BOLÍVIA

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Relatório para a 71a Assembleia Geral

Charleston, Carolina do Sul

2 a 6 de outubro de 2015


No primeiro ano do terceiro mandato consecutivo do presidente Evo Morales e enquanto as suas bases partidárias estudam a prorrogação indefinida da sua permanência na presidência, as pressões contra os meios de informação tornam-se cada vez mais visíveis.

A publicidade estatal se transformou em instrumento de censura. O presidente Evo Morales e o vice-presidente Álvaro García Linera admitiram a exclusão dos meios de comunicação que, na sua opinião, fazem política e mentem.

O jornalismo boliviano observa com preocupação o efeito desta intervenção indireta que determinou o afastamento da jornalista Amalia Pando da Erbol, a mídia radiofônica de maior audiência. Posteriormente, isto afetou outros jornalistas como Enrique Salazar, apresentador do programa de televisão QNMP, após um bate-boca com a ministra de Comunicação, Marianela Paco, no mês de maio e do chefe de jornalismo da Cadeia 'A', John Arandia, pouco tempo depois.

A demissão da jornalista Pando na sua emissora, neste último 27 de agosto, foi uma demonstração da efetividade de uma política governamental de asfixia dos meios de comunicação que criticam a sua gestão. Antes do seu afastamento dos microfones da emissora católica, a comunicadora descreveu uma ação sistemática do governo que, além de retirar sua publicidade, pressionou organizações não governamentais e intimidou empresas privadas, impedindo a transmissão da sua publicidade na Erbol.

Durante uma interpelação na Assembleia Legislativa, a ministra de Comunicação, Marianela Paco, informou que em 2014 foram gastos cerca de 93,6 milhões de dólares na "divulgação de informações" de seu gabinete, e projetou um gasto de 41 milhões de dólares em 2015. Mas evitou fornecer o dado de distribuição da publicidade entre os meios de comunicação estatais, comunitários e privados, motivo pelo qual foi convocada pelos deputados da oposição para dar informações.

O deputado do partido de oposição Unidad Demócrata (UD), Wilson Santamaría, revelou que 55 por cento da publicidade estatal se destinam às redes de televisão privadas ATB, PAT e à BTV administrada pelo Ministério de Comunicação. A verba designada para estes três meios de comunicação é de 60 milhões de dólares aproximadamente e a cobertura de sua audiência alcança somente 10 por cento do público, segundo pesquisa divulgada pelo deputado (Los Tiempos, 29/08/15).

A Associação Nacional de Imprensa da Bolívia (ANP, em espanhol) denunciou em 2014 que uma política de constrangimento tributário e asfixia financeira ameaçava a independência dos meios de comunicação bolivianos.

Em 2015, cinco meios de comunicação de imprensa, rádio e TV foram punidos com multas elevadas por divulgar informações relacionadas às eleições locais e regionais, em consequência de uma legislação eleitoral que impede a divulgação de pesquisas, uma norma contrária às liberdades constitucionais.

A Unidade de Monitoramento e Vigilância da Liberdade de Imprensa e Expressão na Bolívia duplicou a publicação de alertas. Em 2014, os relatos de agressões físicas e verbais, e outros casos que afetaram o trabalho dos jornalistas foram ao todo 43, enquanto nos primeiros oito meses de 2015 chegaram a 60 casos.

O ambiente neste ano foi maculado pela prisão de dois jornalistas durante o exercício de sua missão de informar.

O jornalista do periódico El Diario, Carlos Quisbert, foi enviado à prisão em 9 de março após sentença de uma juíza que considerou seu trabalho de investigação como uma interferência nas investigações que tentam esclarecer a morte de uma criança em um lar do governo para proteção de menores.

Em 24 de julho, o jornalista da Rádio Líder de Potosí, Juan Carlos Paco, foi preso por outra juíza que considerou seu trabalho de reportagem como uma ação violenta contra a tropa de choque da Polícia. Paco cobria o conflito originado nas reivindicações de organizações sociais do departamento de Potosí que viajaram até La Paz para exigir do presidente Morales a construção de infraestrutura que ajude o desenvolvimento de uma das regiões mais pobres da Bolívia.

A ANP e organizações sindicais dos trabalhadores da imprensa se mobilizaram e conseguiram a liberação de ambos os jornalistas, mas a ação do ministério público e da justiça ficam como um sinal de alerta aos jornalistas que tentam informar com imparcialidade.

Em 4 de setembro, uma procuradora de justiça ordenou a detenção do jornalista Esteban Farfán Romero na cidade de Yacuiba, departamento de Tarija, sob a suposta acusação de calúnia. Após 24 horas de privação de liberdade, um juiz ordenou que o comunicador apresentasse a sua defesa em liberdade. Farfán faz denúncias sobre casos de corrupção que são atribuídos às autoridades locais.

As críticas de organizações não governamentais (ONGs) à administração do governo levaram ao endurecimento das normas que regulam o funcionamento de entidades civis sem fins lucrativos, fundações e centros de investigação social. O vice-presidente Álvaro García Linera ameaçou expulsar do país as organizações que questionam o governo porque considera que seu trabalho de análise adquire um cunho político.

Em consequência das advertências governamentais, ao todo 38 organizações não governamentais foram declaradas "irregulares" e não poderão realizar transações financeiras.

Entre as entidades afetadas estão a Assembleia Permanente de Direitos Humanos da Bolívia (APDHB), o Capítulo Boliviano de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento, o Centro de Documentação e Informação Bolívia (Cedib) e a Rede Nacional de Trabalhadores da Informação e Comunicação (Red ADA).

Pelo menos em duas oportunidades, os websites dos meios de comunicação estatais Cambio, Agencia Boliviana de Informações (Abi) e do Ministério de Comunicação sofreram ataques cibernéticos a partir de sites sediados no Chile.

Os ataques consistiram na substituição das mensagens das páginas por legendas de rejeição à demanda da Bolívia de saída para o mar através de regiões que lhe pertenceram antes da Guerra do Pacífico, em 1879.

Na Bolívia, a legislação contra crimes de informática ainda é bem deficiente. O artigo 363 bis do Código Penal sobre manipulação em informática estabelece: Aquele que, com a intenção de obter um benefício indevido para si ou para terceiros, manipular o processamento ou transferência de dados de informática capaz de conduzir a um resultado incorreto ou evite algum processo cujo resultado teria sido correto, ocasionando desta forma alguma transferência patrimonial em prejuízo de terceiros, será punido com pena de reclusão de um a cinco anos e com uma multa de sessenta a duzentos dias.

O artigo 363 ter. sobre Alteração, acesso e uso indevido de dados de informática, dispõe: Aquele que, sem estar autorizado, se apodere, acesse, utilize, modifique, suprima ou inutilize dados armazenados em computador ou qualquer suporte informático, ocasionando prejuízo ao proprietário da informação, será punido com prestação de serviços (obrigatórios) por até um ano ou com multa de até duzentos dias.

Outros fatos em destaque neste período:

Em 24 de agosto: o Ministério do Trabalho da Bolívia associou a campanha de solidariedade dos ouvintes da Rádio Erbol com a lavagem de dinheiro e despertou a suspeita de que "Os organismos internacionais do imperialismo, como a –Central de Inteligência Americana- CIA, e outros, pudessem utilizar esses mecanismos para continuar seus ataques contra o Governo relativos ao Processo de Câmbio e seus procedimentos de Golpes (de Estado) Suaves".

Em10 de agosto: a jornalista Amalia Pando denunciou a intenção governamental de fechar a Rádio Erbol de La Paz, como parte da estratégia de silenciar os meios de comunicação independentes, com o objetivo político de reeleição indefinida do presidente Evo Morales, e invocou a solidariedade dos cidadãos para financiar o trabalho da emissora.

Em 17 de julho: a jornalista e apresentadora de um programa de televisão independente transmitido no povoado de Yacuiba (Tarija), na fronteira ao sul do país, Nataly Herrera Vedia, recebeu ameaças de invasão e queima de sua casa através de mensagens das redes sociais e geradas em celulares de seguidores do subgovernador José Quecaña.

Em 3 de junho: o jornalista independente da cidade de El Alto, Roger Romero Cossío, foi agredido por um grupo de pessoas supostamente por vingança pelas denúncias de corrupção que fez em seu programa de televisão.

Em 15 de abril: o Tribunal Eleitoral Departamental (TED) de Santa Cruz multou a Rádio Televisão Universal (RTU) do município boliviano de Montero por divulgar propaganda eleitoral sem autorização e o diretor da mídia, Ciro García Becerra, recorreu da condenação. O pagamento em espécie da multa de 55.000 dólares poderia provocar o fechamento do canal, advertiu o comunicador.

Em 1o de abril: os jornalistas dos canais privados de televisão PAT, Irene Torrez e Edwin Choque, da Red Uno, denunciaram Hugo Morales, irmão do presidente Evo Morales, e sua acompanhante de nome Lazo, por agressões e ameaças enquanto o Sindicato de Trabalhadores da Imprensa de Oruro exigiu desculpas públicas.

Em 27 de março: a Federação Sindical de Trabalhadores da Imprensa do departamento de Cochabamba se declarou em estado de emergência e vigília permanente após seus afiliados receberem ameaças e pressões políticas, durante as reportagens de cobertura prévia das eleições regionais (subnacionais) de 29 de março.

Em 19 de março: os cinegrafistas da Red Uno, Luis Miguel Oporto, e do Canal 34, Erick Mayta, foram agredidos a pauladas por militantes do partido governista Movimiento al Socialismo (MAS), enquanto tentavam entrevistar o candidato governista à Prefeitura, Édgar Patana.

Em 19 de março: a Associação Nacional de Imprensa da Bolívia (ANP) denunciou que o Tribunal Eleitoral Departamental de Beni impôs una multa de 72.000 bolivianos (cerca de 10.374 dólares) ao jornal La Palabra del Beni pela divulgação de conferência de imprensa convocada pelo governador da região, Carmelo Lens, para este último 2 de março.


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