09 Maio 2013
Discurso de posse do presidente da SIP Período 2010-2011
Discurso de posse do presidente da SIP
Período 2010-2011
Gonzalo Marroquín Godoy
Em meados do século passado, principalmente no período após a Segunda Guerra Mundial, os regimes militares e ditatoriais governaram a maior parte da América. Tinham em comum o uso da repressão, da força bruta e a restrição das liberdades, e tudo isso para controlar os nossos povos.
A violação dos direitos humanos foi brutal e, em alguns países, bem pior que em outros. A primeira liberdade que esses regimes autoritários tentavam coibir era a liberdade de informar e de ser informado, porque, como todos sabemos, um povo que não está informado permite que seus direitos fundamentais sejam desrespeitados e maculados. Não havia muita possibilidade de levantar a voz.
Assassinatos, ameaças, prisões e a perseguição a jornalistas foram uma constante e, muitas vezes, nem eram denunciados com vigor. O resultado? Todo um continente foi silenciado e as ditaduras exerceram sua opressão ao seu bel-prazer.
Em defesa da imprensa do nosso hemisfério, devo reconhecer que houve vários jornais e jornalistas que nunca esmoreceram, que sempre elevaram sua voz para defender os princípios e os direitos que estavam sendo violados. Infelizmente, eles não foram a maioria e nunca houve uma aliança forte entre a sociedade e a imprensa.
Eu mesmo vivi um dos casos mais emblemáticos a esse respeito. Na Guatemala, a imprensa foi brutalmente reprimida, e o resultado foi a autocensura da maioria dos meios de comunicação. Isso facilitou também a constante violação dos direitos humanos e permitiu que não fossem ouvidas em toda a sua força as vozes que clamavam pelo fim da repressão e da violência.
O silêncio forçado nunca traz coisas boas.
Graças a Deus, a partir dos anos 70, essas ditaduras começaram a desmoronar, uma atrás da outra. Com a vergonhosa exceção de Cuba, a democracia voltou a todas as nações latino-americanas, e muitos pensamos que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, indispensáveis para o desenvolvimento das sociedades democráticas, seriam respeitadas integralmente e que iriam, inclusive, se fortalecer.
Nunca poderíamos ter pensado que muitos políticos que antes clamavam pelo seu direito de expressão fossem se transformar, depois que chegassem ao poder, em personagens tão intolerantes quantos os ditadores militares, ainda que atuando de forma mais sofisticada para que não fossem acusados, como aqueles, de assassinos.
Os civis chegaram ao poder por meio dos votos, mas desde então a liberdade de imprensa enfrenta novos inimigos, desta vez com diferentes métodos e estratégias, mas que pretendem igualmente controlar as informações e calar a sociedade.
Quem detém as informações, detém o poder. Este ditado, cheio de sabedoria, explica por que os presidentes intolerantes com vocação para ditadores tentam controlar o fluxo de informações, tendo sempre em vista perpetuarem-se no poder ou pelo menos influenciar, segundo seus próprios critérios, as decisões dos cidadãos.
Por que Hugo Chávez restringe os espaços da liberdade de expressão na Venezuela e logo depois fecha meios de comunicação, como a RCTV, e finalmente mantém uma constante perseguição à imprensa independente?
Pelo mesmo motivo que os ditadores do século passado, inclusive Fidel Castro, de Cuba, decidiram não permitir a livre troca de ideias, sabendo que o ser humano é livre por natureza e que a única maneira de impedir que exerça seus direitos e liberdades é cerceando as opiniões. O homem ou a mulher que não tiver permissão para se expressar não poderá exercer seus direitos democráticos.
Chávez o faz, então, porque quer se perpetuar no poder, e quer manter o poder por meio do controle das informações. Quanto menos informado for um povo, maiores as possibilidades de manipular a democracia.
Porém, cuidado: não estamos diante de um problema de ideologias. Trata-se de uma falta de espírito democrático. São presidentes que querem se perpetuar no poder, pessoas que não respeitam a democracia, mas que em nome dela estão dispostas a violar qualquer princípio ou valor que as impeça de alcançar seus objetivos perversos.
O assassinato de jornalistas não está necessariamente entre as novas estratégias dos políticos para silenciar a imprensa. Agora são promulgadas leis restritivas, persegue-se legalmente a mídia e os jornalistas. Quero destacar essa suposta legalidade, que foi construída com base nas leis espúrias aprovadas contra os bons princípios democráticos.
Menciono em primeiro lugar Chávez, porque ele criou uma agenda que foi em seguida imitada por outros governantes, como Rafael Correa, no Equador; Evo Morales, na Bolívia; Daniel Ortega, na Nicarágua, e Cristina Kirchner, na Argentina. Há duas coisas que todos eles têm em comum: a intolerância e a ânsia de se manter no poder.
Insisto, porém, que o problema não é ideológico. Poderia dar exemplos de políticos de ideologias diferentes que governaram no passado recente em outros países e que também se mostraram desejosos de controlar as informações, controlando a imprensa, pagando a imprensa amiga e reprimindo a imprensa que consideram de oposição, simplesmente por sua linha independente.
As ditaduras e os governos autoritários, sem distinção ideológica, não são amigos da imprensa, porque a imprensa, a expressão e a informação representam o espírito da liberdade, e esses políticos não acreditam nela, apesar de a utilizarem para manter vivos os discursos demagógicos em favor dos direitos e das liberdades.
Cabe, então, perguntar: Quando um regime desses reprime a imprensa de qualquer forma que seja, quem está na verdade sendo afetado? É claro que pode ser, à primeira vista, o jornalista ou um meio de comunicação, mas no fundo o prejuízo maior não é para nós, mas sim, infelizmente, para toda a sociedade, para a democracia e para as pessoas, individualmente.
Estes e outros governos do continente utilizam também a perseguição judicial, o prêmio ou castigo aos meios por sua linha editorial, o que inclui a manipulação da publicidade e dos recursos oficiais e, entre outras medidas, a ameaça, prisão e agressões verbais para prejudicar a credibilidade dos jornalistas.
É esse o cenário da liberdade de imprensa no hemisfério, do ponto de vista político. Nossas democracias não estão fortalecendo, necessariamente, a liberdade de expressão. Aqueles que são chamados a defender os princípios democráticos muitas vezes os enfraquecem intencionalmente em benefício próprio ou do partido.
Temos agora outro perigo que ameaça a liberdade de imprensa. Trata-se do crime organizado, particularmente o narcotráfico, o qual, assim como aqueles políticos, tentam calar a imprensa para controlar as informações.
O México é o melhor exemplo disso atualmente, mas antes foi a Colômbia o país que mais sofreu com esse flagelo que não é tão moderno assim. As agressões, assassinatos, sequestros e ameaças a jornalistas já fizeram com que alguns meios recorressem à autocensura para sobreviver.
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Na SIP, mantemos uma postura constante de solidariedade com nossos colegas mexicanos. Solidariedade que ultrapassa uma simples postura de observação e acompanhamento. Temos tomado algumas medidas, inclusive promovendo alianças de meios, capacitando jornalistas a fazer coberturas em situações de risco e, sobretudo, pedindo às autoridades que cumpram sua obrigação para garantir o direito a informar e de ser informado da forma mais completa possível.
Pedimos também que aprovem várias leis para promover o fim da impunidade nos crimes contra jornalistas, um mal que assola quase todos os países nos quais jornalistas foram assassinados no cumprimento do seu dever.
Curiosamente, o crime organizado deseja o mesmo que aqueles políticos intolerantes e prepotentes. Quer que as informações não estejam em poder dos cidadãos. Deseja monopolizar as informações tanto quanto aqueles políticos. Mais uma vez, nos perguntamos: quem é o mais prejudicado com isso?
A resposta é a mesma: o maior prejudicado é a sociedade em geral, que está perdendo seu direito de se expressar, mas também de conhecer a realidade do que acontece ao seu redor. Seu direito de receber informações está sendo violado.
É por isso que na SIP temos uma estratégia definida e sólida na defesa da liberdade de expressão. Sabemos que estamos travando uma batalha dura e enfrentando diretamente os desafios, mas que não podemos, nem devemos, travar essa batalha sozinhos, como temos feito até agora.
O ano de 2011 será para nós o Ano da Liberdade de Expressão. Isso pode soar estranho, já que todos os anos nós nos concentramos nessa luta. Sem dúvida. Mas o objetivo deste ano é promover um maior conhecimento sobre esse tema, em termos individuais e coletivos, nas sociedades de todo o continente.
O objetivo é que a maioria dos norte-americanos, centro-americanos, sul-americanos e caribenhos entenda que quando um meio de comunicação ou um jornalista é agredido ou perseguido, o que está sendo atacado é, na verdade, os direitos de todos os cidadãos.
Faremos alianças estratégicas com todos os que compartilham os nossos ideais e princípios e vamos provavelmente elevar o tom das nossas denúncias e usar todos os recursos ao nosso alcance para promover uma América em que se respeitem os princípios e valores e em que gozemos da maior liberdade.
Esse tem sido o discurso da SIP há 66 anos. Mudamos nossa estratégia, porque entendemos que todos, e não só os jornalistas, devem participar da construção do nosso futuro democrático e, para isso, devemos ser inovadores.
Os sonhos de poder absoluto de alguns políticos e governantes não vão desaparecer da noite para o dia, mas na medida em que nossas sociedades despertarem e exigirem seus direitos com vigor, as ditaduras e pseudodemocracias ditatoriais desaparecerão.
Nossa tarefa não é erradicar o crime organizado, mas sim promover sua rejeição e criar mecanismos de autodefesa em todas as comunidades. O debate precisa se manter sempre vivo.
A verdade é que quem detém as informações, detém o poder. É para isso que a imprensa existe, para democratizar as informações. As informações devem estar em poder do povo para que ele exerça seu direito soberano de forjar uma democracia com mais justiça, respeito e oportunidades para todos.
Convocamos, assim, todas as sociedades de todo o continente. Devemos defender a liberdade de nos expressar. Temos o direito de informar e ser informados. Essa não é uma concessão que possa ser feita pelos governos, é parte das nossas liberdades.
Gostaria de encerrar citando a Declaração de Chapultepec, conjunto de dez princípios adotados pela SIP como sendo fundamentais para que exista uma imprensa independente e que, ao cumprir sua função de informar, contribua para fortalecer as democracias.
Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. A liberdade de expressão e de busca, difusão e recebimento de informações só poderá ser exercida se houver liberdade de imprensa.
Muito obrigado.