Pela primeira vez em meio século, uma moradora da ilha lê este relatório sobre a situação da liberdade de imprensa em Cuba em uma reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa, algo totalmente inédito. Por isso, nestas primeiras palavras deste documento desejamos agradecer a SIP em nome dos jornalistas e blogueiros independentes pelo seu trabalho em defesa da liberdade de imprensa e de expressão no hemisfério e, principalmente, pelo apoio à nossa luta dentro de Cuba.
O caráter extraordinário desse evento não nos deve permitir esquecer que o governo cubano continua agindo de forma arbitrária e que se reserva o direito de negar a saída do país a certos cidadãos. A reforma migratória entrou em vigor recentemente, mas algumas pessoas, como os ex-presos políticos Ángel Moya Acosta, e José Daniel Ferrer García, e a diretora de Bibliotecas Independentes, Gisela Sablón, tiveram negado seu direito de liberdade de movimentos, consagrado na Declaração de Direitos Humanos.
A repressão das liberdades individuais, de imprensa e de expressão foi constante no período coberto por este relatório, talvez até maior e mais intensa. Só há um jornalista independente na prisão, Calixto Ramón Martínez Arias, que está preso desde setembro de 2012 e que até agora não foi julgado. A Anistia Internacional o considera como preso de consciência e que foi preso por exercer de forma pacífica seu direito à liberdade de expressão.
O jornalista da agência de notícias Hablemos Press investiga denúncias de que os medicamentos fornecidos pela Organização Mundial de Saúde para combater uma epidemia de cólera foram retidos no aeroporto de Havana porque as autoridades negavam a existência da doença.
Ao pedir a liberdade de Calixto Martínez, a Anistia Internacional insistiu que o Estado cubano tem o monopólio total sobre os meios de comunicação do país, inclusive televisão, rádio, imprensa, provedores de Internet e outros meios de comunicação eletrônicos.
O laureado escritor e blogueiro Ángel Santiesteban, Prêmio Casa de las Américas 2006, acaba de ir para a prisão de Valle Grande para cumprir sentença de 5 anos por supostos crimes comuns. A imprensa independente denunciou as irregularidades do processo judicial e exigiu sua libertação.
O mais importante nesse momento é, por um lado, a reforma migratória e, com ela, a possibilidade de que vários opositores e jornalistas independentes possam sair da ilha e voltar; e, por outro, o anúncio da aposentadoria do presidente Raúl Castro e a aparente transferência de poder para pessoas mais jovens.
Apesar de limitada, a reforma é um sinal positivo e que, em termos de comunicação com o exterior, nos permite conhecer em primeira mão a situação do país. Acreditamos que, no futuro, possamos também fazê-lo livremente com os cubanos da ilha. Certamente preocupado com o impacto da palavra em liberdade, o governo tem utilizado seus mecanismos de desinformação e descrédito e mobilizou embaixadores e cônsules.
A promessa de aposentadoria de Raúl Castro foi recebida pelo povo com uma mistura de esperança, resignação e ceticismo. Esperança porque se espera que sem os Castro o país poderá criar para si outro destino; resignação porque ainda faltam cinco anos para que a despedida aconteça; e ceticismo porque ninguém sabe ao certo se a aposentadoria irá realmente se concretizar. No momento, o mais importante são as mudanças políticas, aquelas que garantem as liberdades atuais no mundo de hoje, e essas mudanças não estão na agenda dos que vão se aposentar nem dos seus sucessores.
A Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional informou que em janeiro houve pelo menos 364 casos de detenções arbitrárias por motivos políticos. Mas já em fevereiro houve 504 detenções. Durante 2012, a média de prisões por motivos políticos foi de 504 casos mensais.
Nesse tipo de repressão de baixa intensidade, durante horas ou dias, a Polícia política recorre à violência física e a ameaças. A mesma Comissão expressou sua preocupação com o aumento dos chamados atos de repúdio contra opositores, no estilo dos pogroms nazistas.
Em 9 de novembro de 2012, a SIP enviou uma carta ao presidente cubano Raúl Castro condenando a prisão de Yoani Sánchez e outros opositores detidos por pedirem informações em uma delegacia sobre outras duas pessoas que estavam presas; pediu sua libertação e exigiu respeito à sua integridade física e a de sua família. No dia anterior, a SIP havia nomeado Yoani Sánchez sua vice-presidente regional para Cuba da sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação.
Entre os detidos estava Antonio G. Rodiles, diretor do Estado de Sats, fórum de análise independente. Opositores dentro e fora de Cuba fizeram uma campanha para exigir a libertação imediata de Antonio G. Rodiles. A polícia cubana o libertou 19 dias depois da sua prisão.
Nessa mesma época, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos outorgou medidas cautelares para Yoani Sánchez, que denunciou estar em uma situação de risco por ter feito vários posts na Internet sobre a situação dos direitos humanos na ilha. A CIDH pediu que Havana adote as medidas necessárias para garantir a vida e a integridade física de Sánchez e de sua família.
No final de novembro, a SIP condenou a prisão arbitrária do jornalista independente cubano Roberto de Jesús Guerra, diretor da agência de notícias Hablemos Press. Guerra foi detido com violência por policiais à paisana e solto algumas horas depois.
Em dezembro, a organização Repórteres sem Fronteiras no seu levantamento anual afirmou que a repressão contra os blogueiros e jornalistas dissidentes intensificou-se novamente desde 2011.
Em janeiro de 2013, Freedom House condenou a decisão dos países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) de conceder à Cuba a presidência da organização. Segundo a organização, isso constitui uma violação dos princípios e valores da Declaração de Caracas, que promove os direitos humanos e a democracia.
No mesmo sentido, a Repórteres sem Fronteiras pediu que os cubanos gozem finalmente dos avanços da Internet através do acesso às instalações que possuem cabo submarino de fibra ótica ALBA-1.
O governo anunciou esse mês que o cabo submarino entrou em funcionamento no ano passado, apesar de não ter havido um aumento automático das possibilidades de acesso. Como se sabe, com algumas poucas exceções, os cubanos da ilha não podem ter conexão de internet nas suas casas.
Em fevereiro, Human Rights Watch (HRW) denunciou que Cuba continua sendo o país mais repressor da América Latina. Cuba continua sendo o único país da América Latina onde se reprimem quase todas as formas de dissenso político, disse o relatório, que acusou o governo de Raúl Castro de recorrer a prisões arbitrárias por períodos curtos, agressões, atos de repúdio, restrições a viagens e exílio forçado.
Os blogueiros independentes, dentro e fora da ilha, continuam consolidando seu prestígio como fontes confiáveis de informação. Uma prova disso foi a acolhida na Europa a Eliécer Ávila e Yoani Sánchez. No caso de Sánchez, o governo cubano tentou exportar uma campanha contra ela, inclusive o ato de repúdio. A verdade é que a agressividade do dossiê entregue pela Embaixada de Cuba no Brasil denunciado pela revista Veja -, provocou o efeito contrário e aumentou o interesse pela luta pela liberdade de expressão em Cuba.
As agências de imprensa continuam sendo submetidas à vigilância e represálias do governo e, assim, obrigadas à autocensura.
Mantém-se inalterado o objetivo de restringir o acesso da população a canais alternativos de informação.
Allan Gross, de 62 anos, cumpre pena de 15 anos depois de ter sido acusado de cometer crimes contra a Segurança do Estado por entregar equipamentos de comunicação a pessoas consideradas de oposição. Várias gestões para sua libertação fracassaram. O governo cubano afirmou que está disposto a negociar por várias razões humanitárias, mas exige em troca que os Estados Unidos soltem cinco espiões que cumprem pena em prisões norte-americanas. Uma delegação de legisladores americanos visitou a ilha em meados de fevereiro para conseguir que ele fosse solto, mas voltaram de mãos vazias.
Madrid, Espanha