construtiva sobre as idéias e os programas de desenvolvimento. Mas também que utilize seu poder para fechar as portas à discórdia improdutiva que tem sua origem em egoísmos incompatíveis, com a esperança de milhões de latino-americanos na capacidade de seus líderes para conduzir nossas nações, do atraso e do subdesenvolvimento, para o progresso e a modernidade.
Não tenho medo de que alguns dos presentes percebam que acabaram de ouvir, uma vez mais, outro político sonhador da região, dessa vez na República Dominicana.
Não tenho medo porque, na verdade, o que tenho é um sonho.
Sonho com um continente no qual a imprensa livre se constitua como principal aliado e suporte do povo latino-americano em sua travessia do progresso para a prosperidade.
Falo de um sonho irrealizável. Décadas atrás, pensava-se que o direito à liberdade de imprensa pertencia ao âmbito da utopia. Vimos como em um número crescente de países a utopia se transformou em realidade.
Além da liberdade de imprensa, os latino-americanos e os caribenhos, a maioria dos quais vivem na pobreza e na indigência, necessitam de uma imprensa capaz de orientar a discussão de nossos problemas por caminhos que levem à busca da verdade e ao encontro de soluções.
Será que o que estou propondo é possível?
É esta a pergunta que faço a vocês hoje, amigos da imprensa.
Tenho consciência da dimensão da cruzada pelo desenvolvimento e a modernização que temos à frente.
Mas, com a ajuda de uma imprensa verdadeiramente livre e comprometida apenas com os interesses da maioria e não com os interesses de grupos econômicos que tendem a agir com estupidez, estou seguro que progrediremos.
E com a benção de Deus, não tenho dúvidas de que venceremos.
Mais uma vez, sejam todos bem-vindos a um país pobre em nível de vida e bem-estar, mas rico, muito rico, na capacidade de trabalho de seu povo e nas vontades necessárias para progredir com justiça social, que para mim não é outra coisa senão a confluência da liberdade política, independência econômica, igualdade de oportunidades e, que ninguém duvide, liberdade de imprensa.
Muito obrigado.