Venezuela

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SIP Reunião de Meio de Ano
Punta Cana, República Dominicana
08-11 abril
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Nesse período, notou-se um declínio constante das instituições do Estado, o que fica evidente no colapso dos serviços básicos, com subsequentes interrupções do abastecimento de água potável e energia elétrica, em meio a uma crescente falta de alimentos, produtos de primeira necessidade e medicamentos. Na verdade, a escassez de medicamentos é superior a 80% das necessidades do povo. Essa situação é agravada pela falta de segurança pública, com uma taxa de homicídios que supera a dos países em guerra (90 homicídios para cada 100.000 habitantes). Como resultado, cada vez mais pessoas de todos os estratos sociais estão rejeitando o governo do presidente Nicolás Maduro, que conta atualmente com menos de 20% de aprovação.


A única resposta do governo tem sido aumentar os gastos em propaganda e contrapropaganda, em espionagem e intimidação a seus adversários políticos, dos quais, em alguns casos, o governo suspende os direitos a ocupar cargos públicos ou os quais força ao exílio por meio de ordens judiciais arbitrárias.


Os órgãos de segurança, seja a Guarda Nacional Bolivariana ou a Polícia Nacional Bolivariana, têm usado uma política de repressão descarada diante de qualquer sinal de insatisfação ou protesto decorrente da tensão gerada pela escassez de produtos. A isso se somam as frequentes e onerosas viagens presidenciais cujo objetivo é estabelecer alianças com outros países, a corrupção que reina no governo e os vínculos diretos com o narcotráfico e a lavagem de dinheiro.


A mídia independente está sufocada por políticas que restringem a livre circulação das informações. Essas políticas incluem a censura indireta para impedir o acesso ao papel-jornal e outros insumos imprescindíveis para a mídia impressa, até medidas judiciais contra proprietários e diretores de meios de comunicação impressos, emissoras de rádio ou meios de comunicação eletrônicos.


Nesse primeiro trimestre do ano destaca-se o caso do El Carabobeño, jornal de Valencia, Estado de Carabobo, que circulou sem interrupções desde sua fundação, em 1933, até 17 de março passado, quando suspendeu sua publicação por falta absoluta de papel-jornal, depois que os representantes do jornal não conseguiram chegar a um acordo com a Corporación Maneiro, órgão estatal que detém o monopólio de papel-jornal.


El Impulso, jornal tradicional de Barquisimeto, o mais antigo do país, fundado em 1904, anunciou que em menos de um mês deixará de circular por falta de acesso ao papel-jornal controlado pelo governo. Outro caso importante é o do El Nacional, de Caracas, ao qual a Corporación Maneiro recusa-se constantemente a vender papel-jornal. Em 9 de dezembro, o presidente Maduro, com um exemplar do jornal em mãos, incitou o povo contra o jornal: "O povo da Venezuela deveria boicotar o El Nacional e ninguém nunca mais deveria comprá-lo".


Cerca de 80 jornais do país enfrentam a possibilidade de suspender sua publicação. Os jornais La Costa e La Mañana, do estado de Falcón, também deixaram de circular.


A Corporación Alfredo Maneiro, estatal, foi criada para monopolizar o fornecimento do papel-jornal e assumir o lugar das importadoras tradicionais que deixaram de receber divisas estrangeiras há dois anos.


O presidente da associação de jornalistas, o Colegio Nacional de Periodistas (CNP), Tinedo Guía, declarou em 17 de março passado: "A Corporación Maneiro detém um monopólio que depende da administração pública. Ela não tem lucros nem serve a um propósito específico, mas o governo a utiliza para não fornecer bobinas de papel. Trata-se de um mecanismo de censura para que a mídia baixe a cabeça diante das suas mentiras".


Ao que parece, só sobreviverão os meios de comunicação controlados pelo governo.


É igualmente preocupante a medida contra David Natera Febres, diretor do jornal Correo del Caroní, em Ciudad Guyana, Estado de Bolívar, que o condena a quatro anos de prisão pelo crime de "difamação e injúria". O jornal publicou uma série de reportagens investigativas sobre casos flagrantes de corrupção na empresa de mineração estatal, Ferrominera, a principal processadora de ferro do país. A medida foi condenada pela Comissão de Mídia da Assembleia Nacional, pelas associações de imprensa e organizações internacionais, entre elas a SIP, que assim a definiu: "Uma coação grosseira à liberdade de imprensa e ao direito da sociedade de estar informada sobre assuntos de interesse público".


Nas eleições de 6 de dezembro, a coalizão de oposição, conhecida como Mesa da Unidade Democrática obteve vitória contra o partido do governo, que lhe deu maioria qualificada na Assembleia Nacional. Desde 5 de janeiro, a oposição ocupa dois terços das cadeiras e posições de liderança de presidente, vice-presidente e secretário. Como consequência, o partido no poder perdeu o controle da ANTV, canal de televisão da Assembleia Nacional.


Diante dessa realidade, os responsáveis pela "hegemonia comunicacional" propugnada e exercida pelo governo – desde que retirou as concessões de várias emissoras de rádio e adquiriu, através de terceiros, importantes meios tradicionalmente independentes –, ordenaram a entrada violenta nos estúdios da ANTV para retirar os equipamentos de transmissão e destruir suas instalações. Em seguida, despediram 164 funcionários da emissora que estão atualmente "em um limbo" diante da ilegalidade da medida.


O governo venezuelano insiste em não cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de devolver o sinal à Radio Caracas Televisión, assim como os equipamentos de transmissão confiscados em 2007, quando, por ordem direta de Hugo Chávez Frías, a concessão não foi renovada. O Tribunal Supremo de Justiça, a serviço do governo, declarou a decisão "inexequível".


As medidas judiciais contra diretores e proprietários do El Nacional, Tal Cual e portal de notícias La Patilla, continuam se desdobrando, forçando alguns deles ao exílio e ordenando outros a permanecer no país. Essas medidas são resultado de uma ação movida por Diosdado Cabello, deputado e ex-presidente da Assembleia Nacional, e estão relacionadas à reprodução, por esses meios de comunicação, de uma matéria do jornal espanhol ABC que identificava Cabello como um proeminente traficante de drogas internacional e líder do "Cartel de los Soles", assim chamado porque era composto por oficiais de alto escalão das Forças Armadas.


Pelo menos 80 publicações de todo o mundo reproduziram a matéria do ABC, assinada por Emilio Blasco, correspondente em Washington. A fonte de Blasco foi um ex-membro da equipe de segurança do presidente, o capitão de corveta Leamsy Salazar, atualmente parte do regime de proteção a testemunhas nos Estados Unidos.


Em 6 de janeiro, depois de instalada a nova Assembleia Nacional, Maduro censurou publicamente os canais Globovisión e Televen por terem dado cobertura à notícia: "Estão fora de controle, vocês veem como está a Televen... você assiste à Globovisión e pensa que é 9 de abril de 2002". A data refere-se à época em que o então presidente Hugo Chávez Frías saiu temporariamente do poder após um maciço protesto contra o governo que foi reprimido deixando mortos; essa situação foi vista por alguns como um vácuo de poder, por outros como golpe de estado e, por outros, como os dois.


Em 18 de março, enquanto falava em um programa de rádio chamado "Con el mazo dando", no canal da Venezolana de Televisión, estatal, Cabello fez a seguinte acusação: "A mídia, a Televen, a Globvisión e a Venevisión estão mais uma vez envolvidas em um golpe de Estado".


Em termos de mídia internacional, a emissora colombiana NTN24 foi retirada dos provedores de televisão por assinatura a mando o governo e seu website foi bloqueado pela Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicação).


Existem vários portais digitais que estão sujeitos à coação por ações do governo, além do caso já mencionado de La Patilla, sobre cujo proprietário Alberto Federico Ravell pesa uma medida judicial que o impede de entrar livremente no país. Destaca-se também o caso do portal Dólar Hoy, alvo de uma ação apresentada pelos advogados do Banco Central da Venezuela perante o Tribunal de Delaware, nos Estados Unidos. A acusação do citado portal é de "terrorismo cibernético" e 'danos ao BCV' por publicar diariamente a cotação da moeda no mercado negro. O Tribunal indeferiu a ação neste último dia 26 de fevereiro, mas "sem prejuízo", dando oportunidade ao autor da ação de alterar o documento de acusação, mantendo o caso "ainda vivo".


As agressões e atos de intimidação a profissionais da imprensa relacionados ao seu trabalho não só continuaram, mas se tornaram mais frequentes, e já não se pode mais falar de "casos isolados". A Associação Nacional de Jornalistas em Táchira condenou a prisão arbitrária de quatro de seus membros – Fabiola Niño, Manuel Cardozo, René Méndez e Rafael Urdaneta – quando cobriam manifestações na cidade de San Cristóbal. Um grupo de pessoas não identificadas atacou um veículo do jornal La Nación que estava levando funcionários das empresas para casa.


Outros episódios de violência contra jornalistas de meios de comunicação privados ocorreram em várias cidades durante os protestos pela escassez de produtos e o colapso dos serviços públicos.


Em 28 de março, ocorreu um incidente em uma blitz da polícia em El Marite, estado de Zulia, quando um grupo de criminosos enfrentou a polícia. Os jornalistas Faviana Delgado e Humberto Matheus, do Versión Final, José Antonio González e María Fuenmayor do jornal La Verdad, e Ángel Romero e José López, do Noticia al Día, foram detidos e agredidos, tiveram seus equipamentos confiscados, e o conteúdo das memórias dos seus dispositivos audiovisuais foi apagado.


Apesar das queixas e declarações internacionais, o governo de Maduro mantém uma política constante de restringir a liberdade de expressão e de imprensa, e de desrespeitar os direitos humanos.


Em 10 de setembro, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela declarou inexequível a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, divulgada em 7 de setembro, que determinou a devolução do canal 2 à emissora Radio Caracas Televisión (RCTV), exigindo que o governo da Venezuela acatasse e cumprisse a sentença.


O TSJ argumentou que a Corte Interamericana não tem autoridade para se pronunciar no caso da RCTV já que as instâncias internas do direito ainda não haviam se esgotado.


Por outro lado, o então presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, advertiu que o governo vai ignorar a decisão da Corte Interamericana. "Há anos decidimos ser livres e soberanos. Então chamem o Almagro para arquivá-la, porque isso não tem valor jurídico, ético ou moral", disse Cabello.


A sentença da Corte Interamericana, emitida em 22 de junho, sobre o caso de Marcel Granier e Outros vs. Venezuela ordena que o Estado restabeleça a concessão da frequência do canal 2, onde a RCTV transmitia; devolva os bens materiais penhorados; pague indenizações por danos materiais e imateriais; reembolse os custos e despesas; execute processos de alocação de frequências de forma transparente; bem como apresente um relatório, no período de um ano, sobre as medidas adotadas para cumprir a sentença.


Segundo a Corte Interamericana, a violação da liberdade de expressão que o governo do presidente Hugo Chávez perpetrou e seu sucessor, Nicolás Maduro, continuou, causou impacto no direito dos trabalhadores e gestores do canal, bem como na cidadania "que se viu privada do acesso à linha editorial que a RCTV representava", considerando que a "pluralidade dos meios de comunicação ou de informação constitui uma garantia efetiva da liberdade de expressão". A decisão de não renovar a concessão "tentava silenciar os que criticavam o governo", declarou a Corte.


O caso RCTV remonta a 27 de maio de 2007 quando, por ordem direta do Presidente Chávez, o governo fechou a emissora de sinal aberto e confiscou suas 48 estações repetidoras e equipamentos de transmissão.

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