VENEZUELA

Aa
$.-
A deterioração da democracia e seus efeitos destrutivos em relação à liberdade de imprensa se agravam a cada dia. Nos últimos seis meses houve muitos protestos e manifestações públicas, onde muitos cidadãos, em sua maioria jovens estudantes e jornalistas, foram detidos, ameaçados, alguns torturados e outros processados judicialmente. Confiscaram equipamentos do pessoal da imprensa, limitaram ou dificultaram as suas atividades, enquanto policiais e militares apagaram as memórias fotográficas de outros, ou, na ausência dessas autoridades, estas ações foram empreendidas pelos chamados "coletivos populares", grupos civis ideologicamente identificados com o governo. A mídia impressa passa por outra grave ameaça à sua sobrevivência pela escassez de papel de jornal e outros insumos essenciais, uma limitação que acarreta o fechamento gradual dos meios de comunicação independentes ou sua redução ao mínimo de páginas até hoje. O governo negou ou mantém suspensa há mais de 18 meses a transferência de dinheiro aos fornecedores de papel e outros insumos. Mais de 30 empresas da mídia impressa sofrem com a escassez de papel e pelo menos 12 deixaram de circular de modo temporário ou definitivo. O diário Tal Cual anunciou que deixará de circular a partir de 22 de outubro, por falta de papel e por sofrer várias perseguições, inclusive judiciais. A consequência é a perda de linhas de crédito e a impossibilidade de garantir qualquer tipo de importação, em um país onde tudo é escasso, não se produz nada e quase tudo o que se consome é importado. Atualmente prevalecem três tipos legais de câmbio da moeda e um quarto câmbio, o paralelo, negro ou "proibido". Como ele existe e é um terreno fértil para a corrupção, o governo proíbe que as pessoas mencionem este quarto tipo de câmbio, sob pena de serem acusadas de conspiração. Neste sentido, o critério do governo no momento de aplicar suas decisões sobre a concessão dos três tipos de câmbio mencionados é o que se destaca como norma, pois existe uma notória discriminação de direitos. O Estado criou a Corporación Editorial Alfredo Maneiro (CEAM), subordinada à Presidência, que se encarrega de processar as importações de papel e depois revender, sempre de modo arbitrário, as quantidades necessárias para a mídia impressa. Em 12 de agosto, a Assembleia Nacional aprovou um crédito adicional para o CEAM e autorizou um investimento de quase dois milhões de dólares para terminar a "construção, adaptação e equipagem da infraestrutura" desta editora. O Secretário do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa (SNTP, em espanhol), Lic. Marco Ruiz, declarou, para este fim, que a centralização das importações de papel de jornal usando uma única entidade subordinada à Presidência significa uma maneira de "institucionalizar o controle do Estado sobre a imprensa", de modo que a sobrevivência ou o desaparecimento da mídia impressa fique em suas mãos. Ruiz lembrou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos enfatizou que as limitações de compra de papel são violações da liberdade de expressão e de informação. Miguel Henrique Otero, o presidente-editor do jornal El Nacional, lamentou as dificuldades que os editores enfrentam e denunciou que eles estão expostos "a serem desqualificados" sem ter a quem recorrer. "Eles nos envolvem em assassinatos de autoridades e terrorismo para difundir o medo e nos desacreditar", comenta. Ele também reclama de uma "pressão administrativa e econômica" constante, porque com o poder que têm, "usam o Seniat (órgão de arrecadação de impostos) para nos auditar pessoalmente e os nossos meios de comunicação". Isso, além da insegurança a que "estamos sujeitos para nos forçar a sair do país". Pela terceira vez este ano, o jornal El Impulso, de Barquisimeto, com 110 anos de existência, quase interrompeu a sua circulação por falta de papel. Nas duas datas iniciais, os empréstimos oportunos de papel concedidos pela Associação Colombiana de Editores de Jornais e Meios Informativos (Andiarios, em espanhol) desempenharam um papel decisivo para impedir o pior.  Na terceira ocorrência, conseguiu-se uma negociação "in extremis", com a Corporación Maneiro, uma estatal venezuelana. Entre setembro de 2013 e setembro de 2014, vários jornais deixaram de circular, entre eles: El Diario de Sucre (Estado de Sucre), Tocha (Estado de Anzoátegui), El Expresso e El Guayanés (Estado de Bolívar), Revista M, Primera Hora, de circulação gratuita e pertencente à Editora El Nacional C.A. (área metropolitana de Caracas). Outros quatro suspenderam temporariamente suas operações: os jornais Versión Final (Zulia), De Frente (Barinas) e El Sol de Maturín, além da Revista Etcétera – publicada pelo jornal La Prensa (Monagas). Foram suspensos também os suplementos Eva's e Chamo's, do jornal El Siglo (Estado de Aragua) e Papel Literário do El Nacional. Cerca de 34 jornais e revistas de 11 estados expressaram suas dificuldades para se manter em funcionamento e foram obrigados a reduzir o número de páginas ou a deixar de circular nos fins de semana. Entre eles, o Correo del Caroní (Estado de Bolívar) que não circula nos fins de semana, o Notidiario que reduziu o número de páginas de 28 para 24, e o semanário de San Félix que sai com 16 páginas. Em Aragua, El Siglo circula com dois cadernos e El Periodiquito diminuiu de 40 para 24 páginas. Em Trujillo, Los Andes baixou de 32 para 24 páginas; em Táchira, o jornal La Nación reduziu de 36 para 16 páginas; em Falcón, o jornal La manãna diminuiu de 42 para 32 páginas e o Diario Nuevo Día também reduziu o número de páginas. Em Caracas, a publicação El Propio e a Revista SIC, do Centro Gumilla da Companhia de Jesus também declararam estar em dificuldades. Além dos problemas da imprensa escrita, os jornalistas enfrentam o clima de insegurança crescente. Como contexto vale mencionar o mês de fevereiro. Grupos de estudantes organizaram protestos em todo o país de forma pacífica. No entanto, foram repelidos pelos militares, com o uso de armas bélicas e substâncias tóxicas proibidas, além de policiais subordinados ao Ministério do Interior e os "coletivos" armados, citados anteriormente. O saldo da ocorrência: 31 mortos e pelo menos 40 casos documentados de tortura, alguns dos quais denunciados às entidades internacionais. Mais de 2.000 jovens foram presos e submetidos a medidas cautelares legais. Dezenas deles, como estavam na prisão, perderam os seus respectivos semestres nas universidades. Ultimamente, como mostra o aumento exagerado da violência e as tensões sociais, ficou evidente a perda de controle dos tais "coletivos". O centro de Caracas foi cenário de um conflito armado prolongado e intenso entre as forças policiais, com helicópteros e francoatiradores, contra grupos paraestatais ligados ao governo, com um saldo de outras cinco mortes e de um número desconhecido de feridos. Em quase todos estes fatos, não houve transparência do governo. As forças de segurança têm impedido o trabalho dos jornalistas, enquanto a mídia estatal e a mídia privada em conluio com o governo sem mantêm caladas. A tudo isso devemos acrescentar que continua o controle do Estado principalmente nas faixas de rádio, televisão e imprensa escrita, tendência que agora também se amplia para as redes sociais. Em abril, soube-se da mudança dos donos e da linha editorial de El Universal. A transferência da propriedade (embora a legislação disponha que a identidade dos acionistas de qualquer empresa deve ser de conhecimento público) permanece sem transparência. Ficou evidente a mudança óbvia na linha editorial e no quadro de colunistas, além da aposentadoria de jornalistas, especialmente dos que mantinham uma postura crítica em relação aos ataques do governo à liberdade de expressão. A caricaturista âncora desse jornal, Rayma Suprani, foi demitida depois de apresentar um trabalho se referindo à crise dramática no setor de saúde. A autocensura cresceu sem precedentes devido ao contexto de violência e aos processos judiciais penais, proibições de saída do país, campanhas de difamação ou a perda de licenças nas faixas de transmissão de rádio. Inclusive montaram-se processos judiciais com denúncias anônimas, feitas pelos assim denominados "Patriotas Colaboradores”. Isto apesar de o procurador geral informar da obrigatoriedade de haver um informante devidamente identificado nesses casos. Inúmeros portais da Internet e contas do Twitter foram fechados. Os organismos de controle consideraram que houve transmissão de informações, formulação de opiniões ou divulgação de notícias lesivas à revolução.  Isso é suficiente para qualificar o responsável como o "traidor da pátria". Por outro lado, é usual fazer 'hacking' das contas pessoais de e-mail dos jornalistas e de porta-vozes que alcançaram a notoriedade pública. Estes conteúdos privados são exibidos por porta-vozes oficiais através da poderosa plataforma de comunicação, sem a possibilidade de réplica, uma prática que contraria as leis e viola os direitos constitucionais. Em cadeia nacional de rádio e televisão em 18 de setembro de 2014, o Presidente Maduro ameaçou apresentar ações judiciais contra 11 meios de comunicação nacionais e internacionais por promoverem terrorismo psicológico contra o sistema de saúde relacionado ao aparecimento de doenças que causaram a morte de várias pessoas. Maduro acusou os meios de comunicação internacionais BBC Mundo, CNN, Voz de América, Notirápida, El Nuevo Herald e ABC; os meios nacionais El Carabobeño, El Nacional, El Nuevo País e o portal La Patilla, além da dirigente da oposição Maria Corina Machado através de suas mensagens no Twitter, de promoverem uma guerra psicológica e uma campanha de desinformação e terrorismo. O canal internacional de notícias NTN24 informou que em 16 de setembro, sem nenhum aviso, seu website foi bloqueado na jurisdição da Venezuela. Em fevereiro, foi eliminado da grade de programação o sinal de televisão de todas as operadoras de cabo que operam no país, por ordens diretas do presidente Nicolas Maduro. O NTN24 conseguiu estabelecer que o início do bloqueio se deu dentro da rede da empresa estatal de telecomunicações CANTV e se espalhou pelas outras operadoras. O governo, através de sua agência reguladora de telecomunicações, CONATEL, é o único capaz de manipular a infraestrutura de conectividade e realizar este tipo de censura. A concessão ou a renovação das licenças de operação da mídia eletrônica tornou-se um processo burocrático, lento e complexo com inúmeros requisitos, controles e procedimentos. Como consequência, muitas estações não têm suas licenças de operação, enquanto a Conatel usa a falta de documentação como mais um mecanismo de pressão. As emissoras de rádio também foram alvo de "procedimentos administrativos sumários de penalização" e de crítica aos seus conteúdos informativos. Foram abertos processos administrativos contra dois programas de opinião da estação Radio Caracas Rádio RCR-750 AM, cuja transmissão foi proibida. Em 19 de agosto, a Conatel ordenou o fechamento da Radio Sensacional FM 94,7 de Barinas, pelo suposto "término do prazo da concessão". A rádio, no ar há 22 anos, afirmou que estava em dia com todas as suas responsabilidades legais e fiscais.

Compartilhar

0