A mudança de governo que ocorreu no final do ano passado marcou o fim de uma era política na qual se registrou a maior ofensiva contra a imprensa independente desde o final da última ditadura militar.
O kirchnerismo fez uma extraordinária campanha contra a imprensa e as vozes críticas em geral, que incluiu: o uso de recursos públicos para montar um gigantesco aparato comunicacional cujo objetivo era desacreditar os jornalistas e a mídia; a partidarização dos meios de comunicação públicos; a distribuição discriminatória da pauta de publicidade oficial a fim de premiar os meios alinhados ao governo e castigar as vozes discordantes; a aplicação seletiva de normas para a perseguição judicial aos dissidentes; a promulgação de leis específicas para desarticular os meios de comunicação críticos ao governo e favorecer os que o apoiavam; a pressão sobre anunciantes do setor privado para que não colocassem anúncios na mídia não alinhada aos interesses do governo; a utilização de órgãos de controle e de serviços de inteligência para pressionar, intimidar e vigiar; a intervenção indevida do governo na preparação ou comercialização de insumos do setor jornalístico; a eliminação das coletivas de imprensa com o presidente e o bloqueio seletivo do acesso a fontes oficiais de informação.
O kirchnerismo fez um grande esforço para implantar a ideia falaciosa de que o pleno exercício da liberdade de imprensa devia ser inferido a partir da mera existência de uma visão crítica de certos meios e jornalistas. Houve, também, mostras de um jornalismo que questionou vários aspectos da gestão pública. Mas em todos os casos, aqueles que o realizaram ou defenderam foram alvo de represálias, as quais, em algumas ocasiões, resultaram em subserviência ou silêncio.
Vários mecanismos de censura indireta violaram a liberdade de imprensa nos últimos anos. O governo de Kirchner gastou, no último ano do seu mandato, 380 milhões de dólares em publicidade oficial. Trata-se de uma quantia 25 vezes superior à utilizada em 2003, o primeiro ano da presidência de Néstor Kirchner. Se à publicidade oficial somarem-se os custos de manutenção dos meios de comunicação públicos, a TV digital, o programa "Fútbol para Todos" e os órgãos oficiais do setor de comunicações, o aparato propagandístico mantido pelo governo de Cristina Kirchner resultou no desembolso de mais de 1,4 bilhão de dólares apenas em 2015.
O aumento descomunal dos gastos com as pautas de publicidade oficial, associado a uma distribuição feita sem qualquer critério de eficiência quanto à comunicação pública e marcada por um uso político distorceu profundamente o mapa da mídia. Vários jornais, revistas, canais de televisão, emissoras de rádio e websites surgiram como consequência da distribuição arbitrária dos fundos para publicidade pelo governo de Kirchner. A sobrevivência econômica de dois terços da mídia acabou dependendo desses recursos.
O novo governo viu-se diante de vozes artificialmente múltiplas para promover o discurso oficial kirchnerista e inúmeros meios de comunicação economicamente inviáveis sem a assistência do governo. Os primeiros esforços do presidente Mauricio Macri de otimizar a administração de verbas públicas na área da informação pública foram criticados por ameaçarem a sobrevivência da mídia e as fontes de trabalho de jornalistas, alegações que revelam uma profunda distorção e um erro conceitual que não deve ser confundido com o debate sobre medidas de proteção e promoção da imprensa que estão sendo discutidas em diversos países.
O novo governo também encontrou anomalias e esquemas de corrupção relacionados ao setor jornalístico. Um dos principais grupos de mídia do país foi adquirido, durante os anos do governo de Kirchner, por Cristóbal López, empresário próximo à ex-presidente Cristina Kirchner e diretor de uma das holdings que mais cresceu nos últimos dez anos. Afirma-se ter havido uma evasão fiscal de mais de um bilhão de dólares e utilizada, entre outras coisas, para a compra do seu grupo de mídia.
A modificação de alguns artigos mais polêmicos da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual por um decreto ratificado pelo Legislativo e o compromisso de discutir uma nova lei no Congresso foram decisões bem recebidas pelo setor de comunicação audiovisual. As associações de rádio, televisão e cabo destacaram a validade das mudanças por concederem estabilidade às licenças, estabelecerem critérios de sustentabilidade e competitividade frente a fenômenos como a convergência e a concorrência de atores internacionais, e eliminarem algumas distorções denunciadas como discriminatórias. Porém, a reforma foi questionada por várias organizações, a maioria delas simpatizantes do kirchnerismo que solicitaram e obtiveram uma audiência com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para debater o assunto com uma rapidez impressionante, considerando-se a habitual lentidão desse órgão nos últimos anos para agir diante de denúncias de jornalistas e organizações dedicadas à defesa da liberdade de expressão, e com um detalhe importante de não terem sido convocadas entidades representativas da mídia ou relacionadas ao setor.
Nos seus primeiros quatro meses, o governo de Macri diferenciou-se nitidamente do governo anterior. Desde o primeiro dia, abriu vários canais de comunicação com a imprensa, como as até recentemente eliminadas coletivas de imprensa ou entrevistas com o presidente e outros funcionários. Por outro lado, houve controvérsia, no meio jornalístico, quanto à cobertura feita pela equipe de comunicação do presidente Macri, exclusivamente para Snapchat, de parte da visita do presidente Barack Obama à Argentina. O registro desse importante acontecimento de interesse público foi feito com produção audiovisual, de acesso restrito aos outros meios.
Entre os avanços promovidos pelo governo, deve-se destacar o fim de qualquer política persecutória contra as vozes críticas e o desaparecimento de qualquer vestígio de hostilidade ou estigmatização no discurso oficial; o processo auspicioso e incipiente do fim da partidarização e profissionalização dos meios de comunicação públicos; e a abertura de diversos canais de diálogo como o que foi utilizado pelos funcionários da Secretaria de Informação Pública que se reuniram com representantes de diversos meios e organizações que congregam jornalistas e empresas jornalísticas para se inteirarem de suas preocupações, solicitarem propostas e expressarem a necessidade de uma estrutura transparente e equilibrada na distribuição de recursos do governo.
Uma das grandes questões não resolvidas do governo anterior, e que foi incluída na agenda, é a promulgação de uma Lei de Acesso à Informação Pública. O governo tem um projeto de lei baseado na lei modelo da OEA, que será enviado ao Congresso e examinado pelos três ramos do governo.
No último semestre foram registrados vários ataques e ameaças a jornalistas e à mídia. Alguns jornalistas foram agredidos em protestos sindicais ou manifestações públicas, como foi o caso da equipe jornalística da Crónica TV que em dezembro foi agredida por manifestantes do sindicato de motoristas de ônibus (Unión Tranviarios Automotor); Karina Vallori, da El Doce TV, de Córdoba, em uma manifestação sindical nessa província e no mesmo mês; Liliana Franco, da Ámbito Financeiro, vaiada por militantes do governo durante uma cerimônia encabeçada por Cristina Kirchner no final de outubro; Gloria Velásquez, da Radio Lafinur, de San Luis, ameaçada de morte por uma investigação sobre policiais vinculados ao tráfico de drogas; ou Mercedes Ninci, jornalista do Grupo Clarín, que foi insultada e cuspida por militantes kirchneristas durante a cobertura da marcha pelos 40 anos do golpe de estado de 1976, na cidade de Buenos Aires, em março passado. Outros jornalistas foram reprimidos pela polícia, como Juan Cruz Taborda, da SRT de Córdoba, e Luciano Barrera, fotógrafo da ElEsquiu.com, de Catamarca. Na lista de agressões a jornalistas destaca-se o ataque selvagem de traficantes de drogas contra o diretor da rádio FM Luna, de San Antonio de Areco, Sergio Hurtado, cuja esposa foi estuprada enquanto ele era mantido preso, no que parece ter sido uma represália ao seu trabalho jornalístico.