Discurso de Jaime Mantilla

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Prezados colegas e amigos, Mais de 30 anos se passaram desde que participei pela primeira vez de uma Assembleia da SIP. Durante todo esse tempo, conheci empresários extraordinários, jornalistas renomados, intelectuais respeitados e, o que é mais importante, fiz amigos sinceros que, como eu, têm essa dolorosa paixão pela defesa da liberdade de expressão e de imprensa. A SIP foi para mim, desde que eu era muito jovem, uma referência extraordinária para o trabalho jornalístico que fiz durante toda a minha vida. Carlos Mantilla Ortega teve a honra de ser seu primeiro presidente, de 1949 a 1950. Agora, 63 depois, outro equatoriano assume a presidência dessa grande organização em uma época em que teremos que enfrentar muitos desafios em termos de unidade, de decisões e firmeza quanto às nossas convicções. Como membro do Comitê Executivo durante muitos anos, como presidente da maior parte das comissões da nossa instituição, acredito que entendo os valores, os problemas, as decepções e os triunfos envolvidos na ação dessa Sociedade para defender as liberdades de todos os cidadãos. Eu me preparei com muito entusiasmo para comparecer a esta Assembleia Geral. Infelizmente esse entusiasmo e esse desejo de receber essa honra junto com minha família tiveram que ser refreados e tive que tomar a dura decisão de não participar, devido aos sérios problemas que tanto o jornal que represento, quanto meu país enfrentam, com as medidas agressivas do governo, as quais, tenho certeza, se agudizarão com o início da campanha eleitoral. Como expliquei ao Comitê Executivo, a imprensa independente no Equador continua sendo perseguida pelo governo. No exterior, anuncia defender totalmente a liberdade de expressão de um hábil, porém irresponsável indivíduo que obteve informações de maneira fraudulenta e as divulgou internacionalmente, revelando as obscuras manobras de embaixadas e governos, em uma atitude que viola claramente as bases do jornalismo honesto, ao passo que, no Equador, há um total desrespeito aos direitos humanos de sonhar, se expressar e compartilhar as diversas visões da realidade com liberdade. No relatório que o vice-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa apresentou à Assembleia, apresentamos em detalhes a verdadeira situação da imprensa no Equador, mas não acho que seja necessário mencionar novamente essa situação. Os relatórios dos representantes dos outros países foram igualmente esclarecedores. Assumo essa presidência em um momento perigoso para as liberdades na nossa América. A tendência de muitos governos de diversas ideologias e grupos de poder, de uniformizar o pensamento dos cidadãos livres, eliminar as expressões contrárias, atacar a mídia independente, amedrontar e inclusive eliminar aqueles que denunciam os abusos dos poderes aumentou e tende a se generalizar. Os intelectuais do mundo, e os da América Latina, foram tradicionalmente os que formularam a defesa das liberdades. Seus pensamentos orientaram muitas rebeliões contra poderes e governos ditatoriais e populistas. É lamentável descobrir que muitos desses grupos rebeldes desapareceram ou que se dedicam a defender a existência de obstáculos às mesmas liberdades que antes defendiam. Por isso, o trabalho de uma Sociedade Interamericana de Imprensa transparente e ativa é vital. Devemos, no mundo jornalístico, defender os direitos dos cidadãos à livre expressão. Há poucos anos, por iniciativa de Jack Fuller e Diana Daniels, formulou-se um plano detalhado de reestruturação e desenvolvimento estratégico para adaptar nossa organização às demandas que nos impõe esse mundo de interconexão globalizada. Por iniciativa de Milton Coleman e com o estupendo apoio de María Elvira Domínguez e do grupo designado a trabalhar com ela, resgatando os valores fundamentais do projeto inicial aprovado por esta Assembleia, criou-se um interessante documento que será a base para darmos seguimento a este processo de redefinição das nossas visões em uma estratégia de compromisso de todos os sócios para transformar a SIP em um órgão dinâmico e produtivo e um líder nesses novos tempos. Um dos principais objetivos da gestão que me foi conferida será fornecer o máximo apoio e promover a continuidade, para que esse plano estratégico seja adotado e permita o desenvolvimento dinâmico e harmônico que todos nós desejamos. É necessário e urgente renovar profundamente o conceito de comunicação, marketing e informações da SIP. Para isso, e com o apoio do nosso presidente do Comitê Executivo e de Julio Muñoz, estamos providenciando a reformulação do nosso web site e da nossa presença nas variadas redes sociais. Esse trabalho, que deveremos terminar em três meses, nos permitirá ter uma maior integração na organização e um acesso melhor aos nossos documentos, seminários, biblioteca, eventos, denúncias e medidas tomadas. Um dos maiores obstáculos apontados pelo Comitê estratégico a uma operação mais ágil e para a tomada de decisões da organização é o excessivo crescimento do Comitê Executivo, com a criação de várias comissões que são sem dúvida importantes. Elas às vezes prejudicam essa agilidade administrativa e a reação aos problemas e situações, e por vezes em uma duplicação de esforços. Depois de conversar com alguns de vocês e com diretores da SIP, pareceu-me conveniente iniciar um processo para unir os esforços das comissões, reestruturá-las, coordená-las ou anexá-las a gestões paralelas. Creio que isso, somado ao compromisso de cada diretor em dedicar seu tempo às suas funções, dinamizará a SIP de várias maneiras. Sendo assim, decidi criar um espaço de coordenação dentro da Comissão de Liberdade de Expressão, Imprensa e Informação, que será presidido por Claudio Paolillo. Esse centro trabalhará de perto com a Comissão de Chapultepec, coordenada por Jorge Canahuati, com o apoio de seu vice-presidente, Roberto Pombo. Esperamos com esse trabalho e a orientação dos vice-presidentes regionais otimizar as atividades de defesa e divulgação de todos os aspectos dos princípios de Chapultepec. A Comissão contra a Impunidade trabalhará dentro do espírito de reformulação, e é uma das comissões-chave para manter viva a memória das violações, agressões e crimes contra a mídia e também para acompanhar as ações judiciais. Seu presidente será Juan Francisco Ealy, e José Alberto Dutríz será seu vice-presidente. Uma das Comissões que se mostrou muito eficiente no seu pouco tempo de existência é a de Desenvolvimento Estratégico. Considero que é fundamental para o futuro da nossa organização a coordenação e monitoração das propostas que apresentou ao Comitê Executivo, e por isso pedi a María Elvira Domínguez que continue sendo sua presidente, trabalhando com Fernán Saguier, seu vice-presidente. A Comissão de Finanças e Auditoria, à qual será integrada a Arrecadação de Fundos, deverá ter uma das gestões mais importantes, agora que precisamos da participação de todos os sócios, para otimizar os escassos recursos, garantir que sejam usados da melhor forma, e conseguir os fundos necessários para as operações da SIP. Na minha opinião, é extremamente importante unir a análise financeira, o controle e a arrecadação de receita. Por isso, decidi pedir a Miguel Henrique Otero que seja seu presidente, trabalhando com Bruce Burgman na auditoria e Hugo Hollman em arrecadação de fundos. É importante e urgente criarmos uma campanha agressiva e eficaz para aumentar o número de sócios, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos. Nomeei Paulo de Tarso, nosso excelente anfitrião nesta Assembleia, como presidente da Comissão de Novos Sócios, e Cristina Aby-Azar como sua vice-presidente. Tenho certeza de que o trabalho conjunto de Paulo e Cristina trará resultados e que conseguiremos muitos mais sócios, especialmente nas suas duas áreas de influência. A Comissão de Assuntos Internacionais presidida por Edward Seaton, com o apoio de Carlos Salinas, fará um trabalho muito importante para manter as relações de liderança com órgãos internacionais que lutam pela defesa das liberdades democráticas no mundo. A Comissão Legal contará com uma pessoa muito próxima à SIP nos últimos anos e que testemunhou a atuação dos governos populistas, amparados em reformas e contrarreformas legais para eliminar a livre expressão e a imprensa independente. Asdrúbal Aguiar será seu presidente, com o apoio de Armando González. A Comissão de Prêmios, que envolve um intenso trabalho de avaliação dos trabalhos recebidos, continuará presidida por Francisco Miró Quesada, que contará com o apoio de Cristopher Barnes. Considero que o Instituto de Imprensa pode se transformar a curto prazo em uma importante fonte de recursos para a SIP, e um centro de destaque para agregar jornalistas, editores, gerentes dos meios, não só dentro da SIP, mas em todo o mundo. Como mencionei no início desta apresentação, trabalhamos muito com Juan Luis Correa e Julio Muñoz para criar em pouco tempo um sistema idôneo, ágil e seguro na internet. Agradeço a confiança de todos vocês e principalmente das pessoas que nomeei. Tenho certeza de que veremos em breve os resultados da sua atitude positiva e entusiasta. Quero parabenizar Gustavo Mohme, Bartolomé Mitre Vivian Ann Gittens por suas nomeações como segundo vice-presidente, secretário e tesoureira, respectivamente, e todos os colegas que foram eleitos para compor a junta de diretores. Tenho certeza de que poderemos trabalhar muito unidos durante esse período de transformação que tentarei liderar. Nos próximos dias, anunciaremos os membros de cada Comissão de acordo com as sugestões dos seus presidentes e o compromisso de quem aceitar fazer parte delas. Antes de terminar, gostaria de trazer alguns pensamentos do grande escritor e jornalista Albert Camus. Em 1939, no início da Segunda Guerra e antes de escrever suas obras-primas, Camus publicou no jornal que dirigia na Argélia uma reflexão afirmando que os jornalistas tinham que se manter livres em tempos tão sombrios. O texto foi censurado. Em março passado, foram encontradas várias caixas nos Arquivos de Ultramar em Aix-en-Provence. Camus, que foi comunista militante, foi excluído por defender a igualdade de direitos entre árabes e europeus. Enquanto vigorou a censura, ele publicou seu jornal com trechos manchados e riscados, mas não se submeteu às imposições. Aqui estão alguns parágrafos que nos fazem refletir sobre a atualidade das ideias que ele expressou naqueles obscuros tempos de guerra: “….A questão hoje não é como preservar a liberdade de imprensa. É descobrir como, diante da supressão dessa liberdade, o jornalista pode permanecer livre. O problema não é mais da comunidade. É do indivíduo. Gostaria de definir as condições e os meios pelos quais a liberdade em circunstâncias difíceis pode ser não só preservada, mas manifestada. Esses meios são quatro: a lucidez, a recusa, a ironia e a obstinação. A lucidez supõe a resistência aos movimentos do ódio e ao culto da fatalidade... um jornalista livre em 1939 (e eu acrescentaria, agora), não desespera e luta pelo que acredita ser verdadeiro. Não publica nada que possa incitar o ódio ou provocar desespero. Em face da maré de besteiras, é necessário opor algumas recusas. Nenhuma das limitações do mundo leva um espírito um pouco limpo a aceitar ser desonesto. É fácil nos assegurarmos da autenticidade de uma notícia... É a isso que o jornalista deve dedicar toda sua atenção, pois, se ele não pode dizer o que pensa, pode não dizer o que não pensa ou o que acredita ser falso. E é assim que se mede um jornal livre: tanto pelo que diz como pelo que não diz: Essa liberdade bem negativa será, de longe, a mais importante de todas, se soubermos mantê-la... Pois ela prepara o advento da verdadeira liberdade. Um jornal independente dá a fonte de suas informações, ajuda o público a avaliá-las, repudia a lavagem cerebral, suprime as ofensas, compensa, em comentários, a uniformização das informações e, em resumo, serve à verdade na medida humana de suas forças. Chegamos assim à ironia. Podemos estabelecer que, em princípio, um espírito que tem gosto e os meios para impor limitações é impermeável à ironia. Por isso, a ironia continua sendo uma arma sem precedentes contra os demasiado poderosos. Ela completa a recusa na medida em que permite não só rejeitar o que é falso, mas muitas vezes dizer o que é verdadeiro... A cada dez verdades ditas em tom dogmático, nove são censuradas. A mesma verdade dita de forma agradável não o é senão em cada dez ocasiões... Um jornalista livre em 1939 (e eu acrescentaria, agora) é, pois, necessariamente irônico. Mas a verdade e a liberdade são amantes exigentes, pois têm poucos apreciadores... Esta atitude não poderia se sustentar sem a OBSTINAÇÃO. As ameaças, as suspensões, as perseguições conseguem geralmente o efeito contrário àquele ao qual se propõem. É preciso reconhecer, porém, que há obstáculos desencorajadores: a constância na tolice, a covardia organizada, a ininteligência agressiva... Mas a obstinação se põe a serviço da objetividade e da tolerância. Eis, portanto, um conjunto de regras para preservar a liberdade até mesmo dentro da servidão. E depois? Não sejamos tão apressados. Se cada pessoa quiser apenas manter em sua esfera tudo o que acredita ser verdadeiro e justo, se quiser ajudar de sua frágil parte a manutenção da liberdade, resistir ao abandono e divulgar sua vontade, então, e somente então, essa guerra estará ganha. Sim, é muitas vezes a contragosto que um espírito livre deste século faz sentir a sua ironia. A virtude do homem, porém, é a de se manter diante de tudo o que a nega. É preciso, portanto, testar um método ainda novo em folha, que seria a justiça e a generosidade. Mas estas só se exprimem nos corações já livres e nos espíritos ainda clarividentes. FORMAR ESSES CORAÇÕES E ESSES ESPÍRITOS, OU MELHOR, DESPERTÁ-LOS, é a tarefa ao mesmo tempo modesta e ambiciosa que se apresenta ao homem INDEPENDENTE. É preciso se aferrar a isso sem olhar para mais à frente. A história vai levar em conta ou não esses esforços. Mas eles terão sido feitos.” Espero que essas linhas sejam uma inspiração para todos nós, principalmente para a equipe que convoco para me ajudar a levar adiante a maravilhosa missão que me foi encarregada. Obrigado.

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