O governo de Nayib Bukele foi marcado, nesse período, por um ataque direto à imprensa independente e tentativas de estigmatizá-la e encurralá-la. Alguns exemplos são a perseguição fiscal ao El Faro, a tentativa de desacreditar outros meios de comunicação, vinculando-os a partidos políticos e referindo-se de maneira pejorativa a jornalistas que questionavam o governo diante do aumento da corrupção, do nepotismo e da arbitrariedade.
Desde que assumiu a presidência, Bukele tem hostilizado a imprensa independente em coletivas de imprensa, em mensagens em redes sociais, entrevistas e cadeias nacionais, e também por meio de discriminação na pauta oficial. O governo ataca jornalistas e pessoas em geral com uma vasta rede e trolls.
Além disso, ataca também o Tribunal Constitucional da Corte Suprema de Justiça e a Assembleia Legislativa.
O jornal digital El Faro tem sido vítima de perseguição de fiscais do ministério da Fazenda que, inclusive, tentam interferir nos critérios editorais. As inspeções, que buscam encontrar supostas irregularidades, começaram a ser realizadas quando o El Faro divulgou que o governo de Bukele negocia com a quadrilha criminosa Mara Salvatrucha (MS13) a redução dos homicídios para favorecer eleitoralmente o Nuevas Ideas, seu partido. O jornal denunciou que seus jornalistas estavam sendo alvo de escutas telefônicas enquanto faziam suas investigações.
Em 24 de setembro, Bukele atacou o El Faro e os jornais Co-latino, El Diario de Hoy, La Prensa Gráfica e El Mundo, exibindo suas primeiras páginas e vinculando-os a partidos políticos.
Ele também desqualificou vários jornalistas e meios digitais, acusando-os de receber financiamento da fundação George Soros e da Open Society Foundation, argumento que usou para desqualificar também seis congressistas dos Estados Unidos que lhe enviaram uma carta sobre "um lento, porém constante abandono do estado de direito e das normas democráticas que nosso hemisfério tanto lutou para preservar", referindo-se à militarização da Assembleia Legislativa e às negociações entre funcionários públicos e integrantes de gangues.
Em meados de setembro, outros 12 congressistas dos Estados Unidos lhe enviaram uma carta na qual expressavam sua preocupação "diante da crescente hostilidade de seu governo em relação à imprensa independente e ao jornalismo investigativo em El Salvador".
A Lei de Telecomunicações prevê, no seu artigo 127, que o presidente tem direito a convocar cadeias de rádio e televisão em casos de calamidade, guerra ou por motivo de interesse nacional, mas não para atacar a mídia nem nenhum outro setor.
A Associação de Jornalistas de El Salvador, em um pronunciamento que teve o respaldo da Federação Internacional de Jornalistas, resume assim o incidente: "Em cadeia [nacional], o presidente Bukele atacou os jornais La Prensa Gráfica, El Diario de Hoy, El Mundo e Co-Latino, e os meios digitais El Faro, Revista Factum e Revista Gato Encerrado". Anunciou, também, que o ministério da Fazenda iniciou uma investigação por suposta lavagem de dinheiro contra o El Faro. E usou como exemplo de jornalismo de qualidade, o website "La Página", administrado atualmente pelo Conselho Nacional de Administração e Bens (CONAB), órgão controlado em grande medida pelo Executivo".
Nas suas redes sociais, o mesmo Bukele não hesitou em declarar, a respeito dos jornalistas independentes e da APES: "Essas pessoas são intocáveis. Não se pode criticá-las, nem questioná-las, não foram eleitas por ninguém, mas têm privilégios. Elas, sim, podem criticar, atacar, acusar, caluniar, e receber salário (entre outros) para fazer isso. Querem a liberdade de expressão só para elas".
A APES registrou 98 agressões a jornalistas em 2020, entre bloqueios de contas de funcionários em redes sociais e a ordem de deletar fotos e informações de seus dispositivos por parte de policiais e das Forças Armadas. Mantém-se, também, a arbitrariedade de alguns juízes que impedem o acesso de jornalistas a audiências criminais, as quais, por lei, são públicas.
Diante do aumento dos ataques e ameaças contra a mídia e jornalistas independentes, a Assembleia Legislativa criou uma comissão especial para investigar a perseguição e os desmandos do governo.
Além de os profissionais da imprensa independente serem alvo de ataques e represálias, suas famílias também são assediadas ou perdem seus empregos em instituições do governo.
Os jornalistas Eugenia Velásquez e Jorge Beltrán Luna foram agredidos nas redes sociais por ex-funcionários ligados ao governo. As advogadas Marcela Galeas e Erika Saldaña, colunistas do El Diario de Hoy, também enfrentaram a hostilidade e a agressão verbal por parte de funcionários do governo.
Registrou-se denúncia do roubo de computadores das casas de dois jornalistas, um vinculado à Universidade Centroamericana José Simeón Cañas (UCA) e outro à revista Disruptiva, da Universidade Francisco Gavidia (UFG).
Os funcionários adotaram a postura de negar sua posição ou se recusarem a dar entrevistas a jornalistas e, depois que as matérias são publicadas, reivindicam o direito de retificação ou resposta, não por erros ou imprecisões, mas por diferenças de opinião.
Continua a retirada de publicidade oficial como castigo para a imprensa independente, e foi isso que aconteceu há mais de um ano com o El Diario de Hoy e que acontece desde fevereiro com o Canal 33 de Televisión, associado à Universidade Tecnológica.
A Associação de Rádios Participativas (ARPAS) pediu que o governo fosse transparente sobre a negociação da Loteria Nacional de Beneficência com empresários israelenses. A imprensa denunciou que o governo nega acesso a informações sobre o Hospital El Salvador, criado para atender casos de Covid-19.
O governo está usando para sua propagando meios de comunicação privados que foram confiscados pelas autoridades e entregues ao Conselho Nacional de Administração de Bens (CONAB), entidade do governo que cuida dos bens em extinção de domínio.
O governo de Bukele criou um noticiário para a TV do governo para difundir propaganda governamental disfarçada de notícia. Serafín Valencia, relator de Liberdade de Expressão da APES, afirmou que para criar o novo noticiário, o canal estatal 10 despediu no final do ano anterior cerca de 80 jornalistas e funcionários do canal e da Rádio Nacional.
Bukele também anunciou a criação do Diario de El Salvador, também do governo e em versão digital e impressa. Bukele prometeu que será o jornal de maior circulação do país e que será vendido pela metade do preço dos jornais privados. Alegou que essa empresa será estatal, que vai gerar empregos e pagar impostos. Porém, as entidades de jornalistas reclamam que não se tratará de um meio de comunicação público, cumprindo os padrões para esse tipo de meio, mas que servirá para difundir propaganda governamental.
Em uma de suas últimas manobras para interferir numa das instituições que garantem o acesso às informações oficiais e luta pela corrupção, o governo nomeou um ex-funcionário como "representante dos jornalistas" no Instituto de Acesso à Informação Pública (IAIP).
Isso aconteceu depois de um processo, considerado viciado, do qual a APES foi excluída e em que candidatos foram escolhidos com a participação de apenas duas associações, quando a lei exige que sejam três. Houve denúncia de que o nomeado como titular e seu suplente estão ligados ao governo. Uma manobra semelhante aconteceu em janeiro, quando se nomeou o chefe de Comunicações do ministério do Interior, que teve que renunciar logo em seguida.
Bukele modificou os regulamentos do IAIP para conceder mais poderes ao presidente da entidade e, entre outras coisas, criou mais obstáculos para que os cidadãos tenham acesso a informações. Todas essas medidas foram denunciadas perante a Corte Suprema de Justiça.
O antropólogo Juan Martínez D'Aubuisson, colunista do jornal digital El Faro e da revista Factum, denunciou que em meados de outubro foi vítima de uma agressão e que fontes do aparato de segurança o alertaram que se tratava de um "ato de intimidação" do regime de Bukele.