O conflito político, o autoritarismo do governo e as agressões contínuas às liberdades de expressão e de imprensa ficaram mais evidentes desde a explosão da crise social em 18 de abril. O que foi o início de um protesto por uma reforma do seguro social, acabou se tornando uma das maiores crises políticas da região depois da repressão brutal ordenada pelo presidente Daniel Ortega por meio das forças policiais e paraestatais.
Os protestos e a repressão continuam diariamente em todas as regiões do país.
O relatório da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPDH) de 23 de setembro menciona 512 mortos, 4.062 feridos, 103 com lesões graves com dano permanente, 1.428 sequestrados ou desaparecidos por grupos armados não autorizados (parapoliciais), dos quais somente apareceram 123 pessoas que denunciaram terem sofrido torturas. Todas estas violações dos direitos humanos foram documentadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
A origem desta crise está na erosão progressiva das instituições democráticas desde que o presidente Daniel Ortega tomou o poder em janeiro de 2007. O Poder Executivo controla todos os poderes e instituições do Estado.
O diálogo nacional convocado no início da crise com a mediação da Conferência Episcopal da Nicarágua não teve resultados positivos. Após a repressão inicial houve uma "caçada" aos manifestantes que são acusados de terrorismo e crime organizado, mediante julgamentos sumários e secretos por juízes a serviço do regime político.
Não se permitiu a presença da mídia independente nesses julgamentos. O presidente Ortega acusou a empresa privada de "terrorismo econômico" por exigir um diálogo. Os maiores obstáculos à cobertura dos meios independentes foram impostos pelos juízes Henry Morales Olivares, de Manágua; Karen Chavarría, da mesma comarca e Ernesto Rodríguez Mejía, encarregado do julgamento pelo assassinato do jornalista Ángel Gahona López, ocorrido em 21 de abril.
Tanto o Conselho Permanente da OEA quanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenaram o Governo e solicitaram que ele retome o diálogo como a única maneira de resolver a crise.
Projeta-se uma queda de 1 a 4% na economia, cujo crescimento previsto seria de 4,5% em 2018. Perderam-se 250.000 empregos, o turismo é quase inexistente e os investimentos tanto nacionais quanto internacionais estão paralisados, assim como o setor de construção. Muitas lojas comerciais estão fechadas ou semiparalisadas.
A liberdade de imprensa encontra-se nitidamente sob ataque, como a missão conjunta da SIP e Repórteres sem Fronteiras conseguiu comprovar ao visitar o país de 13 a 15 de agosto.
O relatório da missão destacou que as práticas de agressão contra os jornalistas independentes, em especial em casos no interior do país, manifestaram-se por meio de ameaças, perseguição, intimidação e campanhas de difamação.
Entre esses casos se destacam o incêndio em 22 de abril das instalações da Rádio Darío, na cidade de León, com todo o seu pessoal no interior do prédio e o assassinato do jornalista Gahona López, em Bluefields. Dois jovens que estavam perto da ocorrência foram acusados e condenados por este assassinato, porém a família de Gahona López e os acusados negam a esta suposta autoria do assassinato. O julgamento em que foram condenados não teve a presença de jornalistas, o que é contra o direito constitucional que manda que os julgamentos sejam públicos.
Além disso, vários jornalistas de Bluefields, entre eles Ileana Lacayo, Sergio León e Migueliuth Sandoval, viúva de Gahona López, foram apontados nas redes sociais como os autores intelectuais do assassinato do jornalista, revelando uma das formas de difamação que o regime utiliza.
Em consequência da visita a Manágua, a SIP distribuiu um manifesto de apoio à Nicarágua publicado em numerosos meios de comunicação da região. Também em conjunto com as organizações IFEX-ALC e AMARC, ela enviou um relatório ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para consideração no Exame Periódico Universal (EPU) sobre direitos humanos.
Outros fatos relevantes:
A TELCOR, entidade reguladora do espectro de rádio e televisão, tirou do ar os canais 12, 23 e 51 (Canal da Igreja Católica), além do canal 15 (100% Noticias), Telenorte na cidade de Estelí e outros meios televisivos.
Em 30 de maio, houve um ataque violento contra as instalações da emissora de televisão 100% Noticias.
As instalações dos meios oficiais La Nueva Radio Ya e Radio Nicaragua foram incendiadas.
Grupos paramilitares junto com as chamadas "turbas sandinistas", além de reprimir, também roubam.
No primeiro plantão contra as reformas do Instituto Nicaraguense de Segurança Social em abril, o fotógrafo da AFP, Alfredo Zúñiga, sofreu vários ferimentos na cabeça, além do roubo da sua câmera.
Em 20 de abril turbas orteguistas entraram na Catedral de Manágua para agredir os jovens que lá se encontravam abrigados. O fotógrafo Uriel Molina, do La Prensa, fazia a cobertura dos fatos quando foi agredido e assaltado pelas turbas. Eles roubaram seu equipamento de trabalho, no valor de mais de 4.000 dólares.
Pouco depois do assassinato de Gahona López, o jornalista americano Tim Rogers, do canal digital Fusion, dos EUA, decidiu abandonar a Nicarágua pelas ameaças recebidas de pessoas ligadas ao governo, que o acusavam de pertencer à Agência Central de Inteligência de Estados Unidos (CIA).
Em 18 de junho, o jornalista Eduardo Montenegro, dono de uma rádio e de dois canais de TV em Matagalpa, no norte do país, apresentou uma denúncia à SIP. Disse que as ameaças contra ele e outros membros de sua família aumentaram durante o mês de maio. "Recebemos numerosas chamadas com ameaças de morte e de pôr fogo às instalações do canal e da rádio Notimat, se continuássemos a cobertura dos protestos", assegurou o jornalista.
Em 19 de junho, enquanto cobriam o ataque violento de policiais e parapoliciais (turbas) contra um bloqueio na rotunda de Ticuantepe, os jornalistas de 100% Noticias e do Canal 12 foram ameaçados de morte com fuzis AK e despojados de seus equipamentos de imprensa e pertences pessoais. Nessa mesma manhã, a equipe de La Prensa escapou de disparos realizados por essa mesma força policial, escondendo-se em uma residência.
Em 24 de junho, Mynor García, correspondente do La Prensa em Jinotepe, departamento de Carazo, ao sul da capital, foi assediado em sua residência por partidários do presidente Ortega que lhe atiraram pedras e o ameaçaram com facões, até receber proteção de alguns vizinhos.
Os jornalistas William Aragón, Sara Ruiz e Roberto Mora, correspondentes do La Prensa em Madriz, Jinotega e Estelí respectivamente, foram vítimas de ameaças de morte, perseguição, difamação nas redes sociais e roubo por grupos ligados ao Governo.
Em 28 de junho, Tania Narváez, correspondente em Carazo do El Nuevo Diario, teve que sair de sua casa com seus dois filhos e seu marido porque seus vizinhos a alertaram de que uma pessoa havia tirado fotos da casa. Desde então a ameaçam com chamadas telefônicas e mensagens de texto com insultos e ameaças de morte e violação. Narváez apresentou também uma denúncia por assédio e ameaças. Desde abril, usando perfis falsos no Facebook, a acusam de golpista, direitista e subversiva.
Em 4 de julho, o jornalista William Aragón, correspondente do La Prensa no departamento de Madriz, alertou que a Procuradoria departamental estava preparando um processo para acusá-lo judicialmente.
As ameaças e perseguição contra defensores de direitos humanos e jornalistas se converteram em uma "caça às bruxas" pelo governo. As jornalistas Adelayda Sánchez, do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Gabriela Castro e Ileana Lacayo abandonaram suas residências devido às ameaças recebidas.
Vários ataques cibernéticos foram feitos contra os portais de La Prensa e Confidencial.
Os jornalistas do Canal 10 e seu chefe de redação, Mauricio Madrigal, ameaçaram pedir demissão do grupo se não fossem autorizados a informar sobre a crise. O Governo tentou controlar a política informativa do canal através de um emissário, mas foi rejeitado pelos funcionários e pelo gerente do canal Carlos Pastora, que se asilou na Embaixada de Honduras. Este canal, de propriedade de Ángel Gonzalez, e seu noticiário Acción 10, que antes dos protestos cívicos de 18 de abril se havia especializado somente em notícias violentas, havia suspendido suas transmissões durante as primeiras 48 horas do conflito.
Em 9 de julho, o jornalista Uriel Velásquez e o fotógrafo Oscar Sánchez, do El Nuevo Diario, foram agredidos por turbas e civis governistas armados e encapuzados, enquanto faziam a cobertura da visita dos bispos da Conferência Episcopal na Basílica Menor San Sebastián, em Diriamba, Carazo. Também foram atacados bispos e sacerdotes que haviam abrigado pessoas refugiadas na igreja desde a noite anterior.
Em 25 de julho, pessoas encapuzadas e armadas projetaram na parede do edifício do El Nuevo Diario, a partir de camionetas estacionadas, mensagens que diziam: "justiça para as vítimas do terrorismo golpista". Horas depois, fotos do evento foram publicadas nas redes sociais dos canais do governo com o título: "El Nuevo Diario é cúmplice dos golpistas e terroristas".
A Rádio Corporación e a Rádio El Pensamiento de Allan Teffel receberam ameaças de invasão aos terrenos onde têm sua antena.
Além dos danos materiais sofridos pela Rádio Darío, calculados em 450.000,00 dólares, os meios e jornalistas tiveram seus equipamentos roubados, no valor de 146.000 dólares. Entre essas agressões, se destacaram as três câmeras roubadas da 100% Noticias; duas do La Prensa; duas do Canal 12; duas câmeras e um computador da agência Reuters;uma câmera do Confidencial; uma do Canal 23; uma da TV Mered; uma do Canal 10; o roubo de uma lente profissional da câmera do fotógrafo Oscar Sánchez do El Nuevo Diario; roubo da câmera, gravadora e dois mil dólares da jornalista alemã Sandra Weiss; roubo de uma mochila e equipamentos de um jornalista francês e uma câmera de um repórter fotográfico de uma agência.
Tanto El Nuevo Diario como La Prensa sofreram apreensão de materiais, como papel, tinta e outros insumos, pela Direção Geral de Aduanas (DGA), apesar de terem pago os impostos.
Em 12 de agosto, o jornalista Eliud Garmendia Flores, do El Nuevo Diario, foi detido e interrogado por policiais encapuzados nos arredores da Universidad Politécnica (UPOLI). O jornalista denunciou que desde maio é assediado por pessoas ligadas ao governo, em redes sociais e por turbas motorizadas que em duas ocasiões cercaram a sua casa, depois de ele publicar nas redes sociais um vídeo sobre protestos contra o governo.
Em 29 de agosto, a jornalista Keysi García Pérez e o fotojornalista Orlando Valenzuela, do El Nuevo Diario, foram atacados à entrada da Direção de Auxílio Judicial da Polícia Nacional. Um grupo de simpatizantes sandinistas gritavam que eles eram "terroristas", "mentirosos", "manipuladores" e os acusavam de "receber dinheiro" dos Estados Unidos para publicar "mentiras".
Em setembro, a DGA bloqueou a entrega de matérias-primas do El Nuevo Diario, afetando também os jornais Metro e QHubo que integram o grupo ND Medios. A empresa pagou os impostos a partir de 6 e 9 de setembro, mas, em 19 de outubro, a DGA ainda mantinha retido um carregamento de tinta preta e matrizes térmicas. Em julho, a DGA reteve sem justificativa um carregamento de papel e de tinta, obrigando a reduzir a quantidade de páginas em full color. Um funcionário da Aduana disse que havia uma ordem "de cima" para não entregar as importações a determinados meios de comunicação.
Em 16 de setembro, ao concluir a marcha cidadã "Resgatando a pátria" na rotunda de Cristo Rey, Manágua, turbas do Governo chegaram em camionetas sob a proteção da Polícia. Os jornalistas do El Nuevo Diario, Uriel Velásquez e Nayira Valenzuela foram atacados a pedradas por encapuzados. Fugiram e foram perseguidos por membros da turba.
Em 2 de outubro, o jornalista e documentarista austríaco-americano David Goette-Luciak foi preso e expulso do país usando shorts e descalço, sem o devido processo.