Neste semestre não se registraram situações de ataque ou ameaça à liberdade de imprensa. Ao contrário, houve fatos positivos como o da Suprema Corte de Justiça que começou a declarar a inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual ou Lei da Mídia que a presidência de José Mujica promoveu e o Parlamento aprovou em dezembro de 2014, pouco antes de o presidente Tabaré Vázquez assumir seu cargo.
Desde o começo, Vázquez declarou que não iria regulamentar a lei, aguardando as resoluções da Suprema Corte que, segundo consta, haviam recebido muitas impugnações. As sentenças dadas até agora consideraram inconstitucionais os seguintes artigos:
O artigo 39 inciso 3 que regulamenta os eventos de interesse geral e obrigaria a transmissão dos jogos da seleção uruguaia de futebol por televisão aberta
O artigo 55 que limita a quantidade de assinantes que as operadoras de televisão a cabo podem ter
O artigo 56 que proíbe que as empresas que operam licenças de televisão vendam também serviços de telefonia e transmissão de dados aos seus usuários. Ou seja, aqueles denominados de convergência ou "Triple Play", que incluem Internet, canais de transmissão por cabo e telefone, que rompem o monopólio existente da estatal Anatel.
O artigo 60, parágrafo 3, incisos 1, 2 e 3: sobre regulação de conteúdos
O artigo 98, inciso 2 que permite a suspensão de meios de comunicação se houver obstáculos às inspeções realizadas pelo Poder Executivo
O artigo 143 que regulamenta a distribuição de espaços gratuitos de publicidade na televisão e no rádio para as eleições nacionais, legislativas, municipais e contagens de votos.
Em 5 de abril, a Suprema Corte de Justiça pronunciou sua primeira decisão sobre a inconstitucionalidade de quatro artigos desta lei, em consequência do recurso apresentado pela Directv. Foi acompanhada por uma série de considerações valiosas do juiz relator, Felipe Hounie, sobre a liberdade de imprensa e sua proteção constitucional no país para fundamentar a decisão: "Sem a liberdade dos meios de comunicação, sem que seja possível buscar, receber e divulgar informações, para que todas as pessoas estejam em condições de formar a sua opinião, não pode existir a pluralidade de ideias e, em consequência, o direito irrestrito individual de pensar o que considere melhor".
Hounie incorporou na sentença conceitos de seu colega Jorge Chediak, ao afirmar que a norma impugnada interfere nos conteúdos que os meios de comunicação transmitem, o que "não parece estar de acordo" nem condiz com a nova era tecnológica em que os cidadãos acessam conteúdo fora dos meios tradicionais.
A seguir, os artigos impugnados e os motivos:
Futebol, basquete e "eventos adicionais: sobre o recurso contra o artigo 39 da lei da mídia que permite a transmissão de jogos das seleções de futebol e basquete por canais abertos), a Corte aceitou o recurso por unanimidade, entendendo que é inconstitucional e fazendo exceções: "quando não existir nenhuma outra prestadora de serviços interessada na transmissão, o Sistema Público de Rádio e Televisão Nacional será responsável por garantir o direito estabelecido no artigo precedente, sempre que seja tecnicamente possível e na modalidade de retransmissão". Acrescenta que o Poder Executivo poderá justificar algumas transmissões, porém com aviso prévio do Conselho de Comunicação Audiovisual.
Para os ministros Larrieux e Chediak, esta norma permite a expropriação de direitos patrimoniais da empresa que tem o direito à transmissão do sinal. No entanto, Pérez Manrique, Hounie e Martínez afirmaram que o inciso 3 do artigo 39 é inconstitucional por transgredir o princípio de legalidade ou de reserva legal.
Em relação ao artigo 55 sobre limitações à quantidade de assinantes, que não poderia superar 35% do total de lares com televisão para assinantes de cada território onde existem outras autorizações ou licenças de menor alcance.
A Corte argumentou que, sem prejuízo de procurar evitar condutas de monopólio ou oligopólio, se acaba "violando o direito de propriedade" da Directv, inclusive nos locais onde esta empresa é a única provedora de serviços.
A decisão confirma que a propriedade é um direito inviolável e que o artigo prejudica a segurança jurídica, por afetar direitos adquiridos da empresa.
A Corte também considerou inconstitucional o parágrafo C do artigo 60 que promove a produção nacional para televisão. Com o mínimo de 30% da programação nacional, não podendo o mesmo produtor independente concentrar mais de 40% deste percentual.
Também se estabeleciam normas para programas e filmes de produção independente e nacional e horários de programação com proteção para menores.
A Corte considerou que se viola a liberdade de expressão argumentando que "é uma das ofensas mais evidentes da lei 19.307 à Carta e constitui um exemplo claro de violação da liberdade de expressão ao estabelecer uma série de regulações para promover a produção audiovisual nacional, finalidade que, em um Estado de Direito, não se pode buscar através da coação, e sim pelo estímulo ".
Sobre o artigo 98 que regulamenta as inspeções a serem realizadas pela Ursec e que autoriza a suspensão de transmissões pelo Poder Executivo, a Corte, por unanimidade, considerou que esta norma é inconstitucional porque permite que o Poder Executivo suspenda, pela via administrativa, as transmissões da Directv antes de ouvir a empresa, violando o direito ao devido processo legal que a Constituição da República estabelece.
Em 11 de abril, a Suprema Corte se pronunciou sobre o recurso que o Partido Independiente formulou sobre a regulação da publicidade eleitoral gratuita. O artigo 143 dispõe que, nos casos de eleições nacionais, legislativas e municipais, 20% dos espaços gratuitos serão distribuídos em partes iguais entre os partidos políticos (o que foi declarado constitucional) embora os 80% restantes "serão divididos em proporção direta aos votos obtidos por cada partido nas eleições nacionais imediatamente anteriores. A decisão destaca o valor da publicidade eleitoral para gerar conscientização e considerou que isso "viola o princípio da igualdade" e "dificulta o acesso das minorias ao poder ", ou, dizendo de outro modo, "perpetua as maiorias no poder".
A quinta decisão sobre inconstitucionalidade da Suprema Corte em 8 de agosto foi em recurso apresentado pela Monte Cablevideo S.A. e diz respeito ao Triple play, que até a data era monopólio exclusivo da estatal Antel. O curioso nesta decisão é que anteriormente, no pacote de sentenças promovidas pela Directv, o artigo tinha sido declarado "constitucional" e agora a Corte considerou-o "inconstitucional", depois que alguns ministros, após examinarem o tema em maior profundidade, mudaram de opinião. "Em relação à proibição de prestar serviços de telecomunicações de telefonia ou de transmissão de dados, no caso, não existem motivos de interesse geral para limitar tais direitos, circunstância que, por si só, viola o princípio de liberdade previsto no art. 7 da Constituição", conforme declara a sentença.