A hegemonia da mídia oficialista é um fato indiscutível. Restam poucos meios de comunicação independentes que sobrevivem em meio à deterioração institucional, social e econômica.
O trabalho jornalístico tornou-se impossível diante dos fatores que afetam seriamente a vida democrática. É praticamente inexistente o acesso às informações em poder do Estado, visto que essas informações se reduzem ao que declaram, sem questionamento, verificação ou confirmação os oficiais do regime. A censura prévia, seja por meio da lei de controle de conteúdos em vigor ou o caso mais recente e vergonhoso da aquisição de veículos de mídia social até pouco tempo independentes, aparentemente privados, e ocultada por pactos de confidencialidade, enfraquece a independência editorial. Todas as formas de expressão social e política divergentes são criminalizadas e processadas, sejam de jornalistas, de dirigentes sindicais, estudantes ou políticos. A propaganda oficial evangelizadora domina os horários nobres da programação das rádios e da TV, e gera, através de repetidas cadeias com o presidente ou outros membros do governo, um verdadeiro blackout informativo.
Os poucos meios de comunicação independentes que restam são vítimas do ambiente econômico adverso provocado pelo governo de Nicolás Maduro.
A inflação de 2014 chegou a 65%, a mais alta do mundo. Some-se a isso a queda da receita, uma dívida de 147 bilhões de dólares, a falta de divisas e 3.823% de desvalorização da moeda.
Um comunicado assinado por economistas de destaque afirma que “a falta de abastecimento crônica em nível nacional e a escassez de bens e insumos de todos os tipos, associados à retração da economia e à perda de empregos são algumas das graves consequências que enfrentam os venezuelanos desde o ano passado”. Isso também afeta a imprensa escrita, de rádio e TV, e suas fontes de trabalho.
Em 2014, foram registrados 24.890 homicídios, uma taxa de 82 mortes violentas para cada 100.000 habitantes, a segunda mais alta do mundo.
O governo de Maduro reprime indiscriminadamente qualquer divergência de opinião ou protesto, e manda para a prisão, além de políticos ou pessoas que expressem suas opiniões, quem produzir bens. Alega a existência de uma guerra econômica e midiática que teria provocado as filas que enfrentam durante horas os venezuelanos diante das portas de mercados e farmácias, como resultado do racionamento.
Três ex-presidentes latino-americanos afirmaram ter sido informados da existência de “tumbas” ou espaços construídos subterraneamente, com temperaturas muito baixas, nas dependências da polícia política, e destinados a torturar presos de consciência, estudantes que participaram de protestos ou pessoas acusadas de capitalistas.
Uma parte da oposição divulgou um documento denominado “Acordo Nacional”, no qual convidava o país e o governo a passarem para uma fase diferente, em que fossem feitas correções básicas em âmbito social e institucional. Assinaram o documento, publicado no jornal El Nacional, o preso político Leopoldo López, María Corina Machado e o prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma.
Em 20 de fevereiro passado, enquanto o presidente Maduro discursava nas rádios e na TV, funcionários fortemente armados, sem qualquer investigação prévia nem ordem judicial, sequestraram Ledezma, autoridade mais importante doo governo e eleito por voto popular na capital. Maduro fez o anúncio, alegou que o Ministério Público havia decretado a prisão de Ledezma por ele ter assinado e divulgado o referido “Acordo Nacional para a Transição para a Democracia”. O fato foi considerado um atentado para desestabilizar seu governo.
Em atitude semelhante, o porta-voz do Congresso, Diosdado Cabello, propôs destituir, como o fez com María Corina Machado, o deputado Julio Andrés Borges, autoridade máxima da Mesa de la Unidad Democrática, de oposição.
A censura de tudo isso, exceto do que passa pelas redes sociais enquanto funcionam os servidores sob controle do governo, e do que diz a imprensa internacional, tem sido constante. O governo tenta estabelecer um muro de silêncio através do medo e de ameaças. Um oficial da Marinha, que foi chefe da segurança do falecido presidente Hugo Chávez, acusou as autoridades do Poder Executivo e do Congresso de terem usurpado o poder e de serem coniventes com o tráfico de drogas.
Entre outubro e dezembro de 2014 foram registrados 42 casos de restrição à liberdade de expressão. Em 31,26% dos casos, foram ameaças e intimidações, e em 25% atos de censura. Quanto às vítimas, não são só jornalistas, mas qualquer pessoa dissidente, defensores de direitos humanos, escritores e ativistas políticos.
O ano de 2014 encerrou-se com 64 presos políticos, entre eles 20 estudantes acusados de participação em protestos públicos. O ano de 2015 começou com 40 pessoas presas por participarem de protestos e informarem sobre um protesto ou estarem próximas a um protesto. A maioria deles foi liberada. Duas das vítimas foram torturadas com eletricidade, segundo denúncias de ONGs.
Ocorreram dois tipos de censura a informações. A proibição de acesso às informações oficiais imposta por autoridades do governo ou diretores de meios supostamente independentes, e a recente compra por acionistas anônimos.
Em 2 de dezembro, a Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça negou o pedido de acesso a informações da Defensoria Pública sobre o estado da saúde sexual e reprodutiva do país, solicitado pela ONG Espacio Público e pelas organizações de direitos humanos Provea e Acción Solidaria. O tribunal declarou perante outro pedido da Espacio Público, que as informações relacionadas às telecomunicações são segredo de Estado.
O Cencoex, órgão estatal responsável pela concessão de divisas, negou-se também a fornecer informações à mídia sobre a disponibilidade de divisas. Recusou-se a fornecer informações ao El Nacional sobre o uso das divisas entre julho e outubro de 2014.
Em fevereiro, estudantes que participaram de protestos tiveram seus serviços de telefonia móvel e de internet cortados durante várias horas. A Conatel proibiu em dezembro a Associação Civil Senos Ayuda de realizar uma campanha na TV porque fornecia estatísticas sobre as mortes por câncer.
A censura pelos “novos” e desconhecidos donos dos meios de comunicação recém-adquiridos tem em comum a redução do espaço para denúncias, falta de matérias sobre líderes políticos, e a suspensão de colunistas, mudança de títulos e modificações de matérias jornalísticas.
Em 14 de janeiro, jornalistas da redação do El Universal denunciaram que o jornal havia sido censurado em suas versões impressas e digitais, após uma coletiva com o ex-candidato a presidente, Henrique Capriles, governador do estado de Miranda.
O mesmo ocorreu após a visita dos ex-presidentes do Chile, México e Colômbia. O jornalista Reyes Theis, do El Universal, denunciou a censura imposta pelo presidente do referido jornal, Jesús Abreu Anselmi, a declarações de Andrés Pastrana que afirmara que “se confirmou a condição de preso político de Leopoldo López”.
Os jornalistas Roberto Deniz e Carmen Rosa Gómez denunciaram as pressões que recebiam no El Universal e se demitiram.
A emissora FM Center despediu a jornalista Ingrid Bravo Balabú. Os diretores alegaram que a jornalista não fornecia informações balanceadas sobre os atos da oposição.
Outros fatos importantes neste período:
Em 27 de fevereiro o jornal Tal Cual, cujo diretor é Teodoro Petkoff, saiu de circulação e se transformou em um semanário devido a problemas com papel jornal e pressionado por sete ações judiciais movidas por pessoas ligadas ao governo.
Em 6 de fevereiro, o governo, através da Conatel, decidiu não renovar a licença de operação da Rádio Infinita 90.9 FM, em Barinas, crítica ao regime.
Em 26 de janeiro, a Polícia Nacional Bolivariana confiscou memórias de equipamentos fotográficos dos repórteres gráficos María Gabriela López e Alex Delgado, do El Propio e El Nacional, depois que eles fizeram a cobertura de uma operação policial e ameaçou queimar seus equipamentos.
Em 14 de dezembro, o jornal El Guayanés saiu de circulação por ter esgotado suas reservas de papel jornal. Sua publicação digital foi encerrada em 1º de janeiro após declarar-se economicamente inviável para manter suas operações.
O programa “Actualidad Informativa”, moderado pelo jornalista Héctor Caldera, da rádio 92.7 FM de Monagas foi tirado do ar em plena transmissão.
Em dezembro, desconhecidos lançaram duas granadas fragmentárias contra a sede do jornal regional El Siglo, do estado de Aragua.
Em 24 de novembro, os jornalistas Edison Durán e Abraham Palencia, do jornal El Impulso e La Prensa, junto com Tomás Gaona da Promar Televisión, após terem trabalhado na cobertura de uma rebelião no Centro Penitenciário de Uribana, estado de Lara, tiveram seus equipamentos confiscados sob ameaça de serem sequestrados e mortos por parte de funcionários da Guarda Nacional Bolivariana.
Em novembro, o presidente Maduro acusou a Televen de transmitir programas desrespeitosos para as mulheres e promover imoralidade. Chamou o jornalista Alberto Federico Ravell de “um lixo, covarde.” O diretor geral da Conatel acusou a mídia independente de ser parte de um “exército agressivo”. Cabello acusou a jornalista Laura Weffer de ser conspiradora.
O assédio se estende às redes sociais. Sete tuiteiros (Lessy Marcano, Ginette Hernández, Inés Margarita González Árraga, Víctor Andrés Ugas, Danieli Beniítez, Leonel Sánchez Camero, Abraham David Muñoz Merchán) foram detidos e processados judicialmente a pedido de Cabello, por expressarem opiniões contrárias e fortes ou divulgarem fotos do assassinato do deputado Robert Serra, do governo.
A presidente da Comissão de Mídia da Assembleia, deputada governista Blanca Eekhout, anunciou uma investigação criminal contra o Tal Cual por reproduzir um artigo de um jornal dos Estados Unidos sobre o assassinato do deputado governista Robert Serra.
Cabello anunciou que moverá ações judiciais contra o jornal ABC da Espanha, e contra os jornais El Nacional e Tal Cual, e o portal “La Patilla” por repetirem a declaração de um oficial da Marinha, chefe da segurança do falecido Hugo Chávez e que trabalha para Cabello, que denunciou que ele é chefe do Cartel de los Soles, suposta organização de traficantes de drogas composta por militares venezuelanos.
Em fevereiro, a chanceler Delcy Rodríguez ameaçou tomar medidas legais contra meios de comunicação internacionais por mostrarem a Venezuela como um estado falido. Acusou o jornal ABC e sua correspondente Ludmila Vinogradoff de manipularem as notícias.
Desde o dia 10 de fevereiro, Cabello apresenta e modera um programa (“Com el mazo dando”) na televisão estatal (VTV). No programa, demonstra desprezo pelas normas éticas. Goza do privilégio que não é concedido a nenhum jornalista de ter proteção constitucional de inviolabilidade das suas opiniões e informações e proteção reservada a funcionários de alto escalão do governo.
Com base em evidentes fontes de inteligência do governo – espiões que ele identifica no seu programa sob o nome de “patriotas voluntários” – e sem questioná-las nem verificar sua confiabilidade – revela e informa sobre supostos fatos da vida privada de cada opositor ou empresário ou jornalista que aborrecer o governo. Chega a publicar gravações ilegais para desacreditar aqueles que considera inimigos da revolução.
Nas conclusões da Comissão contra a Tortura da ONU, de 28 de novembro, expressa-se “profunda preocupação com as informações que revelam desqualificações públicas... por parte do presidente da Assembleia Nacional, citando informações de ‘patriotas voluntários’”.
Neste contexto, em 14 de janeiro Cabello acusou a jornalista Mónica Villamizar de ser espiã norte-americana.
Em 13 de fevereiro, Cabello criticou fortemente a jornalista Mariengracia Chirinos e outros ativistas de direitos humanos, acusando-os de serem autores de um relatório sobre seu programa de televisão que eles apresentariam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Madrid, Espanha