Estados Unidos

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Relatório à 76 Assembleia Geral da SIP
21 a 23 de outubro de 2020
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Este está sendo o período mais turbulento nos últimos anos para a imprensa do país. Os jornalistas que cobriram os protestos pelo assassinato de George Floyd, morto pela polícia em 26 de maio, enfrentaram um aumento significativo de prisões e de violência por parte das forças policiais locais e federais.

O presidente Donald Trump, que faz campanha para sua reeleição, manteve sua retórica contra a imprensa, tanto no Twitter quanto em declarações públicas. O governo de Trump e o irmão do presidente, respectivamente, tentaram, sem sucesso, impedir a publicação de dois livros sobre Donald Trump, e um juiz federal ordenou que a agência de administração do sistema federal de prisões dos EUA (Federal Bureau of Prisons) prendesse novamente o ex-advogado do presidente, Michael Cohen, em represália por seu livro.

Houve algumas vitórias promissoras nos tribunais, mas os últimos meses foram extremamente tensos e trouxeram muitos riscos para os jornalistas.

Muitos jornalistas sofreram agressões físicas em todo o país nesse verão, geralmente de policiais. Em Minneapolis, Minnesota, a polícia atirou no rosto da fotojornalista Linda Tirado e a bala de borracha quebrou seus óculos de proteção, deixando-a permanentemente cega do olho esquerdo. Em Los Angeles, um policial jogou a fotojornalista Barbara Davidson no chão, fazendo com que ela batesse com a cabeça num hidrante de combate a incêndio. Uma jornalista de 17 anos que cobria os protestos para o jornal da escola em Portland, Oregon, foi atingida por gás lacrimogêneo e por granadas de atordoamento. Muitos outros jornalistas foram empurrados e agredidos pela polícia, bem como vítimas de spray de pimenta nesses protestos, apesar de exibirem credenciais que os identificavam como membros da mídia.

A maioria dos ataques a jornalistas foi por parte da polícia, mas o público também os agrediu física e verbalmente. Um jornalista que fazia sua transmissão ao vivo do Times Square em Nova York durante os protestos foi agredido por duas pessoas. Durante um protesto em Louisville, Kentucky, uma pessoa quebrou o para-brisas do carro de uma equipe de notícias.

Os jornalistas que faziam a cobertura depois dos protestos também foram vítimas de agressão física. Um fotojornalista que cobria a visita do prefeito de Filadélfia a uma área onde haviam acontecido muitos protestos levou um soco no rosto de uma pessoa e desmaiou. No total, o U.S. Press Freedom Tracker registrou 148 agressões físicas a jornalistas entre 1o de abril e 30 de setembro, o que significa um aumento assustador nos últimos três anos, em que o número de agressões físicas à imprensa havia oscilado entre 34 e 49 incidentes registrados por ano. Segundo o Tracker, até 8 de outubro e incluindo outras formas de agressão como gás lacrimogêneo, gás pimenta e danos a equipamentos, foram mais de 856 os incidentes relacionados à liberdade de imprensa documentados durante os protestos.

As prisões de jornalistas também aumentaram durante os protestos do verão. De acordo com a mesma fonte, pelo menos 118 jornalistas foram presos até 8 de outubro. O Tracker verificou e publicou relatórios informando que pelo menos 67 jornalistas foram presos entre 1º de abril e 30 de setembro, um grande aumento comparado com as nove prisões de jornalistas em 2019. O repórter da CNN, Omar Jiménez, e outros membros de sua equipe de notícias foram presos pela polícia de Minneapolis enquanto faziam suas transmissões noticiosas.

Mais recentemente, a jornalista Josie Huang foi violentamente presa e acusada de obstruir o trabalho de um encarregado de manter a ordem pública enquanto cobria um protesto no dia 12 de setembro em Los Angeles. O vídeo do incidente mostra nitidamente que Huang se identificou como membro da imprensa, que exibia credenciais da mídia, e que tentou cumprir as ordens policiais, mas mesmo assim o comandante da polícia do Condado de Los Angeles declarou, no Twitter, que Huang não havia se identificado como membro da imprensa e que ela "admitiu mais tarde que não estava usando as credenciais apropriadas".

O Departamento de Polícia reforçou sua conduta lamentável quando respondeu a uma carta do Comitê de Repórteres para a Liberdade de Imprensa (Reporters Committee for Freedom of the Press) que pedia que as acusações contra Huang fossem retiradas. O departamento afirmou que ela "se transformou em parte do problema ao se aproximar demais da situação", enquanto cobria as prisões de manifestantes. Vários outros jornalistas foram presos enquanto cobriam protestos em todo o país, desde Kalamazoo, Michigan e Dover, até Delaware.

O presidente Trump continua agredindo verbalmente a imprensa apesar da onda de prisões e agressões a jornalistas nos últimos meses, e comemorou o fato de o apresentador da MSNBC, Ali Velshi, ter sido vítima de uma bala de borracha enquanto cobria os protestos. Trump continua difamando a imprensa no Twitter, chamando os meios de comunicação de "fake news", de "inimigos do povo" e de "o verdadeiro partido de oposição". Acusa a mídia também de se associar ao Partido Democrata para promover a desinformação.

É preocupante o fato de as autoridades federais terem monitorado jornalistas que cobriram os protestos recentemente. O Departamento de Segurança Nacional (Department of Homeland Security – DHS) compilou "relatórios de inteligência" sobre jornalistas do The New York Times e do blog Lawfare que haviam publicado documentos vazados, mas não confidenciais sobre as operações da DHS em Portland, Oregon, onde autoridades federais foram convocadas para responder aos protestos que se estenderam durante grande parte do verão.

Em uma decisão preocupante, um tribunal de primeira instância de Seattle, Washington, permitiu inicialmente que o Departamento de Polícia de Seattle obrigasse cinco importantes meios de comunicação da cidade a entregar todas as suas fotos inéditas e imagens de vídeo ainda sem processar e tiradas em um raio específico de quatro quarteirões durante um período de 90 minutos, depois da morte de George Floyd. As imagens foram solicitadas para ajudar a polícia a identificar os suspeitos que haviam incendiado carros e roubado armas de fogo durante os protestos.

Os meios de comunicação reagiram à decisão, argumentando que os materiais estavam protegidos pela lei de proteção do estado, mas o juiz do tribunal de primeira instância considerou que o interesse do departamento de polícia em resolver os crimes era suficientemente convincente e ordenou que os meios de comunicação entregassem o fruto de seu trabalho. A Corte Suprema de Washington suspendeu a ordem e o Departamento de Polícia de Seattle finalmente desistiu de obter as imagens e as fotografias, admitindo que provavelmente seriam de pouca utilidade depois de tanto tempo.

Houve nesse verão várias tentativas frustradas de impedir a publicação de vários livros sobre o presidente Trump. Em junho, o governo tentou, sem sucesso, impedir que John Bolton publicasse um livro sobre o período em que foi o principal assessor de segurança nacional do presidente. Duas semanas depois, o irmão do presidente tentou, também sem sucesso, impedir que Mary Trump, sobrinha do presidente, publicasse seu livro intitulado Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man. E, em julho, um juiz federal ordenou que Michael Cohen, ex-advogado do presidente, fosse solto, considerando que Cohen havia sido preso novamente em represália pelos seus planos de publicar um livro sobre o presidente Trump.

Em junho, um tribunal federal de apelações confirmou a decisão de um tribunal de primeira instância que havia declarado que a Casa Branca não podia suspender a credencial de imprensa do jornalista Brian Karem por uma suposta violação das normas de profissionalismo que não haviam sido claramente estabelecidas. A decisão deixou claro que as tentativas da Casa Branca de expulsar ou suspender arbitrariamente jornalistas sem esclarecer os critérios que utiliza, e sem aviso prévio sobre esses critérios, não serão toleradas pela justiça.

Em resposta a apelos nacionais de reforma policial após a morte de George Floyd, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, aprovou uma lei que repeliu o artigo 50-a da Lei de Direitos Civis de Nova York, que evitava que a má conduta de policiais fosse divulgada nos termos da Lei de Liberdade de Informação do estado (Freedom of Information Law – FOIL). Esse passo em prol da transparência teve uma resposta imediata nas ações judiciais movidas em todo o país pelos sindicatos de entidades policiais que queriam proibir a divulgação de determinados registros que antes estavam sob a proteção do artigo 50-a. Até agora, os tribunais na esfera estadual e federal recusaram os pedidos de liminares dos sindicatos, mas essas ações ainda estão nos seus estágios iniciais.

A Voz da América (Voice of America - VOA), organização internacional de notícias financiada pelo governo dos Estados Unidos, utiliza uma proteção jurídica para proteger sua independência editorial. Em 17 de junho, o novo CEO da Agência dos Estados Unidos para Mídia Global, Michael Pack, violou essa proteção ao despedir diretores e funcionários de alto escalão e ao se negar a processar renovações de vistos para jornalistas estrangeiros. Cinco executivos da VOA moveram recentemente ação contra Pack, pedindo que um tribunal restabelecesse tal proteção.

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