Neste ano, o governo tem dado mostras de crescente preocupação com o jornalismo independente e com o surgimento de mídia não controlada pelo aparelhamento ideológico do Partido Comunista. O país passa por um arrocho contra os comunicadores não estatais, e através dele os governistas aumentaram as críticas, ameaças e prisões arbitrárias.
A agressividade governamental cresce em um momento de apogeu da imprensa não subordinada à linha editorial pró-governamental. Com a chegada das novas tecnologias, o aumento na qualidade do trabalho dos jornalistas cidadãos e maior visibilidade na mídia internacional, se fazem ouvir as vozes mais ortodoxas e contrárias à presença no país de jornais, revistas e publicações editadas fora do controle estatal.
A blogosfera cubana continuou seu crescimento nos últimos meses e mostrou um processo saudável de diversificação, que inclui blogues digitais dedicados às notícias, opinião e temas relacionados à cidadania, os direitos da comunidade LGBT, esportes, moda e tecnologia. O Facebook se tornou a mídia social preferida dos cubanos, enquanto o Twitter desempenha um papel importante no ativismo e na imprensa independente.
O surgimento e consolidação de meios de imprensa dirigidos de forma independente também caracterizaram os últimos meses. Entre estes, destacam-se sites de jornalismo narrativo como o Estornudo, o portal de investigação Periodismo de Barrio, a revista OnCuba e a plataforma El Toque.
Mesmo assim, continuam os grandes obstáculos para a publicação digital. Entre os quais a conectividade, pequena e custosa; a perseguição e repressão institucional contra os jornalistas independentes, que incluem detenções, intimações policiais, interrogatórios ameaçadores e confiscos de instrumentos de trabalho. Além disso, a ausência de um contexto jurídico que regule a liberdade de imprensa e proteja os profissionais.
A autocensura continua sendo uma das práticas mais habituais dos jornalistas que trabalham na mídia oficial, ante o temor de sofrer represálias se ousarem tocar em temas considerados tabu pelo governo. Entre eles, a atuação dos órgãos de segurança do Estado, a política exterior, o sistema eleitoral, a idoneidade dos mais altos cargos do executivo e a viabilidade do sistema político.
Em junho, a jornalista governista Rosa Miriam Elizalde, diretora do portal Cubadebate, assegurou durante uma reunião entre funcionários do Partido Comunista (PCC) e membros da União de Jornalistas de Cuba (UPEC, em espanhol), que "a mídia deve ser considerada como propriedade social fundamental, mesmo quando assume diversas formas como a estatal, cooperativa ou quando em poder de organizações, mas nunca deve ser de propriedade privada".
Invocou em seguida as ideias de um decano da Faculdade de Jornalismo em que o mesmo assegurava que "nossa imprensa é partidária, é revolucionária. Esse era o seu maior sinal de orgulho. É uma conquista histórica irreversível. Não há nem haverá, nesse particular, a menor concessão ao liberalismo ou oportunismo. A política que aplicamos em Cuba é totalmente indiferente a qualquer ideia de reconciliação ou simpatia com o Ocidente".
Apesar dessas manifestações para não se entusiasmar com uma imprensa não partidária, o ano se caracterizou também pelas reclamações publicadas por jornalistas que trabalham na mídia oficial, onde expõem a sua inconformidade com alguns aspectos da política oficial de informações. Em especial contra a proibição de que funcionários da mídia estatal colaborem de forma paralela com espaços informativos independentes.
"Fazemos uso do direito mais legítimo de escrever e opinar tanto na mídia oficial como nas plataformas digitais emergentes", afirmaram em uma carta vários jovens jornalistas do diário Vanguardia na cidade de Santa Clara. Os jornalistas alinhavaram entre as razões para colaborar com outros meios de comunicação o fato de que os espaços estatais "não conseguem superar de vez suas distorções estruturais".
"Nós não podemos nem poderemos melhorar o jornalismo cubano enquanto as políticas de informação não estiverem definitivamente liberadas de sua dependência às instituições e fontes oficiais", assinalaram os que assinaram a carta.
A extensão do uso de TICs e a consagração do fenômeno dos pacotes -coleções de material digital para distribuição no mercado informal- se configuraram como suportes para muitas publicações independentes. Maior liberdade editorial e o atrativo de melhor remuneração econômica catalisaram as colaborações jornalísticas com esses meios de comunicação, mas o governo advertiu os repórteres oficiais de que não poderão continuar com essa prática.
A extensão em todo o país de redes sem fio alternativas multiplicou também a distribuição de informação em paralelo às vias estatais.
O embrião da televisão do futuro ganha força com os pacotes. Programas tipo Q Mania Tv, divulgado de modo independente, abrem caminho para uma nova forma de se comunicar com o público. Há duas produtoras responsáveis pela distribuição destes espaços, que copiam, organizam e divulgam cerca de 1 terabyte de materiais por semana.
Omega e Odisea começaram oferecendo filmes, seriados e revistas estrangeiras, mas ampliaram seus serviços, que já incluem revistas em PDF, aplicações para celulares e publicidade de empresas privadas.
Os apps desenvolvidos na ilha para sistemas iOS e Android se dedicam ao uso off-line para suprir as deficiências de conectividade à Internet. Uma rede informal eficiente se encarrega de atualizar os aplicativos e oferecer aos clientes os mais recentes, criados por programadores cubanos.
A imprensa independente de maior oposição ao governo continua, mesmo assim, como alvo das represálias e perseguição. Em 20 de março, poucas horas antes da chegada do presidente Barack Obama, foram detidos Roberto de Jesús Guerra Pérez, diretor da Agência Hablemos Press e o repórter Rolando Reyes Rabanal. Junto aos mesmos, achava-se o jornalista holandês Erik Mouthaan e seu cinegrafista, que acabaram também detidos por algumas horas.
Durante os dias em que Obama esteve na ilha, registraram-se "mais de 300 detenções arbitrárias por motivos políticos" segundo declarações de Elizardo Sánchez, presidente da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional. Um bom número deles era de jornalistas independentes e ativistas, entre os quais se destaca o repórter Lázaro Yuri Valle Roca.
Em julho deste ano vários integrantes da Associação Pró- liberdade da Imprensa (APLP) foram detidos nas imediações da província de Las Tunas quando iam para Bayamo na província de Granma, para uma reunião sobre uma Lei da Mídia que a organização independente está promovendo. A APLP procura garantir a existência de meios de comunicação autônomos em relação ao Estado e o respeito ao exercício da liberdade de imprensa.
Nesse mesmo mês foram detidos os repórteres Ana León, Augusto César San Martín e Elio Delgado, que colaboram com o portal CubaNet com sede em Miami. Os jornalistas iam para a província de Sancti Spíritus para a cobertura da comemoração do ato oficial pelo aniversário do assalto ao quartel de Moncada.
A polícia informou aos três jornalistas que eles estavam sendo detidos porque não tinham credencial para fazer a cobertura de reportagem das atividades de 26 de julho nessa província. Confiscaram seus equipamentos de trabalho e os ameaçaram com a acusação de crime de "receptação", que o Código Penal cubano pune com penas de "privação de liberdade de três meses a um ano ou multa de cem a trezentas quotas ou ambas".
Em 11 de julho, o jornalista José Ramírez Pantoja foi expulso de seu posto de trabalho na emissora local Radio Holguín. A medida contra o repórter ocorreu depois de ele haver publicado em seu blogue pessoal algumas palavras polêmicas da subdiretora do jornal governista Granma, Karina Marrón, sobre a atual crise econômica que Cuba enfrenta.
Marrón assegurou, na VI Reunião Nacional da União de Jornalistas de Cuba (Upec), que "estão armando uma tempestade perfeita" na Ilha devido ao "fenômeno da redução do combustível e da redução da energia". Segundo a funcionária, esta situação poderia desencadear protestos.
Antes do incidente com Marrón, Ramírez Pantoja fora homenageado com o prêmio Félix Elmuza, o mais alto concedido pela Upec. Mas, em setembro passado, a organização profissional -controlada pelo governo- ratificou a sentença de expulsão do posto de trabalho contra o repórter.
O chamado "Caso Pantoja" foi coberto na reportagem Conectar a Cuba:Más espacio para crítica, pero restriciones frenan avance de libertad de prensa, publicado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). A organização, com sede em Nova York, destacou os avanços registrados pela imprensa e ressalta que "os pilares de uma imprensa mais livre já estão erguidos" no país.
Em agosto deste ano, várias vozes governistas sugeriram que Fernando Ravsberg, um jornalista uruguaio que trabalhou durante mais de duas décadas na Ilha, deveria "ser expulso" do país por sua maneira de abordar os temas cubanos. Repórter da mídia estrangeira, Ravsberg foi criticado duramente pelo modo como noticiou um artigo do governista Darío Machado, intitulado "Democracia, meios de comunicação e realidades".
No último dia desse mês, o voo 387 da companhia aérea JetBlue aterrissou em Santa Cara, inaugurando os voos regulares entre Cuba e os Estados Unidos, suspensos há mais de meio século. O jornalista Reinaldo Escobar foi detido quando cobria a notícia e depois foi levado à força para a capital cubana. Os agentes que o detiveram enfatizaram que ele praticava o "jornalismo do inimigo".
Na quarta-feira, 12 de outubro, a jornalista Elaine Diaz, diretora da mídia independente Periodismo de Barrio, foi detida na cidade de Baracoa, Guantánamo, quando cobria os danos que o furacão Matthew deixou na região. A repórter estava acompanhada por vários membros de seu conselho editorial que também foram detidos.
O governo cubano intensificou os controles contra a imprensa independente nos dias posteriores à passagem do fenômeno meteorológico pela região mais oriental do país. Vários repórteres não oficiais que pretendiam se aproximar da região mais oriental do país sofreram ameaças, detenções e confisco de seus materiais de trabalho.
Entre eles, o jornalista Maykel González Vivero, colaborador do portal Diario de Cuba, foi detido e passou três dias na cadeia por tentar noticiar a partir das áreas que sofreram mais danos pelo furacão. Antes havia sido despedido da emissora municipal governista Radio Sagua, justamente por colaborar com a mídia independente.
Ativistas da União Patriótica de Cuba que mantinham um fluxo de informações no Twitter sobre as regiões afetadas também foram vítimas de detenções, confisco de seus instrumentos de trabalho e deportações forçadas.
Aumentou também a censura de websites neste ano. Nestes últimos meses, foram acrescentadas à lista de sites bloqueados nos servidores nacionais e dos que nela se encontram há anos, como Cubaencuentro, Martinoticias e o diário digital 14ymedio, as páginas do Diario de Cuba e Cubanet.
Uma investigação jornalística realizada por repórteres do 14ymedio revelou em setembro passado que o governo implementa um filtro para as mensagens de texto (SMS) que são enviadas através de celulares. As mensagens que incluem alusões aos "direitos humanos", "greve de fome", o nome de opositores como "José Daniel Ferrer" ou da revista independente "Convivencia", são cobradas pela estatal Empresa de Telecomunicações de Cuba (Etecsa) mas nunca chegam ao seu destino.
O filtro de e-mails e a suspensão do serviço de telefonia celular continuam também como tipos de represálias contra ativistas e jornalistas independentes por seu trabalho.
As áreas de conexão wifi via Internet superaram em setembro passado os 200 pontos ao longo de todo o país. Cuba, porém, continua sendo um dos países com menor taxa de conectividade do mundo, com somente 5%, que se reduz a 1% no caso da banda larga. Uma situação que continua apesar das flexibilizações que a área das telecomunicações da administração Barack Obama adotou com relação a Cuba.
O jornalista e ex-correspondente do jornal governista Granma, José Antonio Torres, continua esperando receber liberdade condicional, que lhe permita sair da prisão e passar o resto da pena em seu domicílio. Nos últimos meses, recebeu passes de fim de semana para visitar sua família e permissão para trabalhar na biblioteca da penitenciária onde se encontra. Torres mantém a sua inocência sobre as acusações de espionagem pelas quais foi julgado.
Nos últimos meses o Centro de Estudios Convivencia (CEC) sofreu pressões por parte da segurança do Estado em torno das datas de suas reuniões para lidar com temas da realidade cubana. Vários membros do conselho editorial da revista homônima foram citados e ameaçados pela polícia política.
Resumindo, neste ano, a imprensa independente cubana se caracterizou por dois fenômenos contrários: a censura e o crescimento. Apesar dos obstáculos materiais e legais que a limitam, viveu meses de criatividade, diversificação de seus temas, novas propostas formais e um salto qualitativo em suas propostas. Por outro lado, a imprensa oficial fez um esforço para retomar temas e perspectivas mais próximas à cidadania, porém não consegue se livrar dos férreos limites partidários.