Em um dos semestres mais tenebrosos para o jornalismo nicaraguense, foram registrados mais de 661 ataques à mídia e aos jornalistas, a maioria deles cometidos por instituições ou funcionários do governo, fazendo com que no país o jornalismo seja exercido em condições cada vez mais adversas e hostis.
Entre esses ataques, 571 foram contra meios de comunicação, 89 contra indivíduos e um contra uma organização sindical.
Muitos ataques aconteceram durante o processo para as eleições de 7 de novembro de 2021, que tem sido altamente criticado em âmbito nacional e internacional por ter sido realizado sem ampla cobertura da imprensa ou observadores eleitorais independentes e com um alto índice de ataques à imprensa.
Os ataques fizeram com que os jornalistas se censurassem e pedissem proteção de sua identidade.
Pelo menos 75 jornalistas e donos de meios de comunicação independentes foram forçados ao exílio nos últimos meses, seis deles em fevereiro.
O mês de dezembro de 2021 foi marcado por agressões às mesmas vítimas, bem como pela paralização de ações judiciais contra jornalistas e o caso da Fundação Violeta Barrios de Chamorro (FVBCH). As autoridades judiciais alegaram que isso aconteceu em decorrência da grande carga de trabalho, considerando que isso era motivo de "força maior".
Este ano começou com uma forte autocensura por parte dos jornalistas e mais ataques do que nos meses anteriores. Jornalistas retiraram seus nomes das suas matérias.
Entre fevereiro e março, foram realizados julgamentos repletos de arbitrariedade na Direção de Assistência Jurídica (DAJ), conhecida como o novo Chipote. Foram julgamentos a portas fechadas com policiais como testemunhas e acusações feitas sob leis repressivas aprovadas em 2020.
Em 31 de março, o poder Judiciário condenou Juan Lorenzo Holmann, diretor-geral do jornal La Prensa e vice-presidente regional para a Nicarágua do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, a nove anos de prisão, uma sentença que, segundo a análise dos advogados criminais, não foi provada no julgamento. Ordenou-se também que as instalações do La Prensa, que estavam ocupadas desde 13 de agosto de 2021, fossem "mantidas sob custódia" e impôs-se uma elevada multa monetária. Além disso, Holmann foi impedido durante o mesmo período de exercer sua profissão, ofício ou cargo e foi multado em "três vezes o valor do dinheiro, bens e patrimônio" que ele supostamente lavou.
O confisco das instalações do La Prensa inclui quatro edifícios que abrigam os escritórios de redação, administração, vendas, marketing e circulação, bem como a rotativa, as modernas máquinas de impressão comercial e os armazéns. Esse confisco foi denunciado como um confisco de fato, o que é proibido pela Constituição.
Jornalistas, profissionais da mídia e membros da FVBCH também foram acusados e condenados.
O diretor do 100% Noticias, Miguel Mora, preso pela segunda vez, foi julgado em 4 de fevereiro pelo crime de "atentado à integridade nacional" e condenado a 13 anos de prisão.
O comentarista esportivo Miguel Mendoza foi julgado em 8 de fevereiro pelo crime de "conspiração para prejudicar a integridade nacional" e condenado a nove anos de prisão.
Jaime Arellano, comentarista político, foi julgado em 24 de fevereiro por "conspiração para prejudicar a integridade nacional" e divulgação de notícias falsas, conforme estabelecido na Lei de Crimes Cibernéticos. Ele foi condenado a 13 anos de prisão pelos dois crimes.
No caso da FVBCH, em 11 de março, sua diretora, Cristiana Chamorro, foi condenada a oito anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e apropriação indevida.
Seu irmão, Pedro Joaquín Chamorro Barrios, foi condenado a nove anos pelos crimes de apropriação indevida.
Walter Gómez, administrador, e Marcos Fletes, contador da FVBCH, foram condenados a 13 anos por crimes de falsificação ideológica, gestão abusiva, apropriação indevida e lavagem de dinheiro. Pedro Vásquez, motorista de Cristiana Chamorro, foi condenado a sete anos de prisão por suposta cooperação na lavagem de dinheiro.
Neste período, 10 opositores enfrentaram processos e foram condenados por violar a lei de crimes cibernéticos e por "conspiração para cometer atentado à integridade nacional": Yoel Ibzán Sandino (11 anos de prisão), Donald Margarito Alvarenga (12), Douglas Alfredo Cerros Lanzas (12), Yasser Muhamar Vado (13), Alexis Peralta (11), María Oviedo (8), Jaime Arellano (13), Irving Larios (13), Eveling Pinto (13) e Harry Chávez (10).
No momento em que este relatório foi preparado, as instalações do La Prensa continuavam ocupadas por patrulhas da polícia. A bandeira nicaraguense que fica em frente à fachada do edifício principal está em farrapos. Um símbolo que reflete a situação do jornalismo e do país diante da ditadura.