Durante o verão de 2016 ocorreram vários incidentes relativos a questões de suma relevância para a mídia, como proteção das fontes, valor informativo, vigilância do governo e o assassinato de um jornalista em Dallas. Uma lei do estado de Nova York promulgada para proteger o relacionamento entre o repórter e a fonte foi colocada à prova em duas ocasiões devido a entrevistas realizadas na prisão, e documentos vazados indicaram que os e-mails e os telefonemas de jornalistas haviam estado sujeitos à vigilância do FBI com restrições mínimas.
A ação movida por Hulk Hogan, que teve ampla divulgação e foi financiada por um bilionário, fechou literalmente um popular grupo de mídia online. Essas controvérsias levantaram muitas questões difíceis: preocupações sobre a privacidade frente a assuntos de interesse público; ameaça à segurança nacional frente à ameaça da vigilância governamental; a necessidade de investigar os crimes frente à necessidade de proteger os relacionamentos entre os repórteres e suas fontes.
Casos recentes ajudam a esclarecer os problemas que surgem quando os promotores do governo forçam os jornalistas a depor em casos criminais e entregar anotações de entrevistas feitas na prisão. Em agosto, o Comitê de Repórteres (Reporters Committee for Freedom of the Press), composto por 57 organizações noticiosas, inclusive a SIP, apresentou um documento amicus curiae instando um tribunal de recursos do estado de Nova York a reverter uma ordem juficial que forçava a repórter Frances Robles, repórter do New York Times, a depor sobre uma entrevista feita na prisão e a entregar suas anotações aos promotores. Em outubro de 2013, Robles entrevistou um prisioneiro condenado por estuprar e matar uma criança. O réu havia confessado à polícia, mas disse a Robles que a confissão havia sido obtida sob coação, e por isso os promotores precisavam obter essas informações para se defender de uma possível ação.
O documento amicus curiae alegou que as proteções da Lei Escudo de Nova York permitem apenas intimações a repórteres quando as informações solicitadas são altamente relevantes, ou seja, quando a evidência requisitada determinará o resultado do caso. Esse requisito é imprescindível, argumentou o documento, para proteger os relacionamentos do repórter com as suas fontes. Além disso, a necessidade de proteger esses relacionamentos é particularmente importante no contexto de uma entrevista realizada na prisão, que é frequentemente a única oportunidade que o público tem de ouvir diretamente os suspeitos de crimes e avaliar se a justiça está sendo feita. Quando os jornalistas entrevistam suspeitos à espera de julgamento ou réus que desejam amparo após a condenação, existe um risco acentuado de que o governo intime o jornalista como parte da estratégia da acusação. Esse caso continua pendente no tribunal de Nova York.
Um caso semelhante, People v. Bonie, também colocou em destaque as proteções da Lei Escudo de Nova York para depoimentos e materiais relacionados a entrevistas na prisão. Ray Raimundi, repórter de notícias de um canal local, realizou e gravou uma entrevista em vídeo, feita em uma prisão, com um réu que havia sido acussado de assassinato com base em evidências circunstanciais. Em uma parte da entrevista, o acusado negou que fosse culpado e afirmou ter um relacionamento positivo com a vítima. Os promotores alegaram que as declarações do acusado durante a entrevista realizada na prisão eram "essenciais ou necessárias" para seus esforços de provar o motivo, intenção e consciência de culpa porque as declarações contradiziam o que o acusado havia dito anteriormente à polícia.
O tribunal considerou esse argumento convincente, e observou que em um caso de assassinato circunstancial, evidências que a princípio parecem inócuas podem mais tarde se tornar essenciais quando avaliadas junto com outras evidências circunstanciais. O tribunal considerou que o acesso ao vídeo não divulgado era a única maneira de os promotores avaliarem as "palavras e o comportamento "do acusado, apesar da presença de testemunhas durante a entrevista que supostamente poderiam depor sobre os comentários do acusado. Por isso, o tribunal ordenou a exibição das partes do vídeo não divulgado sobre o relacionamento do réu com a vítima.
Esses casos ilustram os desafios que os jornalistas enfrentam quando fazem entrevistas em prisões e mantêm relacionamentos com fontes que estão à espera de julgamento. A parte relevante da Lei Escudo de Nova York, promulgada em 1990, tem como objetivo proteger o material não confidencial de um jornalista a menos que o litigante demostre "de forma clara e específica" que a evidência influenciará o resultado do caso e que não pode ser obtida em nenhum outro lugar. A lei, porém, não é aplicada quando os tribunais permitem que os promotores busquem obter de maneira agressiva materiais inócuos não publicados de entrevistas realizadas em prisões.
Por iniciativa da Sociedade de Jornalistas Profissionais (Society of Professional Journalists - SPJ), enviou-se em setembro uma carta para o secretário de imprensa da Casa Branca, Josh Earnest, na qual 40 organizações, inclusive a SIP, declararam que o nível de transparência do governo federal havia decaído. A carta era uma resposta a uma matéria de opinião escrita por Earnest e publicada no The New York Times, que destacava supostos avanços em termos de transparência e afirmava que a mídia deveria reconhecer esses esforços. As organizações que assinaram a carta responderam que a transparência, de fato, diminuiu. A carta fornece detalhes, por exemplo, de recusas de pedidos de jornalistas para contatar funcionários da Casa Branca, de demoras excessivas no fornecimento de respostas a pedidos de entrevistas e exclusão de jornalistas críticos por parte de órgãos federais.
O corpo do jornalista Jay Torres foi encontrado em 13 de junho no pátio traseiro de uma casa que ele pretendia reformar, em Garland, em Dallas. Jacinto Torres Hernández, conhecido como Jay Torres, tinha 57 anos e também trabalhava como corretor imobiliário. Durante quase quase vinte anos, Torres foi colaborador para La Estrella, a edição em espanhol do jornal Star Telegram, e pertencia à Associação Nacional de Jornalistas Hispânicos. A família de Torres desconhecia seu paradeiro desde 10 de junho e não descarta a hipótese de seu assassinato estar relacionado ao seu trabalho como jornalista. Informaram em uma coletiva de imprensa que ele estava investigando assuntos relacionados ao tráfico de seres humanos e imigração ilegal.
Terry Bollea, lutador professional de luta livre, americano e aposentado, conhecido profissionalmente como Hulk Hogan, moveu ação contra o grupo de mídia online Gawker Media e vários funcionários e entidades afiliadas da Gawker em 2012, depois que a Gawker divulgou um clipe de 101 segundos de um vídeo íntimo do lutador fornecido por uma fonte anônima. Entre outros, Bollea moveu ação por invasão de privacidade, violação de direitos de personalidade, e abalo emocional causado intencionalmente. Depois que um tribunal federal recusou seu pedido de medida cautelar, Bollea moveu ação em um tribunal da Flórida.
Apesar de o seu pedido ter sido inicialmente aceito, foi posteriormente negado, em 2014, pelo tribunal estadual de recursos, que decidiu que significaria uma restrição à liberdade de expressão e violaria a Primeira Emenda. O caso foi a julgamento em março de 2016. Durante as duas semanas de julgamento, Bollea insistiu na tese de divulgação de atos privados, afirmando que a divulgação, pela Gawker, do vídeo sem seu consentimento divulgava fatos privados altamente ofensivos sobre ele. A Gawer se defendeu afirmando que o vídeo tinha valor jornalístico – o que funciona como barreira nas ações judiciais por fatos privados de acordo com a Primeira Emenda –, já que Bollea já havia colocado sua vida privada sob escrutínio público ao discutir o vídeo em entrevistas públicas. Bollea alegou que ele e Hulk Hogan eram duas personas separadas, e que era Hulk Hogan, e não Bollea, que existia na esfera pública; Bollea, porém, havia sofrido invasão de privacidade.
Apesar de essa teoria legal ter sido desprezada pela mídia, o júri emitiu decisão a favor de Bollea e concedeu-lhe $140 milhões: $55 milhões por danos econômicos, $60 milhões por abalo emocional, e $25 milhões em indenização punitiva. O juiz recusou a suspensão do pagamento de $50 milhões que estava pendente de apelação, e a Gawker declarou falência em junho, sendo comprada em agosto pela Univision Communications, Inc. por $135 milhões.
O caso, apesar de inusitado, demonstra os riscos enfrentados pela mídia noticiosa que publica matérias sobre figuras públicas. Apesar de o Supremo Tribunal dos Estados Unidos ter geralmente incentivado os tribunais a ter uma visão ampla sobre o valor noticioso para encorajar a liberdade de expressão, os estados possuem definições diferentes do que venha a ser o valor informativo de uma notícia.
O que torna essa ação judicial ainda mais alarmante é o fato de o bilionário do Vale do Silício, Peter Thiel, ter revelado ao The New York Times em maio de 2016 que ele havia secretamente fornecido cerca de 10 milhões de dólares para financiar a ação judicial movida por Bollea. Thiel afirmou que sua decisão de financiar a ação judicial contra a Gawker era resultado do seu desejo de "dissuasão específica" contra a Gawker, que havia publicado artigos sobre Thiel desde 2007. Thiel, que doou dinheiro para o Comitê de Proteção a Jornalistas e se considera defensor da liberdade de expressão, afirmou que não tem em sua mira nenhum outro grupo de mídia além da Gawker. A participação de Thiel no caso Gawker, porém, causa preocupação de que a prática que está surgindo de financiar ações judiciais permitirá que pessoas ricas pressionem e intimidem os editores.
Em junho, uma publicação online dedicada à transparência do governo revelou as normas que regem o uso, pelo FBI, das cartas de segurança nacional (national security letters, NSLs), instrumentos legais utilizados para obter informações de provedores de serviços de comunicação como companhias telefônicas e provedores de serviços de internet. Apesar de não ser segredo que o FIB estava usando essas cartas — organizações como a Repoters Committee e Electronic Frontier Foundation têm lutado no Congresso pela reforma legislativa sobre seu uso por mais de dez anos –, as normas recentemente divulgadas revelam as restrições mínimas que o FBI impõe a si mesmo ao utilizá-las para acessar informações de jornalistas.
As normas são provenientes de um anexo classificado do manual de operações do FBI, chamado de Manual de Operações e Investigações Nacionais (Domestic Investigations and Operations Guide - "DIOG"). O anexo divulgado do DIOG, que data de 2013, havia sido anteriormente publicado pelo governo com partes censuradas. O anexo recentemente divulgado, em contrapartida, mostra que vários trechos do texto inicial eram inadequados. O mais importante é que eles permitem que o FBI obtenha informações sobre e-mails e telefonemas de jornalistas sem recrorer a um juiz ou informar a agência de notícias.
As normas exigem apenas a assinatura do departamento jurídico do FBI e do diretor executivo adjunto da Divisão de Segurança Nacional. E no caso de a carta se dirigir a um jornalista, o diretor do departamento jurídico e o diretor executivo adjunto devem consultar o assistente do procurador geral da Divisão de Segurança Nacional do Departamento de Justiça. As normas divulgadas são particularmente preocupantes porque minam medidas recentes que o governo de Barack Obama tomou para proteger os jornalistas da vigilância do governo. O governo de Obama registrou um número recorde de vazamentos de informação, muitos envolvendo jornalistas. Matérias publicadas em maio de 2013 revelaram que o Departamento de Justiça havia secretamente obtido registros de e-mails e telefonemas de jornalistas da Associated Press e da Fox News.
Como resultado, Eric Holder, procurador geral, anunciou novas políticas para proteger os jornalistas, enfatizando que o Departamento de Justiça só poderia obter informações de jornalistas como "último recurso". O Departamento e um Grupo de Diálogo da Mídia, coordenado pelo Reporters Committee, participaram de um encontro em 2014 que resultou na reformulação das diretrizes internas no início de 2015. Essas diretrizes aumentaram a ênfase nas proteções aos jornalistas. Porém, não se aplicaram às cartas antes mencionadas, que são, ao contrário, regidas pelo anexo do DIOG. Esse anexo confirma que apesar do imenso avanço nos últimos anos, ainda há muito trabalho a fazer antes que os registros das comunicações dos jornalistas e, consequentemente, das suas fontes, sejam devidamente protegidos de todos os tipos de leis de vigilância.
Preocupações semelhantes surgiram em setembro, quando o Inspetor Geral do Departamento de Justiça divulgou um relatório sobre um caso em que membros do FBI se disfarçaram de jornalistas (Relatório IG). O relatório avaliava uma operação do FBI em 2007, durante a qual agentes redigiram e publicaram uma matéria falsa atribuída à agência de notícias AP, para enganar um suspeito de crime e fazer com que baixasse um software de vigilância que permitiu que o FBI rastreasse sua localização. A ação do FBI foi revelada em outubro de 2014, e o Reporters Committee e 25 organizações noticiosas enviaram imediatamente uma carta para o procurador geral e para o diretor do FBI afirmando que era inaceitável. Os advogados do Reporters Committee e repórteres da AP enviaram pedidos detalhados com base na FOIA para o FBI buscando obter informações sobre esse e qualquer outro programa nos quais agentes se passavam por jornalistas ou usavam matérias falsas para provocar o uso de software de vigilância.
Em agosto de 2015, o Reporters Committee e a AP moveram ação contra esses registros no tribunal do distrito de Washington, D.C. O caso continua pendente. O recente Relatório IG revelou que o agente que se passou por jornalista não violou a política de clandestinidade da agência, e o presidente do comitê diretor do Reporters Committee emitiu uma declaração instando o Departamento de Justiça a considerar seriamente a necessidade da reforma e a importância de proteger a integridade do processo de coleta de notícias.
De acordo com a Verisign, empresa de segurança de internet citada pelo colunista Michael Hiltzik, o número de ataques contra as organizações noticiosas registrou um aumento de 75% no primeiro semestre de 2016 em comparação com o ano anterior, ao passo que a dimensão do ataque aumentou em 214%. Um desses ataques envoleu Brian Krebs, um jornalista e perito em segurança cibernética que sofreu um ataque que o deixou sem internet por vários dias.